Sou Cadelão romântico, mas não me critiquem,
não ergam as patinhas, não sou tão bobo assim. Tenho certeza de que ela deu
mole, juro que não é viagem de meus neurônios enferrujados. Mas não vou narrar
para vocês a conversa surreal que tivemos no privado.
No dia de seus 20 e poucos, postou no
Face: "Ela amadureceu... Agora ela sabe o que quer" - junto com
aquela foto de atrair garotões ensandecidos. Imagina, quer pregar a moral de
que agora ficou madura, não vai mais fazer as tais burradas.
Gente, vi esse filme dezenas de vezes,
em dezenas de cinemas. Sei como operam essas criaturinhas lindas e frágeis.
Babei, sim, com aqueles olhos verdes, e os contornos daquela boca chupando bergamota e imaginei-a olhando-me
demoradamente e insinuando "vai encarar, Cadelão?".
Admiro seu amor pelas crias, de pais
diferentes, e que todo mês ela puteia fazendo estardalhaço nas redes sociais, porque
os imbecis atrasam o pagamento da pensão.
Fico imaginando possibilidades, como
seriam nossos encontros. Enquanto isso, nada de inspiração para teclar, aí eu
entorno mais um gole de ceva. Não a conheço pessoalmente, mas estou convicto de
que acrescentaria um tanto na sua vida. Sério, dar-lhe-ia visão de mundo,
cultura, abriria sua mente para coisas mais nobres, além de conduzi-la em
direção à nova garota, que jura que amadureceu. Ah, além disso eu a faria transcender
o desejo de se apaixonar e dar pra uns garotos babacas e meses depois aparecer
chorosa e barriguda.
São motivos singelos mas suficientes para
logo correr pro bar e encher a cara. Apanho a carteira e a razão, numa atitude
desesperada, me sacode, e invoca o sujeito reto que fui há alguns séculos atrás.
Aí, boto música barroca pra tocar. Meu déficit de atenção me arrasta até o
banheiro. Olho para o espelho, numa derradeira tentativa, e digo pro cretino
que aparece do outro lado "tu prometeu que hoje não...".
Adoro bar, mas há um medo de
aglomeração, ainda mais com uma gente estranha circulando entre as mesas de
sinuca. Sempre chega algum maluco meio alto, que está voltando de alguma festa,
ninguém duvida que abraçou alguns pesteados, e se aproxima e quer apertar a mão
de todo mundo.
No banheiro do boteco, acendo a luz com
o cotovelo, evito tocar a maçaneta, empurro a porta com o pé e, depois de
mijar, não dou a descarga nem chego perto da torneira. Ao retornar esfrego as
mãos com farto álcool gel e depois cheiro demoradamente e aí, sim, desfila
diante dos olhos o sentido da vida.
O dono do bar, o Maneta, faz questão de
mostrar quem é que manda no pedaço. Na faixa dos 50 anos, ele diz: "A
nossa geração é só por Deus! Nós somos velhos, não temos mais que curtir esses
Creedence e Scorpions e Pink Floyd. Vamos curtir Mano Lima e Baitaca, e
deu...". Penso, mas não digo, "sim, tu tá certo, seu bobinho, nossas
patroas não querem mais foder, só querem igreja, e veja lá...". Maneta é
bom em jogar pra cima e repetir e se alegrar com versos de algumas músicas.
"Nego bom não se mistura". "Não tá morto quem peleia".
"Não podemos se entregar pros home".
Fazer o que, ele é o dono do bar, da
conexão de wi-fi, do noty e da caixa de som, é ele quem controla os freezers
abarrotados de cerveja gelada. Tá bem, tá bem, ele não controla a dona gastrite
que quer virar úlcera, que quer virar câncer, e ele sabe disso e bebe e fuma como
um ressuscitado. E nós, vermes, rastejamos por essas espeluncas, enchendo a
cara para espantar a deprê e a solidão.
E quase sempre aparece um daqueles
empresários que exibe a carteira e uma dúzia de cartões de crédito e diz que
poderia dar um golpe de milhões com empréstimos, e os da turminha em volta
concordamos que é o momento, e digo que isso é mais justo do que praticar
pequenos estelionatos e foder ainda mais uns empresários falidos. Sim, é dar um
único golpe, certeiro, nesses bancos imperialistas e sugadores do Estado, que
não dá pra ficar satisfeito em viver no futuro com a merreca de uma aposentadoria.
Fico empolgado com a ideia e gesticulo, "é isso, eis a melhor saída, é o
momento de fazer algo bem no estilo de Robin Hood". Mas o meu amigo empresário
diz que, se der um golpe, vai curtir a via no Paraguai. Percebo o quanto sou
bobinho, sensível com as camadas mais pobres da população, pensando na
distribuição de renda e tals...
Vida que segue. Os cretinos não me dão
bola, estão agora discutindo futebol.
Um gato preto sobe no muro, ali ao lado,
e fica me encarando. Minha máscara que está no bolso começa a queimar, é hora
de voltar para casa. Ao pedir a conta, chegam no bar o doctor Biza e o Damo do
cachorrinho. Doctor pediu um litrão, acendeu um cigarro, disse que vinha de uma
consulta e queria ouvir a opinião do poeta sobre umas coisas muuuuito
importantes. Mas essa já é outra história.
*Esta é uma historinha de ficção. Por
favor, controle teu alcoolismo e FIQUE EM CASA.
(B. B. Palermo)
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