terça-feira, 18 de outubro de 2022

Pobres zumbis

 

Carros passam,

pessoas passam,

essa vida é inútil, meu amor.

Seres barulhentos,

opiniões castradas e

castradoras,

olhares faiscando como fuzis.

Tudo são quedas-d'água

que fluem cruelmente em nosso

interior.

Existe algo que nos arrebate

que nos faça ir além

do obscurantismo e do ódio e das intrigas

e dos planos frustrados

pro amanhã?

Ah, pobres zumbis!

Estamos encurralados

e embrutecidos,

somos uns requintados

mortos-vivos.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Sonhando com a monja Coen

 

Escuta só, Cadelão, o sonho que tive ontem de noite:

estava numa sala com pouca luz, incensos queimando,

num silêncio que dava até pra ouvir a respiração

e as batidas do coração.

A monja Coen tentava me conduzir ao relaxamento,

ao controle dos pensamentos e tals.

Dizia "Respira fundo, Beiço... depois solta... solta devagar..."

O mais louco é que, durante o sonho, eu estava

numa ereção do caralho, o que acontece com frequência,

depois que passei a consumir açafrão,

alho e pimenta do reino.

Cara, acho que não era tesão pela monja,

creio que era uma mistura entre meu cotidiano relapso

e a vida "ideal" que a monja me inspira.

Meu, nosso subconsciente é surreal.

Mais perto do desfecho do sonho

a monja despontava em imagens sedutoras

e se transfigurava na ministra, aquela,

vestindo uma lingerie pré-adolescente

e usando uns acessórios de sex shop,

me chamando "vem, vem, Beiçudinho escroto!".

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Tears in heaven

 

Rapaz, lembra que em 1996 vc comprou um 3 em 1,

e ouvia CDs do Eric Clapton (Tears in heaven?)

e manjava pouco  do inglês e do blues,

e vc nem havia casado,

nunca fora pai,

nunca rabiscou um poema

para um hipotético filho?

O 3 em 1 rodava os blues do Eric Clapton e de tantos outros,

e vc amava ouvir aquela angústia

que te entristecia e (por isso) te presenteava mais vida.

Hoje os animais questionam:

"A arte vale mais do que a vida,

mais do que a comida,

mais do que a justiça?",

como se uma coisa excluísse a outra.

Rapaz, parece que os tempos estão

reféns da ignorância e da barbárie,

propícios para a detonação

de bombas atômicas em massa

e a extinção da vida

por aqui.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 11 de outubro de 2022

Consertos de primavera


 

Consertar o noty

e as tampas das panelas.

Trocar os óculos

e estancar o vazamento

da pia.

Vai, guria.

Me dá corda,

me dá linha,

me dá trela.

Depois olhe pela janela

e morra de saudade

da primavera.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O bagulho anda muito loko

 

Olhar inquiridor de um garoto

acariciado pela erva,

Wolverine veio com essa:

- Cadelão, vivemos na Pós-modernidade

ou ainda estamos na Idade Média?

- Por quê?

- Bah, cara, o bagulho anda muito loko.

As multidões acusam-se de sanatismo, canibalismo,

muitos acreditam que a terra é plana

e um monte de outras bobajadas,

chamadas de teorias conspiratórias.

Veja só, acreditam inclusive que Deus pode ou deseja interferir

nas merdas que fazemos diariamente.

- Nem me fale, Wolve.

Escuta a notícia que li esses dias:

próteses são roubadas de defuntos nos cemitérios

e vendidas para clínicas dentárias.

Tu não acha, cara, que chegamos no topo

de nossa humanização?

- Hehehe...

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Aconteceu...

 

Aconteceu...


E hoje?


(Livro "O diário de Anne Frank")




Não quero mijar sentado

 

A urina borbulha,

sabe do meu esforço pra fazer a coisa certa,

nada de corromper o vaso do banheiro.

Ela argumenta de um modo conclusivo,

numa lábia definitiva.

Na viagem que me encontro,

sei que bato de frente com um mijo sábio.

Guardo o coiso

sentindo-me leve e satisfeito.

Disse um não categórico ao que ela sugeriu:

- Na Suíça, povo civilizado,

os homens devem mijar sentados!

Diante do meu jato potente mas indeciso,

eu retruquei:

- Nananá! Só te obedeço quando estiver

beeem velhinho!

 

(B. B. Palermo)


Carinhas tristes

 

Avenidas,

estacionamentos,

lojas, mercados e padarias,

passeios, fábricas e construções,

vejo tantas carinhas tristes,

não importa se são miseráveis ou lunáticos

cheios da grana.

Toneladas de paranoias como geleiras derretendo

encharcam oceanos e bombardeiam meu cérebro.

Constatações entram na ordem do dia:

Gente, isso tudo são milongas!

Estamos envelhecendo,

estamos morrendo,

alguns enriquecem,

a maioria destrói sua vida

juntando migalhas!

Criaturas de uns 30 anos com aparência de 60.

Os rebanhos estão enfeitiçados pelas intrigas.

Creio que ainda não planejaram meu assassinato,

jogando seus carros pra cima do meu corpo,

quando perambulo por aí.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Não me chamem para dançar

 


Almas de calçada,

vira-latas seguem farejando,

abraçados a bandeiras esquizoides,

meio conservadoras,

meio anarquistas,

mijando pelos cantos,

demarcando territórios que ninguém vê.

Parodiando uma canção do Paralamas,

cada um apresenta suas armas,

como se fosse a coisa mais preciosa,

como se fosse o esteio

onde o mundo se ampara e gravita,

em vez de ser um patético

encosto.

Mesmo etiquetado por esses rebanhos

de criaturas demasiado ocas,

prefiro a companhia da folha em branco,

da memória e de algumas lufadas

imaginárias.

Não consigo ensaiar minha dança

no meio da multidão.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Desobediência civil

 

Tipos inocentes,

ignorantes que gazearam as boas aulas,

podem detonar bombas,

podem matar milhões

em nome de Deus,

seja lá que coisa

isso for.

Tipos extravagantes

mergulham em águas rasas,

enquanto criam monstros

no lago Ness.

Tais tipos me apavoram.

Então me escondo no meu canto,

caneta, papel e cerveja sempre gelada

me acariciando,

enquanto rumino,

imagino

e sonho

minha desobediência

civil.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Diário de um insensível

 



 

Querido diário,

as máquinas da Corsan estão a mil no meu bairro.

Antes das 8 da manhã elas dobram as esquinas próximas

e aceleram os latidos raivosos da cachorrada,

e eu não consigo dormir cedo, os botecos

não fecham antes das 2.

Sabe, ontem foi o velório e o enterro do Golias.

É um cachorrinho de um amigo, e como o pátio daqui é enorme,

decidimos que ele faria companhia ao meu gato, o Neno,

que foi envenenado pouco antes da pandemia.

Meu amigo estacionou o carro e desceu com uma caixa

que simbolizava o caixão, e junto com ele veio sua filha e uma amiga.

Cavamos o buraco e, na despedida antes de enterrar o bichinho,

vi as lágrimas no rosto da garota,

foi então que percebi que não estava preparado emocionalmente

pra cerimônia, pois quando chegaram aqui em casa

devo ter dito alguma coisa fora de propósito...

Tu sabe, é difícil sentir as dores dos outros,

muitas vezes decorrem séculos pra desenvolvermos um mínimo de sensibilidade.

Cara, num grupo de Whats de meus conterrâneos

uma senhora Deus Pátria Família compartilhou um áudio

que circula desde 2018, comprovadamente fake.

Então fui no Google e copiei o link que atestava ser notícia falsa.

Enviei nesse grupo e comentei que nos poucos dias antes das eleições

circularão nas redes muitos boatos falsos, por isso é aconselhável não ser bocó

a ponto de achar verdadeiras tamanhas sandices.

Moral: fui expatriado do grupo, e isso trouxe algum sentido pra minha vida.

Mas o fato que mais me alegra é acompanhar, na horta, um tomateiro.

Um dos tomates deve pesar quase meio quilo.

Observo de perto seu amadurecimento.

Já passou dos tons esverdeados pra amarelados.

Creio que até domingo vai estar beeem vermelho!

                                     

(B. B. Palermo)


Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...