Deparo-me com discursos empolgados sobre assuntos do
momento.
Nos últimos dias é o desempenho do PIB, e do vírus
que surgiu na China e se espalha pelo mundo.
Não faço questão de me especializar nessas porras, e
nunca sei se o que leio ou ouço é confiável ou não.
Minha luz interior muda suas cores, muitas vezes se
dispersa e dissipa, mas se torna festiva, como naqueles lugares em que luzes
piscantes apresentam ninfas esperançosas de amor.
É mais divertido prestar atenção ao que vejo nas
ruas. À tardinha um baixinho musculoso carrega uma bandeja com trinta ovos,
limpinhos e ofertados ao mundo por poedeiras de belíssima linhagem. Adoro ovos,
e se engana quem acha que eu não vivo sem churrasco e bifes de primeira e filés
de peixe e uísque do bom.
Adapto-me às circunstâncias e me sinto bem quando
enrolo umas garotas da noite e me orgulho do currículo de chinelão esperto que
descobriu, pelo poder da mente, como se sair melhor do que esse bando de
escrotos submissos e obedientes.
O que digo aqui, sei, não faz a menor diferença para
o bom funcionamento da máquina e suas engrenagens.
Num outro mundo, ideal para o ego, talvez fosse
diferente. Podes criar e habitar um mundo mais próximo desse EU, o mundo dos
teus pensamentos e emoções e sensações, em vez de absorver diariamente uma
máscara, que são as impressões criadas pelos outros, deixando a cabecinha
desamparada e sufocada.
Vejo essas garotas balançando nas redes das nuvens
com seus meninos em bons carros, semblantes sérios, e sinto que as ruas podem
revelar algo que talvez seja meio imperceptível aos que circulam por aí no
piloto automático.
São perguntas comuns e arrasadoras, depende de como organizas
os pensamentos. "Que merda de escolhas eu fiz?". "Por que sou
ingênuo a tal ponto?".
Diante desses impasses, o cadelão inconsequente
prepara uma dose com bastante gelo e põe um blues pra tocar. Seus pensamentos
se dispersam e viajam, e Buda fica indignado e se revira no caixão.
Coitado do Buda, o Cadelão sabe que a engrenagem não
foi programada pela máquina para pensar nisso, ela quer que você aposte na
esperança e deseje as maravilhas que o mundo oferece a todo instante, não
importa se as rodas do teu carro estão tortas.
As ruas mostram várias coisas. Observo o cretino que
tem a cidade meio que nas mãos, ao veicular em seu site de notícias os crimes
do narcotráfico. O sujeito circula, todo sério, num unozinho caindo aos
pedaços, e disputa como um corvo a publicidade de umas empresas endividadas até
o gargalo. A ordem é levar para o povo as novidades ensanguentadas, e pra isso
tem seus informantes, sua vida gira em torno de uns furos de reportagem.
São tempos loucos, e ainda bem que ninguém liga pras minhas viagens.
Caminho pelas ruas e observo aposentados nas
varandas, sentados em cadeiras de praia e ouvindo seu radinho. Os programas das
emissoras despejam manchetes e destaques de tudo o que acontece no mundo. Enchentes
e estiagens e muita música popular.
Esses velhinhos renderiam belas reportagens. Sua
vida, suas histórias. Mas eles não vendem jornal. Nunca foram presos, não têm
ficha na polícia, não fazem ideia de como é o tráfico de drogas. Das poucas
vezes em que foram lembrados foi no censo do IBGE.
O que importa é que me divirto observando legiões de
ratos sendo moídos pela máquina. Estou nessa também, eu sei, mas eu agora
diminuí na dose e comecei a assistir palestras virtuais sobre a filosofia
budista. O mestre sabe que sempre fui péssimo aluno, mesmo assim diz que o mais
importante é a força de nossos pensamentos. O mundo parte deles, pelo menos o
TEU mundo. Tenho dúvidas quanto ao meu.
(B. B. Palermo)