Meu ideal seria contar uma história... engraçada de nossa pátria.
Dizem que nossa pátria-moça está doente, por causa de tanta violência, corrupção e miséria... Gostaria que todos, quando ouvissem minha história sobre nossa pátria, rissem e se alegrassem tanto, tanto, que telefonassem para seus irmãos, amigos, vizinhos, para que todos ficassem espantados ao ver a história de nossa pátria tão alegre.
Que minha história sobre a pátria “seja como um raio de sol (...) quente, vivo”, e possa assim iluminar essa moça-pátria que dizem estar sofrida, enlutada, doente...
Que as pessoas que estivessem mal-humoradas, estressadas e sem esperança, pudessem ser atingidas pela minha história, e se alegrassem a mais não poder. Que se lembrassem dos velhos tempos, repletos de sonhos de um mundo melhor para todos.
Que nas cadeias, hospitais e escolas, a história de minha pátria chegasse – “e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria”.
Que nossos representantes políticos, depois de ouvirem a minha história sobre nossa pátria, se envergonhassem de qualquer gesto que não seja em defesa do bem comum. Que cada cidadão, ao escolher seus representantes políticos, não esquecesse de que suas escolhas eleitorais são apostas no futuro.
Enfim, que todos tratassem melhor seus empregados, suas crianças, e todos os seus semelhantes, em alegre e espontânea homenagem à nossa pátria amada.
“E que minha história se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras”, que fosse atribuída a todo e qualquer habitante do mundo, de qualquer cultura ou religião. “Mas que em todas as línguas ela guardasse a sua pureza, o seu encanto surpreendente”. E que no fundo de cada vilarejo um camponês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: ‘Nunca ouvi uma história sobre a pátria assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem; foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina”.
“E quando todos me perguntassem – ‘mas de onde é que você tirou essa história?’ – eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: “Ontem ouvi um sujeito contar uma história de nossa pátria-moça...”
“E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo” quando ouvi dizer que minha pátria está triste e doente, esquecida e abandonada por todos nós.
Essa história inventada é, portanto, um gesto de amor e solidariedade, repleto de vontade de tornar melhor o futuro de nossa pátria, que significa o futuro de todos nós.
(O texto acima é uma releitura da crônica de Rubem Braga, transcrita abaixo.)
Meu ideal seria escrever... (Rubem Braga)
Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.
Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse -- e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse -- "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.
E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago -- mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".
E quando todos me perguntassem -- "mas de onde é que você tirou essa história?" -- eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".
E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.
A crônica acima foi extraída do livro A traição das elegantes, Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, pág.91.
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