Aguardo a noite chegar,
como uma criança que
teme voltar pra casa
e sofrer um castigo por
causa de uma travessura qualquer.
Assim,
estou livre de esbarrar num desses chatos,
boa
parte gente conhecida, que leva uma vida reta.
A
vida perfeita desses caras me deixa com dificuldades
pra
compreender o que realmente pensam.
Amam
mais ou fingem amar,
disfarçando
com gentilezas seu ódio aos outros?
Gostam
do que fazem?
Curtem
a rotina diária de canalizar boa parte das energias para manter seu status
e
serem bem-vindos no circo social?
Às
vezes tenho a impressão de que, dado o atual estado de coisas,
o
número de suicídios anda meio baixo.
Mas
não se preocupem.
Estou
sendo simplório.
Boa
parte das coisas que vejo se dá de maneira estrábica.
Tenho
feito exercícios pra combater a miopia.
Não
sou aluno disciplinado.
Muitas
vezes rolo na cama, ao acordar,
sem
encontrar qualquer motivação pra cumprir meus turnos
de
guarda nesse canil.
Não
tenho certeza se sou guarda que observa de fora,
ou
se faço parte da alcateia feroz.
O
que compensa é o tempo pra fazer algumas leituras.
Por
exemplo, li esses dias o livro "Relato de um náufrago",
de
Gabriel García Márquez.
Enquanto
eu fico aqui contando pra todo mundo minha vidinha sem graça,
o
personagem do livro sobreviveu durante dez dias a um naufrágio,
sem
água e comida, num pequeno bote em alto mar.
Esse
cara sim levou a vida no limite
e
herdou boas histórias pra contar.
E,
constato, boas histórias poucos vivem.
Os
mais velhos replicam o mesmo filme
"no
meu tempo"... "no meu tempo era assim...".
Coitados.
Não
percebem que a plateia escasseou.
Seu
cinema e roteiro estão falidos.
(B.
B. Palermo)