Minha vida
de personagem, poeta sonhador, começou com este poema, que eu declamei no dias
dos pais.
“Papai
sonhou que recebeu a visita de seus primeiros sapatos. Eles disseram por onde
andaram e o que fizeram em sua companhia. Derramaram lágrimas e lágrimas porque
já não aguentavam dormir e acordar, acordar e dormir algemados no armário do
porão...
Papai
prendeu os sonhos no armário do porão e muito tempo depois as chaves ele
perdeu...
Papai
escondeu no armário os sonhos mais preciosos enquanto correu atrás de outras
coisas que ele nunca desejou...
Papai também
sonhou que recebeu a visita dos seus anjos da guarda. Eles o ensinaram a nadar
no riacho, curaram o bicho-de-pé e a unha encravada.
Viram papai
subir no pé de pitangueira, jogar futebol no gramado e roubar bergamotas no
terreno do vizinho.
Papai sonhou
também que recebeu a visita do caniço de pescar, do bodoque e do livro que a
primeira profe lhe deu.
Também vieram
de visita a primeira bicicleta, as pandorgas e as bolhas de sabão, o porquinho-da-índia,
o arco-íris e o beija-flor, o banho de cachoeira, a mamadeira e os gibis, os
cadernos e suas orelhas.
Vieram tantos
amigos que naquele dia o coração de papai disparou de alegria!
Papai descobriu
que os sonhos não avisam quando vão libertar-se do porão... e descobriu,
também, que a felicidade não está guardada no armário do amanhã...
De vez em
quando, papai, é preciso espiar por detrás dos ombros, e acenar para os
brinquedos que sua vida conquistou!
Neste dia
não esqueça de dar um pontapé na preguiça, para ser, com alegria, criança como
eu sou!”
(Do livro Teco, o poeta sonhador, em: os mistérios do
porão.)
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