Nesse último domingo, 3 de fevereiro, em sua coluna na revista Donna, Celia Ribeiro conta que uma leitora enviou um e-mail discordando de um comentário feito em edição passada, segundo o qual seria invasivo tomar a iniciativa de beijar uma pessoa pública. Para a leitora, não é errado que fãs desconhecidas beijem e abracem atrizes, porque, segundo argumenta, tais pessoas dependem de seu público. Diz mais: que imagina que Celia viva “rigidamente” pautada pelas regras de etiqueta e que “seria bem mais feliz se não o fizesse”.
Ao ler o texto, me veio uma sensação de estranhamento muito grande. Primeiro, porque acho de última se pendurar no pescoço de um estranho, famoso ou não – ainda mais com aqueles gritinhos e fotos de celular. Segundo, porque até as pedras da rua sabem que Celia Ribeiro é nossa maior referência em se tratando do convívio em sociedade, sempre defendendo que as regras de etiqueta são meios de respeitar o próximo e de com ele viver em harmonia. Terceiro, porque achei de uma grosseria sem tamanho a observação de que Celia “seria bem mais feliz” se deixasse de, presumivelmente, “seguir rigidamente” a etiqueta – como se a leitora soubesse de que maneira vive ou deixa de viver a jornalista.
Com o devido respeito, mas essa mensagem da leitora é um legítimo exemplar do sem-noção total, triste produto da inversão de valores que temos vivido. Partindo de um anonimato absoluto, na tentativa de conseguir um mínimo de atenção, as pessoas se veem no direito de emitir juízos de valor e de prescrever receitas de felicidade que mais são desaforo do que legítima preocupação com o outro.
Nesta época em que todos se expõem todo o tempo e no qual as pessoas se julgam felizes porque podem sair beijando atrizes, o complicador das relações é todo mundo ter opiniões formadíssimas sobre todas as coisas, superficiais e raivosas o suficiente para se afinar com a cartilha do politicamente correto. É um tal de falar sem conhecimento de causa, de ser contra sem saber o contrário, de não gostar sem ter sequer provado, situações que são tão legítimas e boas quanto um maestro de orquestra só saber música de ouvido.
Para agravar a situação, nas redes sociais os disparates são compartilhados milhares de vezes e em meio segundo já se tem consenso universal. Não bastasse seguir o fluxo sem nem olhar para o lado (ah, a vocação de manada!) e dizer amém para palpites os mais abobados possíveis, parece que há também um desprezo pela forma máxima de autoridade, que é aquela conquistada pela via do estudo, da experiência e da sensibilidade, como o caso exposto acima. O tempo me demonstrou que boas maneiras não são futilidade, que a alma se sente bem com um pouquinho de civilização e que beijos e abraços devem ser guardados para os íntimos.
Zero Hora, quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013