Ouço, no violão do Yamandu Costa, as Bachianas
brasileiras do Villa Lobos.
Fogos raivosos acendem nas minhas
entranhas ao ver esses caras comporem e executarem músicas tão criativas e
complexas.
Artistas e cientistas esticam a corda e
deixam sua obra linda e, também, incompreensível para a massa de comuns, bizarros
como eu.
Fico, ao mesmo tempo, fascinado e
paralisado, mas no final com inveja e aquela vontade de espatifar meu violão
contra a parede.
Cansei de repetir as meia dúzia de
notas de sempre, sei lá, devem ser sonhos adolescentes frustrados de tocar um
instrumento. Fico puto por não compreender as elegâncias e ritmos e melodias
que essas figuras desfilam e desdenham diante de meus olhos embaciados e ouvidos
zonzos.
O que mais se ouve por aí são músicas
de 2 ou 3 notas, de fácil memorização, demarcando em cercadinhos as
sensibilidades.
A maioria dos habitantes desse lixão de
que faço parte nunca ouviu falar nas
Bachianas e no Villa Lobos.
O que fazer? Ouço a voz daquele outro
eu, e o estropício é categórico: "Despeja essas merdas na privada e puxa a
descarga, meu irmão".
O bombardeio dessas "coisas"
simplórias nas mídias, o apego que temos por elas, como se fossem drogas
altamente viciantes... Tudo isso deve caracterizar nossa vingança, um bando de
mirins que criam consensos em torno de futilidades, pneus recauchutados circulando
vacilantes por aí.
Sentir-me distante, como a Terra de Marte,
dessas obras de arte e científicas, que admiro mas não compreendo, confesso que
é motivo para sofrer.
Cadelão que sou, tramo minha vingança
particular. Ligo para Lucy, e ela diz que está a fim. É minha ficante, o remédio
genérico que (ainda) me suporta. Remédio para muitas dores, desde que tenham
sintomas leves. Dores mais profundas, chamadas de existenciais, a garota já não
cura. Nesse caso, o remédio é porre e briga e separação.
Me encharco de cerveja e deliro e
imagino que sou o cara, um magnífico. A deusa de subúrbio logo chega, diz que
estou deslumbrante, e o paraíso é que traz mais latões e uma erva que ela
garantiu que é das boas.
Aqui embaixo, com minha princesa e
muita cerveja, eu sou mais eu, o rei do lixão.
Foda-se, Yamandu.
Foda-se, Villa Lobos, o Mozart
brasileiro.
Ok. Sigo uma lógica meio que do absurdo.
Os bons me oprimem, mas são eles que ouço. Empolgado, foi o que fiz. Depois do
primeiro baseado, coloquei as Bachianas pra tocar. Não deu outra, Lucy
resmungou:
- Nossa, que música horrível!
Resmunguei de volta:
- Criatura, não quero ser um deus que
canta e vibra numa nota só.
Depois dessa, nem a cerveja nem a erva
seguraram seu mau humor.
Lucy se foi. Talvez pra nunca mais. Ou
não.
(B. B. Palermo)