Essa história eu contei ao meu filho, antes dele dormir, a um ano atrás. Ontem ele lembrou dela, e sugeriu que eu escolhesse o Teco para ser o personagem principal. Eu não lembrava se tinha digitado essa história. Procurei nos meus arquivos e lá estava ela. decidi postá-la. Aceito sugestões para melhorá-la, ou para outros episódios (e cenas) que envolvam o TECO (e também outros possíveis personagens).
Nos tempos que eu era bom de bola não havia o bem bom de hoje em dia. Chuteiras leves, importadas, bolas redondinhas...
O campeonato ficou quente quando o nosso time se classificou para as quartas de final. Daí em diante era mata-mata. Quem perdesse, estava fora.
Quando cheguei no vestiário, no dia daquele jogo, todos já estavam fardados.
É que, em vez de ir pro jogo de ônibus, o Leco, meu primo, quis me dar carona, em sua moto. O problema é que ele só tinha um capacete. Aí ele lembrou de seu amigo Riobaldo, que um dia comentou que tinha um capacete reserva, que ele usava quando dava carona pras gurias. Segundo Leco, o capacete tinha um perfume mágico. Ao colocarem ele na cabeça e subirem na moto, as meninas logo ficavam apaixonadas. Na hora eu esbravejei:
- Não vou usar esse capacete! E se alguma coisa estranha acontecer no jogo?
- Deixa de ser bobo! O perfume só funciona com as garotas – garantiu meu primo.
- É, mas não quero me atrasar para o jogo. Tenho um pressentimento de que hoje o técnico vai me colocar no time titular.
Riobaldo morava num bairro que ficava do outro lado da cidade.
Lá se foi meu primo em busca do tal capacete. Ao chegar lá, a mãe de Riobaldo disse que ele tinha ido pescar com seus tios, e que não sabia onde ele enfiou o famoso capacete.
Procura daqui, procura dali, um tempão depois ela lembrou que o Riobaldo gostava de jogar seus cacarecos em cima do guarda-roupa. Lá estava o bendito capacete...
Dez minutos depois Leco chegou e, enfim, voamos para o estádio.
Todos fardados, só faltava o técnico dizer a escalação do time. Aí ele disse que precisava de mim para desempenhar uma função especial: anular o artilheiro adversário. Onde o Nove deles fosse, era pra eu ir atrás, tirando-lhe todo o espaço e bufando no seu cangote.
Abri a sacola com o material esportivo do nosso time, peguei as meias e procurei um calção do tamanho GG. (É, minha bunda não comporta um calção menor). Acontece que só tinha sobrado P e M. O de tamanho P era do Zezinho Bala, que naquele dia estava suspenso, porque tinha levado três cartões amarelos.
Tive de rebolar para colocar o calção tamanho M. Ai, ai, ai... Parecia aqueles fardamentos que os times usavam na década de 1980. Lembram do Zico, do Sócrates e do Falcão, da Seleção Brasileira de 1986? Me sentia preso, como se estivesse usando uma armadura.
Começou o jogo, e tratei de perseguir o Nove do outro time. Ia grudar nele como um carrapato!
Daí a pouco lançaram ele no flanco direito da nossa defesa, e eu pensei: vou chegar duro, só pra intimidar ele... Dei um carrinho por trás, ouvi um cruiiiiicccccccckk... Arrastei a bunda no chão, caí meio torto, com as pernas erguidas e abertas. De armadura, o calção se transformou numa saia!
Gemi bem alto, rolando pelo chão, as mãos escondendo o que aparecia no meio das pernas... O juiz autorizou a entrada do massagista de nosso time, que veio com o spray em punho.
- Onde foi a pancada? perguntou, soltando logo um jato de sssssssssssssssss...
- Calma! Foi pior do que você imagina – sussurrei. Apontei para o meio das minhas pernas...
- Credo! Você está usando calção branco, mas o calção do nosso time é verde!
Os jogadores do time adversário botavam pressão no juiz, para que recomeçasse o jogo, e o meu calção tinha se transformado numa saia...
Aí o massagista pegou uma toalha, que eu passei em torno de minha cintura, e cochichou:
- Saia mancando, pra torcida não desconfiar!
Falou pro juiz que eu precisava de atendimento do lado de fora do gramado. Lá fui eu, enrolado na toalha, como se estivesse saindo do banho. Notei que, do alto da arquibancada, alguns torcedores davam risadinhas maliciosas. E não é que se aproximou um repórter de uma rádio, querendo me entrevistar, pra saber se minha lesão fora grave? Fiz sinal de sim com a cabeça, virei o rosto para o lado e comecei a gemer bem alto, apertando o joelho.
O técnico e todo o nosso banco de reservas estavam aflitos porque tínhamos um jogador a menos, e o time adversário não saía de nossa área. O massagista assoprou algo no ouvido do médico, e eles vieram na minha direção, cada qual com uma toalha. Um pela frente, outro por trás, fizeram uma barreira.
Começou devagarzinho e foi, aos poucos, aumentando um coro da geral:
- Ti-ra, ti-ra, ti-ra!...
Peguei o calção que me alcançaram... Era o calção do Zezinho Bala!
- Corre logo pro campo e marca de cima o Nove! – gritou o técnico.
Comecei, então, uma grande batalha. Minhas cochas nunca foram tão grossas, minha bunda nunca fora tão grande! Gingo a cintura de um lado para o outro... Puxo, rebolo... Ufa! Finalmente estou em condições de anular o Nove.
O árbitro me autoriza a voltar para o jogo. Começou, então, na geral que fica na parte direita do estádio, um grito de guerra, que até hoje não consigo me esquecer:
- Gi-se-le! Gi-se-le! Gi-se-le!
Do lado oposto, onde tem a arquibancada, cadeiras cobertas e as cabines da imprensa, veio outro grito de guerra:
- Xu-xa! Xu-xa! Xu-xa!
Faço de conta que não tenho nada a ver com isso... Rebolo as cadeiras e consigo soltar a camisa por cima do calção... O chato do juiz logo percebe e ordena que deixe meu fardamento como deve ser.
Desanimado, nosso técnico balança a cabeça, e decide me substituir. É que toda vez que eu ameaçava correr, voltava o coro da geral “ Gisele! Gisele! Gisele!”, e a resposta do outro lado do estádio: “Xuxa, Xuxa, Xuxa!”
Droga! Meu sonho não era ser jogador de futebol. Era ser modelo. E agora, de um jeito estranho, o sonho estava se realizando!
O jogador que ia me substituir já havia aquecido. O auxiliar do juiz levantou a bandeira, eu coloquei a mão na virilha e fingi que não suportava a dor. Primeiro sentei, depois deitei e veio a maca. Juro que nunca tinha saido de campo carregado numa maca!
Querem saber? Hoje, bastante tempo depois, confesso que foi legal ouvir “Gisele! Xuxa! Gisele! Xuxa! Gisele...”