sábado, 2 de outubro de 2010
MANIA DE TROCAR - Joel Rufino dos Santos
Era uma vez um roceiro que tinha um rádio. Que foi presente de seu pai. Era para o roceiro ouvir os jogos do Brasil na Copa do Mundo.
No primeiro jogo o Brasil empatou.
O roceiro ficou muito aborrecido. Ele só queria que o Brasil ganhasse.
Aí, disse para a mulher:
- Sinhá, o nosso rádio não presta. O Brasil só empatou. Vou trocar por coisa melhor.
E saiu.
Ia passando um tropeiro com sua tropa de burros. O roceiro perguntou:
- Troca um burro por um rádio?
O tropeiro trocou. Levou o rádio e deixou um burro chamado Roucão.
Mas Roucão era demais de burro. Aí o roceiro levou Roucão para a feira. Para ver se conseguia trocar por coisa melhor.
Na feira, tinha um menino com um pato no colo. O menino apertou a barriga do pato. Saiu um montão de moedas. Todas de ouro.
Como se chama esse pato? – perguntou o roceiro.
- Se chama Uma-vez-só.
- Troca pelo meu burro Roucão?
- O que faz o seu burro? – perguntou o menino.
- Fala 432 línguas.
O menino trocou.
O roceiro saiu todo feliz.
- Agora eu fico rico! – disse o roceiro.
E apertou a barriga do pato. Apertou que apertou. Saiu foi ouro nenhum.
Foi reclamar para o menino. Mas o menino explicou:
- Ele só faz as coisas uma vez. Por isso se chama Uma-vez-só.
O roceiro quis destrocar, mas o menino encerrou a conversa:
- Trocou, ta trocado!
Ia passando um violeiro.
- O senhor não pode me dar comida? – gritou ele para o roceiro.
O roceiro respondeu:
- Só tenho esse pato... mas troco por sua viola.
- Minha viola é encantada – disse o violeiro.
- E o que faz uma viola encantada?
- Ela toca sozinha, mas como estou com fome, troco pelo pato.
E o sorriso do roceiro saiu com a viola. Ela tocou que tocou. Tanto que o roceiro não agüentou.
Tapou os ouvidos, guardou a viola no baú. Adiantou? Qual nada!
- CHEGA!
Ficou esperando na estrada até que passou um mágico.
- Quer vender a viola?
- Troco por sua cartola.
- Sem minha cartola estou perdido, mas troco pelo meu cavalo invisível.
O roceiro não enxergava cavalo nenhum. Mas trocou.
E se arrependeu loguinho. Não sabia onde o cavalo estava. Ficou com a testa cheia de calos, dos tombos que levou tentando montar no cavalo.
Vai daí que passou um matuto. Escatapum! Deu uma trombada no cavalo invisível.
- O que é isso? – perguntou o matuto.
- É um cavalo que não se vê. Mas garanto que é bom. Quer trocar?
O matuto matutou que matutou.
Estava doido pelo cavalo invisível.
Nunca tinha visto um, na sua vida de matuto. Remexeu que remexeu na sacola.
- Só tenho um rádio...
E o roceiro deu o cavalo. E o matuto deu o rádio.
Era o rádio que o seu pai lhe tinha dado.
O roceiro ligou o rádio. E ouviu que o jogo ia começar de novo.
Do livro Mania de trocar.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Oficina de poesias e contação de histórias
Muitas vezes a realidade em que vivemos é monótona e desoladora. Nos deixamos envolver de tal forma por ela, que os sonhos que nos acompanham desde pequenos acabam fugindo pelas janelas das percepções.
Muitos não foram apresentados aos livros, seja na vida familiar, na escola ou no trabalho. Os livros, que ganhamos de presente da tradição cultural, sacodem nossos sonhos, e também criam sonhos, junto com o desejo e a esperança. Aceitar o convivío com eles pode ser nossa salvação.
Renovamos nossas expectativas quando escolas abrem suas portas para os autores poderem conversar com crianças e jovens sobre a importância da literatura na vida de todo mundo.
Ter contato com as histórias, reais e imaginadas, e confrontá-las com nossa história. Esse é um grande passo na direção da liberdade.
Obrigado à Escola E. E. E. F. Hermann Faulhaber, de Panambi/RS, por nos ter recebido no dia 29/09/2010.
Pudemos realizar oficinas (de declamação de poesias e contação de histórias) com alunos de quinta a oitava séries do Ensino Fundamental.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
O DIAMANTE - L. F. Verissimo
Um dia, Maria chegou em casa da escola muito triste.
"O que foi?" perguntou a mãe de Maria.
Mas Maria nem quis conversa.
Foi direto para o seu quarto, pegou o seu Snoopy e se atirou na cama, onde ficou deitada, emburrada.
A mãe de Maria foi ver se Maria estava com febre. Não estava. Perguntou se Maria estava sentindo alguma coisa. Não estava. Perguntou se estava com fome. Não estava. Perguntou o que era, então.
"Nada" disse Maria.
A mãe resolveu não insistir. Deixou Maria deitada na cama, abraçada com o seu Snoopy, emburrada. Quando o pai de Maria chegou em casa do trabalho a mãe de Maria avisou:
"Melhor nem falar com ela..."
Maria estava com cara de poucos amigos. Pior, estava com cara de amigo nenhum.
Na mesa do jantar, Maria de repente falou:
"Eu não valo nada."
O pai de Maria disse:
"Em primeiro lugar, não se diz 'eu não valo nada'. É 'eu não valho nada'. Em segundo lugar, não é verdade. Você valhe muito. Quer dizer, vale muito."
"Não valho."
"Mas o que é isso?" disse a mãe de Maria. "Você é a nossa filha querida. Todos gostam de você. A mamãe, o papai, a vovó, os tios, as tias. Para nós, você é uma preciosidade."
Mas Maria não se convenceu. Disse que era igual a mil outras pessoas. A milhões de outras pessoas.
"Só na minha aula tem sete Marias."
"Querida..." começou a dizer a mãe. Mas o pai interrompeu.
"Maria, disse o pai, você sabe por que um diamante vale tanto dinheiro?"
"Porque é bonito."
"Porque é raro. Um pedaço de vidro também é bonito. Mas o vidro se encontra em toda parte. Um diamante é difícil de encontrar. Quanto mais rara é uma coisa, mais ela vale. Você sabe por que o ouro vale tanto?"
"Por quê?"
"Porque tem pouquíssimo ouro no mundo. Se o ouro fosse como areia, a gente ia caminhar no ouro, ia rolar no ouro, depois ia chegar cm casa e lavar o ouro do corpo para não ficar suja. Agora, imagina se em todo o mundo só existisse uma pepita de ouro."
"Ia ser a coisa mais valiosa do mundo.'
"Pois é. E em todo o mundo só existe uma Maria."
"São iguais a mim. Dois olhos, um nariz..."
"Mas esta pintinha aqui nenhuma delas tem."
"É..."
"Você já se deu conta que em todo mundo só existe uma você?"
"Mas, pai..."
"Só uma. Você é uma raridade. Podem existir outras parecidas. Mas você, você mesmo, só existe uma. Se algum dia aparecer outra você na sua frente, você pode dizer: é falsa."
"Então eu sou a coisa mais valiosa do mundo."
"Olha, você deve estar valendo aí uns três trilhões..."
Naquela noite a mãe de Maria passou perto do quarto dela e ouviu Maria falando com o Snoopy:
"Sabe um diamante?"
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
OS ESTATUTOS DO HOMEM - Thiago de Mello
Foto - Sebastião Salgado
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.
Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre
o coração do homem.
(Ato Institucional Permanente) - a Carlos Heitor Cony
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Um dia em sala de aula - Fernando Sabino
Magricela como Olívia Palito, mulher do Popeye, parecia um galho seco dentro do vestido escuro. Era antipática e ranzinza. Usava óculos de lentes grossas: não enxergava direito, vivia confundindo um aluno a outro.
A aula de religião não contava ponto nem influía na nossa média, mas a diretora nos obrigava a frequentar.
Um dia apareceu uma barata na sala de aula. Descobrimos então que Dona Risoleta tinha horror a baratas: soltou um grito, apontou a bichinha com o dedo trêmulo e subiu na cadeira, pedindo que matássemos. Era uma barata grande,daquelas cascudas.
A classe inteira se mobilizou para matá-la. Foi aquele alvoroço: empurrões,cotoveladas,pontapés, risos e gritaria, todos querendo atingi-la primeiro. E a coitada, feito barata tonta, escapando no chão. Até que, de repente, tive a sorte de dar com ela passando a correr entre meus pés - e esmigalhei-a em uma pisada só.
Fui aclamado como herói, vejam só: herói por ter matado uma barata. Até Dona Risoleta me agradeceu trêmula, descendo da cadeira e me dando um beijo na testa. Esse beijo a turma não me perdoou,durante muito tempo fui vítima da maior gozação: diziam que dona Risoleta estava querendo me namorar.
Deste episódio nasceu uma brincadeira que passamos a fazer em toda aula de religião, duas vezes por semana. Alguém trazia uma barata viva dentro de uma caixa de fósforos vazia, para soltar na sala de aula entre as carteiras, até que um aluno denunciasse a sua presença. Quando não era a dona Risoleta que soltava um gritinho:
- Uma barata!
Um dia ela foi reclamar providências da diretora, dizendo que o prédio era velho, estava precisando de uma limpeza em regra, vivia cheio de baratas. Naquele tempo não havia dedetização,de modo que a diretora não tomou providência nenhuma, nunca tinha visto barata na escola. Aquilo eram fricotes de Dona Risoleta.
E a coisa ficou por isso mesmo, de vez em quando aparecendo uma baratinha, para alegrar a aula de religião. Houve uma que subiu pela perna da professora e foi se esconder debaixo da sua roupa. A mulher deu um pulo de três metros de altura se sacudindo toda, aos berros, como se estivesse louca, por pouco não se atirou pela janela.
Até que o Dico um dia esqueceu na carteira uma caixa de fósforos com a barata dentro. Sem saber para que diabo aquele aluno havia de ter trazido fósforos de casa, se todos nós éramos crianças, não fumávamos, dona Risoleta, curiosa, abriu a caixa. A barata saltou em sua cara num vôo aflito, largando pedaços de asas no ar, e se refugiou nos seus cabelos. A coitada só faltou desmaiar de susto. Saiu correndo feito doida com barata e tudo e foi nos denunciar à diretora.
O Dico acabou suspenso por uma semana, como responsável por todas as baratas que já tinham aparecido. Com isso, ficou sob ameaça de perder o ano, por falta de frequência.
Do livro O Menino no espelho.
A aula de religião não contava ponto nem influía na nossa média, mas a diretora nos obrigava a frequentar.
Um dia apareceu uma barata na sala de aula. Descobrimos então que Dona Risoleta tinha horror a baratas: soltou um grito, apontou a bichinha com o dedo trêmulo e subiu na cadeira, pedindo que matássemos. Era uma barata grande,daquelas cascudas.
A classe inteira se mobilizou para matá-la. Foi aquele alvoroço: empurrões,cotoveladas,pontapés, risos e gritaria, todos querendo atingi-la primeiro. E a coitada, feito barata tonta, escapando no chão. Até que, de repente, tive a sorte de dar com ela passando a correr entre meus pés - e esmigalhei-a em uma pisada só.
Fui aclamado como herói, vejam só: herói por ter matado uma barata. Até Dona Risoleta me agradeceu trêmula, descendo da cadeira e me dando um beijo na testa. Esse beijo a turma não me perdoou,durante muito tempo fui vítima da maior gozação: diziam que dona Risoleta estava querendo me namorar.
Deste episódio nasceu uma brincadeira que passamos a fazer em toda aula de religião, duas vezes por semana. Alguém trazia uma barata viva dentro de uma caixa de fósforos vazia, para soltar na sala de aula entre as carteiras, até que um aluno denunciasse a sua presença. Quando não era a dona Risoleta que soltava um gritinho:
- Uma barata!
Um dia ela foi reclamar providências da diretora, dizendo que o prédio era velho, estava precisando de uma limpeza em regra, vivia cheio de baratas. Naquele tempo não havia dedetização,de modo que a diretora não tomou providência nenhuma, nunca tinha visto barata na escola. Aquilo eram fricotes de Dona Risoleta.
E a coisa ficou por isso mesmo, de vez em quando aparecendo uma baratinha, para alegrar a aula de religião. Houve uma que subiu pela perna da professora e foi se esconder debaixo da sua roupa. A mulher deu um pulo de três metros de altura se sacudindo toda, aos berros, como se estivesse louca, por pouco não se atirou pela janela.
Até que o Dico um dia esqueceu na carteira uma caixa de fósforos com a barata dentro. Sem saber para que diabo aquele aluno havia de ter trazido fósforos de casa, se todos nós éramos crianças, não fumávamos, dona Risoleta, curiosa, abriu a caixa. A barata saltou em sua cara num vôo aflito, largando pedaços de asas no ar, e se refugiou nos seus cabelos. A coitada só faltou desmaiar de susto. Saiu correndo feito doida com barata e tudo e foi nos denunciar à diretora.
O Dico acabou suspenso por uma semana, como responsável por todas as baratas que já tinham aparecido. Com isso, ficou sob ameaça de perder o ano, por falta de frequência.
Do livro O Menino no espelho.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
Procriação
Todo mundo procria.
cachorro
gato
burro
cavalo
gente
cutia...
como num avatar...
Todo mundo procria
menos parteira Sofia
que ajudava a criar.
sábado, 18 de setembro de 2010
DIÁRIO
Jogo todas as fichas no diário.
É mais um porto seguro
âncora do meu navio.
Trago milhões
de esperanças
que vão acalmar
o mar bravio.
Quando despontar
“terra à vista!”
olharemos para trás
e para frente
descobriremos que a alegria
é irmã da fé e da dor
e em todo o horizonte
poderemos semear
o amor!
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
TUITANDO
As novas ferramentas virtuais estão aí. Dizem que vieram pra ficar - sei, este é um "baita" lugar-comum...
Além do blog, dizem-me para não esquecer do twitter. Nele, as mensagens não podem ultrapassar os 140 caracteres.
Um poeta gaúcho, Fabrício Carpinejar, já publicou um livro que resultou de suas frases no twitter - que podem ser chamados de ideogramas, ou aforismos.
Literatura assim tão condensada é tema de controvérsias. Uns são a favou, outros contra. Pelo que andei lendo, mensagens de 140 caracteres são um ótimo exercício para o escritor. Obriga-o a cortar, em seu texto, tudo aquilo que é "desnecessário", deixando apenas o essencial. E sabemos que isso não é fácil.
Ontem pensei tanto nisso, e também na possibilidade de, em breve, ter um twitter...
Então sonhei... Com uma frase, que não sei como chamar... É minha primeira "tuitada".
Essa frase, ou aforismo, está escrita aqui como me veio no sonho. Não foi alterada nenhuma palavra. Não sei se isso se pode chamar de literatura surreal. Vou transcrevê-la abaixo, enquanto aguardo outros sonhos desse tipo - não esquecendo, claro, de um papel e de uma caneta ao lado da cama.
Em vez de julgar, deu-lhe de comer a primeira maça do rosto.
Além do blog, dizem-me para não esquecer do twitter. Nele, as mensagens não podem ultrapassar os 140 caracteres.
Um poeta gaúcho, Fabrício Carpinejar, já publicou um livro que resultou de suas frases no twitter - que podem ser chamados de ideogramas, ou aforismos.
Literatura assim tão condensada é tema de controvérsias. Uns são a favou, outros contra. Pelo que andei lendo, mensagens de 140 caracteres são um ótimo exercício para o escritor. Obriga-o a cortar, em seu texto, tudo aquilo que é "desnecessário", deixando apenas o essencial. E sabemos que isso não é fácil.
Ontem pensei tanto nisso, e também na possibilidade de, em breve, ter um twitter...
Então sonhei... Com uma frase, que não sei como chamar... É minha primeira "tuitada".
Essa frase, ou aforismo, está escrita aqui como me veio no sonho. Não foi alterada nenhuma palavra. Não sei se isso se pode chamar de literatura surreal. Vou transcrevê-la abaixo, enquanto aguardo outros sonhos desse tipo - não esquecendo, claro, de um papel e de uma caneta ao lado da cama.
Em vez de julgar, deu-lhe de comer a primeira maça do rosto.
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Sonhei que era um gatinho
Sonhei que era um gatinho
- Miau! ...miau!...
Que ia por um caminho
- Miau! ...miau!...
Perseguindo um ratinho
- Miau! ...miau!...
E ao ver-me pertinho
- Miau! ...miau!...
Gemia o bichinho
- Que mau! ...que mau!...
Correia Júnior. Barquinho de papel. s/ed. 1961.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
PERFIL
Por que Fulana não me quis
por que nunca senti nada por Ciclana
que gostava tanto de mim?
Idade, cor, sexo e outras informações
fazem meu raio-x
completo
psicólogos cibernéticos
um batalhão de experts
crêem piamente
que vou encontrar
o par perfeito.
Uma multidão se junta
de uma hora para outra
a esse exército
para garantir
o meu sucesso.
Satélites fazem par com GPS
a informática roda o mundo
e me encaixa, fazendo cruzamentos
com programas atualizados
para que eu encontre o par perfeito.
Eles têm informações sigilosas
das coisas que sempre desconfiei
mas que nunca compreendi direito.
Dizem os cientistas
que minha parte biológica
tem a pista que vai me conduzir
aos braços de meu grande amor.
Dizem, sem grito e sem mímica,
que não é uma questão
de saber ou não saber
de ser ou de não ser,
mas de rolar ou não rolar
a química!
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
CRESCI NA PAREDE
Há um retrato na parede
que aceitou ser a síntese
da minha geografia.
Gira no sentido anti-horário
para escancarar
toda a minha agonia.
Desenhado com cuidado
escolhido o melhor ângulo
maquiou a superfície
tragicômica do meu ego.
Dediquei muito tempo
em busca do meio termo
entre me mostrar e me esconder.
A ficha caiu quando me encarei de frente
e vacilei ao ver o retrato me observar
num desafio indiferente
do alto da parede.
Um dia, criança,
fazia bonecos reais e imaginários
com massa de modelar.
Era um tempo em que eu e meus amigos
desfilávamos poses cheios de história e sentimento.
Agora cresci
como a erva depois da chuva
no limiar da primavera.
Ombros, primeiro o esquerdo,
depois o direito, subiram até o alto,
para contemplar o mundo do outro lado.
Minhas pernas se alongaram tanto
correndo atrás de outros continentes
- aqueles lugares que sempre quis conhecer.
Cresci tanto e mesmo assim
vivo extraviado no meu canto
e já não consigo olhar indiferente
a este meu rosto que sorri
com ironia e espanto.
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