Ontem eu caminhava pela calçada de um
bairro de minha cidade e me deparei com um solitário velhinho, com cara de
transtornado. Falava alto e, mesmo que estivesse a poucos metros de distância, não
me notou, continuou falando.
O final do dia, além de abafado, está
meio estranho, pensei.
Quando era criança, cenas como essa me
impressionavam. Mas quem liga pra isso hoje em dia?
Algumas vezes, ao retornar pra casa do
bar, embriagado, eu também falo sozinho. Porém, tomo o cuidado de o fazer um
pouco tarde da noite, quando a comunidade está em sono alto, só assim não me
intimido.
Se é noite de luar ou o céu está
estrelado, converso animadamente com as estrelas e a via láctea, algumas das representantes
de Deus no universo.
Ao servir o exército, numa cidade que
ficava a uns setecentos quilômetros de onde eu morava, trocava cartas com uma
garota adolescente, uma "quase" namorada. Depois de ser colocada no
correio, a carta demorava uma semana pra chegar ao seu destino. Isso quer dizer
que recebia a resposta da garota não menos do que duas semanas depois.
Poderia ter renunciado ao serviço
militar, mas disse ao comandante, na entrevista derradeira, que queria
permanecer. O que fiz aos dezoito anos eu faço até hoje: gosto de sofrer, gosto
de sentir saudade, morando longe das pessoas mais próximas.
Quanto a isso, os
psicanalistas, freudianos ou lacanianos, têm o conceito na ponta da língua pra "classificar"
meu tipo de neurose. Fodam-se todos eles.
Escrevia muitas cartas. Não sei como as
garotas suportavam páginas e páginas daquelas "viagens". Talvez esse
gosto pela escrita me salve (ou liberte?) de caminhar pelas ruas falando
sozinho.
Hoje, Ao recordar minha juventude, até acho
engraçado. Tinha aspirações literárias. Sonhava me imortalizar como poeta. E
não fazia ideia de que todo esse sonho iria pro ralo, bastava me apaixonar por
alguma garota. Foram várias paixões. O poeta amou e deixou a arte em segundo
plano.
Juvenil, não tinha qualquer maturidade e
noção de que poderia "reencarnar" almas altamente criativas de tempos
passados, que me presenteariam com histórias imortalizadoras. Quando a
inspiração surgia, meu espírito apaixonado se desviava dos caminhos criativos,
os insights. E, com certeza, não tive um mínimo de "café" para
compreender e decifrar essas histórias e colocá-las no papel.
É por essas e outras que, ao observar
essa gurizada por aí, não sinto pena ou lamento tamanha ingenuidade. Ao
contrário, me coloco no lugar deles. São o que eu fui um dia.
(B. B. Palermo)