sexta-feira, 25 de agosto de 2017
domingo, 20 de agosto de 2017
Sobre o amor - Paulo Leminski
Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense.
A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada.
***
o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro
ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos
terça-feira, 8 de agosto de 2017
EIROS - Luis Fernando Verissimo
"A leitora Elza Marques Martins me escreve uma carta divertida estranhando que 'brasileiro' seja o único adjetivo pátrio terminado em 'eiro', que segundo ela, é um sufixo pouco nobre. Existem suecos, ingleses e brasileiros, como existem médicos, terapeutas e curandeiros. As profissões de lixeiro e coveiro e carcereiro podem ser respeitáveis, mas o 'eiro' é sinal de que elas não tem status. É a diferença entre músico e musicista e roqueiro, timbaleiro ou seresteiro. Há o importador e o muambeiro. 'Se você começou como padeiro, açougueiro ou carvoeiro' – escreve Elza – 'as chances são mínimas de acabar como advogado, empresário, grande investidor ou latinfundiário, a não ser que se dê ao trabalho político antes'. Aliás, há políticos e politiqueiros. Continua Elza: 'Eu nunca vou chegar a colunável ou socialite se comecei como faxineira ou copeira. Você pode ser católico, protestante, maometano, budista ou oportunista ou então macumbeiro.' mas a leitora nota que o dono do banco é banqueiro enquanto o funcionário é bancário, o que pode ser um julgamento inconsciente de caráter feito pela língua.
Elza – que por sinal se considerava harpeira até começar a tocar numa sinfônica e virar harpista – me sugere uma campanha nacional para passarmos a nos chamar de 'brasilinos, brasileses, brasilenses, brasilianos, brasilitanos, brasilitas, brasileus, brasilotos ou brasilões', o que aumentaria muito nossa auto-estima e nossas chances de chegar ao mundo maravilhoso dos americanos, belgas e monegascos."
VERÍSSIMO, Luis Fernando. In: Jornal do Brasil, 7 de out. 1995.
quarta-feira, 2 de agosto de 2017
sexta-feira, 28 de julho de 2017
quarta-feira, 19 de julho de 2017
O menos vendido - Ricardo Silvestrin
Custa muito
pra se fazer um poeta.
Palavra por palavra,
fonema por fonema.
Às vezes passa um século
e nenhum fica pronto.
Enquanto isso,
quem paga as contas,
vai ao supermercado,
compra o sapato das crianças?
Ler seu poema não custa nada.
Um poeta se faz com sacrifício.
É uma afronta à relação custo-benefício.
terça-feira, 18 de julho de 2017
segunda-feira, 17 de julho de 2017
terça-feira, 11 de julho de 2017
Espere baby não desespere - Chacal
Espere baby não desespere
não me venha com propostas tão fora de propósito
não acene com planos mirabolantes mas tão distantes
espere baby não desespere
vamos tomar mais um e falar sobre os mistérios
da lua vaga
dylan na vitrola dedo nas teclas
canto invento enquanto o vento marasma
espere baby não desespere
temos um quarto uma eletrola uma cartola
vamos puxar um coelho um baralho
e um castelo de cartas
vamos viver o tempo esquecido do mago merlin
vamos montar o espelho partido da vida como ela é
espere baby não desespere
a lagoa há de secar
e nós não ficaremos mais a ver navios
e nós não ficaremos mais a roer o fio da vida
e nós não ficaremos mais a temer a asa negra do fim
espere baby não desespere
porque nesse dia soprará o vento da ventura
porque nesse dia chegará a roda da fortuna
porque nesse dia se ouvirá o canto do amor
e meu dedo não mais ferirá o silêncio da noite
com estampidos perdidos
segunda-feira, 10 de julho de 2017
Fome - Knut Hamsun
Fome foi a obra que trouxe fama e reconhecimento a Hamsun. Curta, com cento e poucas páginas, a obra é densa, complexa e atormentada. Sentem-se ecos de Dostoiévski. É uma narrativa de fundo psicológico, embora não de análise psicológica de personagens; o autor não extrai de seu próprio texto nenhuma tentativa de explicação, de teorização. Simplesmente, o atormentado protagonista anônimo de Fome tem, às vezes, delírios completos, atitudes inesperadas.
O enredo é mínimo: o protagonista é um miserável, passa fome quase o tempo todo da narrativa; é também um escritor e certa vez consegue obter o valor de 10 coroas pela publicação de um artigo seu num jornal local. Toda a ação se passa na cidade de Cristiânia, atual Oslo, capital da Noruega. Dadas suas condições financeiras, vive entre a ameaça de um despejo e outro, não tendo o mínimo conforto. Seu maior amigo é o lápis com que escreve. Vive sozinho, é um tipo taciturno.
Com uma trama simples como essa, lógico esperar que alguma outra coisa justifique a obra em questão. Ela também não prima pela criação de muitos personagens; há apenas o protagonista, um homem abordado por ele na rua, uma moça. Os outros são figurantes, pessoas com quem ele lida e dos quais depois se esquece. Não obstante, a profundidade psíquica na construção do miserável faminto poucas vezes foi conseguida por um autor.
O miserável vive um dilema terrível. Padece de fome, mas esta fome é o que impulsiona sua necessidade de escrever. Portanto, se ele saciá-la, não escreverá. E ele tem a atividade como muito importante para ele. Per Johns, em seu texto Hamsun e O Seu Paradoxal Individualismo Escandinavo, nos diz na página 29 do livro Knut Hamsun no Brasil:
“Perambula pelas ruas, praças e parques de Cristiânia, a capital da Noruega antes de se chamar Oslo, sempre à beira da morte por inanição corporal, à procura do que não pode ser encontrado neste mundo imperfeito. E não abre mão de uma estranha generosidade, apesar e além de sua própria fome fisiológica, a que se acrescenta uma insólita honestidade ou respeito pelo outro ao devolver o que não lhe pertence, caído em suas mãos por engano alheio.”
E estranhamento, categoria literária tão cara à corrente de crítica literária conhecida por formalistas russos – um comportamento, ideias, sequência que nos levam a um incômodo pelo inusitado, por exemplo, Gregor Samsa ter se transformado em um inseto em A Metamorfose – está realmente presente na obra de Hamsun.
Do blog http://cleubermarques.blogspot.com.br/2016/01/fome-de-knut-hamsun.html
Continuei, implacável, a tagarelar, com o penoso sentimento de que a aborrecia, de que nenhuma de minhas palavras atingia o alvo, e apesar de tudo não parava. No fundo, posso perfeitamente ter a alma um tanto delicada, sem por isso ser um louco; há naturezas que se alimentam de bagatelas, e que são destruídas simplesmente por uma palavra dura. Insinuei que eu era uma dessas naturezas. O fato é que a pobreza aguçara em mim certas faculdades, a ponto de causar-me profundos dissabores, sim, posso lhe garantir, profundos dissabores - ai de mim! Por outro lado, isso tem suas vantagens: até me ajuda, em certas situações. O pobre inteligente é um observador bem mais fino que o rico inteligente. O pobre olha em redor, a cada passo; examina, desconfiado, cada palavra das pessoas que vai encontrando; cada passo que ele próprio dá impõe a seu espírito e a seu coração uma tarefa, um dever. Tem ouvido fino, é impressionável, experiente, leva queimaduras na alma...
Falei muito nessas queimaduras de minha alma. Quanto mais falava, porém, tanto mais ela se mostrava inquieta; e torcendo as mãos, repetia, desesperada: "Meu Deus!" Meu Deus!".
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