A esposa reclama que a máquina de lavar roupas
estragou. A outra diz que está com saudade, que foi ao salão, mudou o cabelo e
está louca para encontrá-lo.
Trocam-se os papéis.
Separa-se, encara pensão alimentícia e torna a
garota linda e cheirosa sua esposa oficial. Reordenam-se as regras e logo a
ex-outra é quem vai reclamar do vazamento da torneira da pia e da caixa de
descarga do banheiro.
Enquanto isso a ex-oficial tricota artimanhas para
estar sempre por perto e reivindicar o que lhe é de direito: fazer o impossível
para tornar a vida dele um inferno.
Ser e não ser. Um dia somos namorados, noutro dia
não. Um dia maridos ou esposas, noutro dia não. Amantes e ex-amantes. O campeonato
da vida muda suas posições em alta velocidade. E nem percebemos que somos uns tontos!
Não descrevo fatos reais, munição perfeita para
sites e revistas de fofocas. Farejo assunto qualquer para aguçar a curiosidade
de meus onze leitores (pressinto que logo, logo, chegarei a quinze).
Fios, teias, boa parte imperceptíveis, nos conectam
à realidade. Mas como esta anda vulnerável à neblina e ao lusco-fusco do “ouvi
dizer”!
Será que um marido perfeito pode ser amante
perfeito? Será que a amante perfeita pode ser esposa perfeita? Quem consegue
andar tranquilo nas trilhas da monogamia? E nas trilhas da poligamia?
Inventamos as regras não sem renúncia. Culpamo-nos
quando desobedecemos as mesmas. Também inventamos a tragédia e a comédia? Somos
tontos, ridículos e sérios ao mesmo tempo. E temos dificuldade para perceber o quanto
estamos aprisionados.
Leio um poema de Neruda e me pergunto como ele vê essas
danças de troca de papéis. Somos razão, somos pulsão, somos vontade de poder,
de sexo, de carinho... e de solidão.
Diz um trecho do poema “Cavaleiro solitário”,
traduzido por Paulo Mendes Campos:
“Os
entardeceres do sedutor e as noites dos esposos
unem-se como dois lençóis me sepultando,
e as horas depois do almoço em que os jovens
estudantes
e as jovens estudantes, e os sacerdotes se
masturbam,
e os animais fornicam diretamente,
e as abelhas cheiram a sangue, e as moscas zumbem
coléricas,
e os primos brincam estranhamente com as suas
primas,
e os médicos olham com fúria para o marido da jovem
paciente,
e as horas da manhã em que o professor, como por
descuido,
cumpre o seu dever conjugal e toma o café,
e ainda mais, os adúlteros que se amam com
verdadeiro amor
sobre leitos altos e longos como embarcações;
seguramente, eternamente me rodeia
este grande bosque respiratório e enredado
com grandes flores como bocas e dentaduras
e negras raízes em forma de unhas e sapatos.”
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
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