quinta-feira, 17 de março de 2011

MINHA JANELA

Minha janela, Fulano,
quer ter vista para o mar
mas tem a vila, nos fundos
o bosque e o pomar.

São tantas janelas, Fulano,
posso ver tudo, se imaginar
mas as asas que libertam
não consigo encontrar.

A janela do meu mundo vê tudo, Fulano,
mas não diz nada
se o dissesse
pediria pra voar.

Todos querem voar, Fulano,
sonhadores de sacada
mas as janelas estão
gradeadas.

Da sacada o mundo se abre, Fulano,
despindo as almas da vila
o vento norte embala
cicatrizes no varal.


Dizem os políticos, Fulano,
que a vida pode ser colorida
basta encontrar dentro de nós
o Quixote do amanhã.

Cada movimento da vila, Fulano,
acelera meu coração
penso em mudar o mundo
mas me calo ao ouvir uma canção.

A música me tira do sério, Fulano,
igual vodka a passear pelas veias
é hora de requisitar  a memória
e contemplar antigas quimeras.

As luzes coloridas e os fartos goles, Fulano,
de nada valem ante a janela
a se abrir e a fechar
janela do meu mundo
que os outros vão arrombar.

Não consigo alterar a rota do mundo, Fulano,
não quero emprestar tanto sonho
abandonarei o meu ego
meus amigos e meus pais.

Como conciliar tanta desgraça, Fulano,
e o medo de ser a melhor pessoa do mundo?

A ordem do mundo cabe
nas cruzadas do jornal
dança de letras entrelaçadas
no abismo vertical e horizontal
cabe em meu coração
que ainda sonha se libertar.


domingo, 13 de março de 2011

Bola de meia, bola de gude - Milton Nascimento e Fernando Brant




Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...


Há um passado
No meu presente
O sol bem quente
Lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa
Me assombra
O menino me dá a mão...


E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade
Alegria e amor...


Pois não posso
Não devo e não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso
Aceitar sossegado
Qualquer sacanagem
Ser coisa normal...


Bola de Meia! Bola de Gude
O solidário não é solidão
Toda vez que a tristeza
Me alcança
O menino me dá a mão...


Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...


E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade
Alegria e amor...


Pois não posso
Não devo, não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso
Aceitar sossegado
Qualquer sacanagem
Ser coisa normal...


Bola de Meia! Bola de Gude!
O solidário não é solidão
Toda vez que a tristeza
Me alcança
O menino me dá a mão...


Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...


E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito
Que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito
Caráter, bondade
Alegria e amor...


Pois não posso
Não devo, não quero
Viver como toda essa gente
Insiste em viver
E não posso
Aceitar sossegado
Qualquer sacanagem
Ser coisa normal...


Bola de Meia! Bola de Gude!
O solidário não é solidão
Toda vez que a tristeza
Me alcança
O menino me dá a mão...


Há um Menino!
Há um Moleque!
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão...

sexta-feira, 11 de março de 2011

Motivo - Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico 
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.



Do livro Flor de poemas. Rio, Ed. Nova Fronteira.

quinta-feira, 10 de março de 2011

NÓS DOIS


Alguns cruzam nosso caminho
embarcam no mesmo barco
dividem bancos e causos
e fazem morada
em nossos sentimentos.

Indecisos
outros passam
nem se deixam notar
seguem apressados
para habitar
o velho mundo
particular...

Assim vamos todos
sem duvidar
de nossas crenças e hábitos
aceitamos que o normal
seja comer, dormir,
trabalhar...

Num gesto inusitado
você endoidou os pólos
da bússula de meu barco
sentou-se do meu lado e,
com mistério e com carinho,
me mostrou novo caminho!


quarta-feira, 9 de março de 2011

SIMPLES

Simples e irradiando calor
meu amor me completa e persuade
sem medo e sem piedade.
Algumas vezes porém um ciume canibal
verte sangue de meus lábios e gengivas
risca meu dorso com unhas de gata bandida.
Nem adianta procurar a origem dessa ira
melhor dar um silêncio e esperar
a guria se acalmar.
Acontece que a turbulência se dá
porque nosso amor tem história
e geografia particular.

segunda-feira, 7 de março de 2011

NOS BRAÇOS DELA

As viagens da imaginação
quando vi as fotos dela
não alcançam as delícias
que me trouxe
paladares e sabores
do seu beijo

seu cheiro assopra 
as brasas do meu corpo
que delira
dá vontade de ficar colado 
como papel no carbono
pra carregar comigo
uma cópia dela inteira...

Somos um 
a razão de ser do outro
ligados como a semente 
o fruto e a flor
dependentes
como a parte
e a sua outra 

sem identidade
se não juntarmos 
nome número e foto
passaporte um do outro
como a lagarta e a borboleta
casulo e vida do outro
como crepúsculo e aurora
carentes do dia e da noite...

Quando ela me abraça
um clarão me atravessa
e o amor logo desperta
para nos tornarmos um.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Uns & Outros - Rodolfo Witzig Guttilla




BASCHÔ REVISITADO

O outono se foi
ficou a grama amarela
e a remela
no olho do boi.



PALMAS PARA ELE

Aplauso de morte
o pernilongo
estava sem sorte.



MATINAS

5 da matina
logo estará claro
- Dá pra desligar o galo?!


VAZIO

No peito este vazio
oco como o estômago
de um cão vadio.


MOÇAS

Crise de solidão
ando piscando para as moças
da televisão.


30

Passei dos trinta
dor renitente nas juntas
mas ainda cheirando a tinta.


TEMPO

Tudo na vida passa
seu bronze há de virar pó
minha poesia fumaça.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O último viandante - Mario Quintana


Era um caminho que de tão velho, minha filha,
já nem sabia mais aonde ia...
Era um caminho
velhinho,
perdido...
Não havia traços
de passos no dia
em que por acaso o descobri:
pedras e urzes iam cobrindo tudo.
O caminho agonizava, morria
sozinho...
Eu vi...
porque são os passos que fazem os caminhos!



do livro A cor do invisível. Editora Globo, 1989.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Cueca lilás. Carpins pretos - David Coimbra



Débora era o nome dela. Débora. Pronunciávamos num suspiro: “Déboraah…”, com reticências no fim. Você sabe como são as mulheres com nomes proparoxítonos. Você sabe. Nomes proparoxítonos, vogais explosivas, só podia dar no que deu: uma mulher serpente, com curvas e aclives de pista de rali. E ruiva, ainda por cima. Déboraah… Pensei nela por causa do Antônio Lopes.


Você vai achar estranho eu pensando na Débora por causa do Antônio Lopes. Bem, é que, na verdade, não foi exatamente na Débora que pensei em primeiro lugar. Não. Foi no Odone Carpim. Pois lá estava o Antônio Lopes, no Japão, com sua camisa da sorte, suas calças da sorte, seu sapato da sorte. Então lembrei do Odone Carpim. Justamente devido a isso de roupa da sorte.


Está certo, é comum no futebol essa história de roupa da sorte. O Foguinho tinha uma. Um colete. Torcedores e jogadores acreditavam que, quando o Foguinho usava seu colete, o Grêmio não perdia. Acontece que o colete era de lã, quente, e Foguinho tinha de usá-lo mesmo no verão. Uma vez, o Grêmio ia jogar no Interior, o ônibus da delegação já deixara a cidade, quando Foguinho, remexendo na mala, comentou, distraído:


– Esqueci meu colete…


Num repente, todo o bulício dos jogadores, as risadas, os gritos, os jogos de cachetinha, tudo cessou. As respirações ficaram em suspenso. O silêncio se tornou tão pesado que ameaçou estourar os pneus do ônibus. Os olhares se voltaram para o técnico. Esqueceu? Meia-volta. Todos à casa de Foguinho, atrás do colete.


Times vencedores cultivam superstições. O Inter de 75. Os jogadores entravam e saíam do ônibus sempre na mesma ordem, sentavam nos mesmos lugares. E havia o perfume. O massagista Moura borrifava as camisetas com um perfume odor alfazema que dizia ser mágico. O time entrava em campo todo cheiroso, intrigando os adversários.


Um amigo meu, o Jorge Barnabé, acreditava ardentemente que o Grêmio só vencia se ele fosse ao jogo com uma certa cueca lilás. Empenhado na conquista do campeonato, ele não perdia uma partida. O pessoal se encontrava com ele na arquibancada e nem dava boa-tarde:


- Tá com a cueca? Tá com a cueca?


E ele, sorridente, puxava uma ponta de pano lilás do lado das calças e mostrava:


– Oh! – todos suspiravam de alívio.


O brabo é que a cueca essa era daquelas “cuecas machão”, lembra? Um tecido furadinho, quadriculado, baratíssimo, vinham várias delas dentro de um cilindro plástico vendido a parcos centavos. Chegava uma hora que as tais cuecas começavam a pinicar a pele do usuário. Aí, o Jorge ficava inquieto na arquibancada, sentado de lado, levantando, incomodando a torcida ao redor.


Aquelas cuecas se gastavam rapidamente. Certa feita, a mãe do Jorge, vendo o estado lamentável da cueca lilás dele, atirou-a no lixo. No dia do jogo o Jorge procurou a cueca e não a encontrou. Revirou as gavetas, o cesto de roupa suja. Nada. Pressentindo a tragédia, correu para a cozinha:


– Mãe! – berrava. – Cadê a minha cueca lilás?


Agora você sabe por que o Grêmio perdeu tantos campeonatos na década de 70.


Mas a história que interessa é a do Odone Carpim. Como você é esperto, já adivinhou que a roupa da sorte do Odone Carpim era, exatamente, um par de carpins. Pretos. Comuns. Meia canela. Em outras rodas consagradas como “peúga”.


Olha, o Odone não venceria nenhum concurso de mister elegância com seus carpins, mas parecia ter sorte mesmo. No futebol, a bola batia na canela dele e entrava. Sorteio, ganhava todos. Vivia achando dinheiro na rua. A todas essas, repetia: é o carpim, é o carpim.


Odone usava os carpins quase todos os dias. Resultado: os carpins começaram a gastar. Ficaram puídos, desbotados. Até que chegou um tempo em que ele foi deixando de usá-los. Não sem se lamentar pungentemente:


– Sou um comum sem o carpim. Um comum.


O curioso é que a sua sorte realmente mudava. As coisas não davam mais tão certo para ele. Talvez porque sua confiança diminuísse sem os carpins. Foi então que surgiu Débora. A Débora proparoxítona. Todos nos apaixonamos pela Débora. Todos a assediávamos. Ela nem bola.


Uma tarde, a Débora estava perto do campinho do IAPI com três amigas. Nós cochichávamos a alguns passos. Sobre ela, claro. “Como é exibida, nem olha pra gente”. Então, o Odone bradou:


– Vou dar um jeito nisso.


E saiu correndo. Foi em casa. Voltou de bermudas.


E carpins. Os velhos carpins da sorte. Veio gingando, sorrindo, em nossa direção. Subitamente, desviou para o lado das meninas. Óbvio: ia apresentar os carpins para a Débora. Tensão. Daria certo? Débora se apaixonaria pelo Odone por causa dos malditos carpins? Odone chegou perto dela. Bem perto. A roda das meninas também silenciou. Aí, ele se abaixou, ajeitou os carpins demoradamente, chamando a atenção para eles. Todos, inclusive a Débora, olhamos para os carpins. Ele olhou para trás, para nós. Sorria maliciosamente. Sorrindo ainda, olhou para cima. Para Débora. Ergueu-se. Ficou diante dela, sorrindo. Então deu-se o inacreditável. Débora sorriu para ele. Era a primeira vez que sorria para alguém da turma. Dissemos: “Oooh”. O Odone olhou para trás, vitorioso. E Débora, incrível!, falou com ele. Disse assim:


- Tu que és o Odone Carpim?


Ele, orgulhoso:


– Eu mesmo.


Ela, ainda sorrindo, mas desta vez olhando para as outras meninas:


– Vocês têm razão: é um nojo.


Ao que deu as costas para Odone e foi embora.


Moral da história: superstição só funciona no futebol.


Do livro O mundo é uma bola. Editora Atica, 2007.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Me perdoe - Sergio Capparelli

Perdoe, amor,
meu coração não entra em rede.
Triste, sem viço, sem mapa astral, ele geme.
Meu amor entrega os pontos,
cai no fosso, preso no brete,
e você, minha querida,
mando-lhe rosas pela internet?
Não diga que estou fora do esquema
que sou antigo, intruso num ciberpoema,
fora da tela do monitor
você sabe, amor platônico
me deixa sem jeito, com coágulo,
prefiro um ciberatômico
que explode, apaixonado.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Louco, igual meu amor






A toda hora
eu rabisco
um compromisso
em forma de torpedo
para deixar o nosso amor
mais eterno.

Em vez de flores
eu mando poemas
para amenizar o desejo
de morar no colo dela
me enroscar nas suas pernas
e farejar o seu cheiro...

Sou bombeiro
que apaga focos de incêndio
que a danada da paixão
acende no coração...

Sou vigia noturno
espreito esquinas e quintais
tudo pra ver se consigo
cruzar com seu olhar...

Sou astrólogo mago e adivinho
quero saber tintim por tintim
o que quer o meu amor...

E fico atento como gato
em cima do telhado
fugindo do cão

farejo o perigo
triplico a adrenalina
judio meu coração...

Brigo brinco desconverso
durmo pouco não sossego
só pra ficar ainda mais louco
parecido com meu amor!

Pílulas diárias de fofoca

  – Em Canela, ninguém cumprimenta ninguém! Em Capão, todo mundo diz “bom dia!”, “tudo bem?”. Aqui tu anda de bermuda e chinelos e ningu...