segunda-feira, 22 de maio de 2017

Amor - Clarice Lispector


Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.
Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.
Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem.
No fundo, Ana sempre tivera necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele caber como se o tivesse inventado. O homem com quem casara era um homem verdadeiro, os filhos que tivera eram filhos verdadeiros. Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para descobrir que também sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes invisíveis, que viviam como quem trabalha — com persistência, continuidade, alegria. O que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundira com felicidade insuportável. Criara em troca algo enfim compreensível, uma vida de adulto. Assim ela o quisera e o escolhera.
Sua precaução reduzia-se a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela, o sol alto, cada membro da família distribuído nas suas funções. Olhando os móveis limpos, seu coração se apertava um pouco em espanto. Mas na sua vida não havia lugar para que sentisse ternura pelo seu espanto — ela o abafava com a mesma habilidade que as lides em casa lhe haviam transmitido. Saía então para fazer compras ou levar objetos para consertar, cuidando do lar e da família à revelia deles. Quando voltasse era o fim da tarde e as crianças vindas do colégio exigiam-na. Assim chegaria a noite, com sua tranqüila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres. Encontrava os móveis de novo empoeirados e sujos, como se voltassem arrependidos. Quanto a ela mesma, fazia obscuramente parte das raízes negras e suaves do mundo. E alimentava anonimamente a vida. Estava bom assim. Assim ela o quisera e escolhera.
O bonde vacilava nos trilhos, entrava em ruas largas. Logo um vento mais úmido soprava anunciando, mais que o fim da tarde, o fim da hora instável. Ana respirou profundamente e uma grande aceitação deu a seu rosto um ar de mulher.
O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi então que olhou para o homem parado no ponto.
A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se mantinham avançadas. Era um cego.
O que havia mais que fizesse Ana se aprumar em desconfiança? Alguma coisa intranqüila estava sucedendo. Então ela viu: o cego mascava chicles… Um homem cego mascava chicles.
Ana ainda teve tempo de pensar por um segundo que os irmãos viriam jantar — o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio. Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados.
Incapaz de se mover para apanhar suas compras, Ana se aprumava pálida. Uma expressão de rosto, há muito não usada, ressurgia-lhe com dificuldade, ainda incerta, incompreensível. O moleque dos jornais ria entregando-lhe o volume. Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida.
Poucos instantes depois já não a olhavam mais. O bonde se sacudia nos trilhos e o cego mascando goma ficara atrás para sempre. Mas o mal estava feito.
A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando a tricotara. A rede perdera o sentido e estar num bonde era um fio partido; não sabia o que fazer com as compras no colo. E como uma estranha música, o mundo recomeçava ao redor. O mal estava feito. Por quê? Teria esquecido de que havia cegos? A piedade a sufocava, Ana respirava pesadamente. Mesmo as coisas que existiam antes do acontecimento estavam agora de sobreaviso, tinham um ar mais hostil, perecível… O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram.
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo… E o cego? Ana caíra numa bondade extremamente dolorosa.
Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que esta não explodisse. Mantinha tudo em serena compreensão, separava uma pessoa das outras, as roupas eram claramente feitas para serem usadas e podia-se escolher pelo jornal o filme da noite – tudo feito de modo a que um dia se seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.
Só então percebeu que há muito passara do seu ponto de descida. Na fraqueza em que estava, tudo a atingia com um susto; desceu do bonde com pernas débeis, olhou em torno de si, segurando a rede suja de ovo. Por um momento não conseguia orientar-se. Parecia ter saltado no meio da noite.
Era uma rua comprida, com muros altos, amarelos. Seu coração batia de medo, ela procurava inutilmente reconhecer os arredores, enquanto a vida que descobrira continuava a pulsar e um vento mais morno e mais misterioso rodeava-lhe o rosto. Ficou parada olhando o muro. Enfim pôde localizar-se. Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico.
Andava pesadamente pela alameda central, entre os coqueiros. Não havia ninguém no Jardim. Depositou os embrulhos na terra, sentou-se no banco de um atalho e ali ficou muito tempo.
A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si.
De longe via a aléia onde a tarde era clara e redonda. Mas a penumbra dos ramos cobria o atalho.
Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, pequenas surpresas entre os cipós. Todo o Jardim triturado pelos instantes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo era estranho, suave demais, grande demais.
Um movimento leve e íntimo a sobressaltou — voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aléia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pêlos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu.
Inquieta, olhou em torno. Os ramos se balançavam, as sombras vacilavam no chão. Um pardal ciscava na terra. E de repente, com mal-estar, pareceu-lhe ter caído numa emboscada. Fazia-se no Jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber.
Nas árvores as frutas eram pretas, doces como mel. Havia no chão caroços secos cheios de circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos. O banco estava manchado de sucos roxos. Com suavidade intensa rumorejavam as águas. No tronco da árvore pregavam-se as luxuosas patas de uma aranha. A crueza do mundo era tranqüila. O assassinato era profundo. E a morte não era o que pensávamos.
Ao mesmo tempo que imaginário — era um mundo de se comer com os dentes, um mundo de volumosas dálias e tulipas. Os troncos eram percorridos por parasitas folhudas, o abraço era macio, colado. Como a repulsa que precedesse uma entrega — era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante.
As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia. Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada. A moral do Jardim era outra. Agora que o cego a guiara até ele, estremecia nos primeiros passos de um mundo faiscante, sombrio, onde vitórias-régias boiavam monstruosas. As pequenas flores espalhadas na relva não lhe pareciam amarelas ou rosadas, mas cor de mau ouro e escarlates. A decomposição era profunda, perfumada… Mas todas as pesadas coisas, ela via com a cabeça rodeada por um enxame de insetos enviados pela vida mais fina do mundo. A brisa se insinuava entre as flores. Ana mais adivinhava que sentia o seu cheiro adocicado… O Jardim era tão bonito que ela teve medo do Inferno.
Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo.
Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor. Agarrou o embrulho, avançou pelo atalho obscuro, atingiu a alameda. Quase corria — e via o Jardim em torno de si, com sua impersonalidade soberba. Sacudiu os portões fechados, sacudia-os segurando a madeira áspera. O vigia apareceu espantado de não a ter visto.
Enquanto não chegou à porta do edifício, parecia à beira de um desastre. Correu com a rede até o elevador, sua alma batia-lhe no peito — o que sucedia? A piedade pelo cego era tão violenta como uma ânsia, mas o mundo lhe parecia seu, sujo, perecível, seu. Abriu a porta de casa. A sala era grande, quadrada, as maçanetas brilhavam limpas, os vidros da janela brilhavam, a lâmpada brilhava — que nova terra era essa? E por um instante a vida sadia que levara até agora pareceu-lhe um modo moralmente louco de viver. O menino que se aproximou correndo era um ser de pernas compridas e rosto igual ao seu, que corria e a abraçava. Apertou-o com força, com espanto. Protegia-se tremula. Porque a vida era periclitante. Ela amava o mundo, amava o que fora criado — amava com nojo. Do mesmo modo como sempre fora fascinada pelas ostras, com aquele vago sentimento de asco que a aproximação da verdade lhe provocava, avisando-a. Abraçou o filho, quase a ponto de machucá-lo. Como se soubesse de um mal — o cego ou o belo Jardim Botânico? — agarrava-se a ele, a quem queria acima de tudo. Fora atingida pelo demônio da fé. A vida é horrível, disse-lhe baixo, faminta. O que faria se seguisse o chamado do cego? Iria sozinha… Havia lugares pobres e ricos que precisavam dela. Ela precisava deles… Tenho medo, disse. Sentia as costelas delicadas da criança entre os braços, ouviu o seu choro assustado. Mamãe, chamou o menino. Afastou-o, olhou aquele rosto, seu coração crispou-se. Não deixe mamãe te esquecer, disse-lhe. A criança mal sentiu o abraço se afrouxar, escapou e correu até a porta do quarto, de onde olhou-a mais segura. Era o pior olhar que jamais recebera. Q sangue subiu-lhe ao rosto, esquentando-o.
Deixou-se cair numa cadeira com os dedos ainda presos na rede. De que tinha vergonha?
Não havia como fugir. Os dias que ela forjara haviam-se rompido na crosta e a água escapava. Estava diante da ostra. E não havia como não olhá-la. De que tinha vergonha? É que já não era mais piedade, não era só piedade: seu coração se enchera com a pior vontade de viver.
Já não sabia se estava do lado do cego ou das espessas plantas. O homem pouco a pouco se distanciara e em tortura ela parecia ter passado para o lados que lhe haviam ferido os olhos. O Jardim Botânico, tranqüilo e alto, lhe revelava. Com horror descobria que pertencia à parte forte do mundo — e que nome se deveria dar a sua misericórdia violenta? Seria obrigada a beijar um leproso, pois nunca seria apenas sua irmã. Um cego me levou ao pior de mim mesma, pensou espantada. Sentia-se banida porque nenhum pobre beberia água nas suas mãos ardentes. Ah! era mais fácil ser um santo que uma pessoa! Por Deus, pois não fora verdadeira a piedade que sondara no seu coração as águas mais profundas? Mas era uma piedade de leão.
Humilhada, sabia que o cego preferiria um amor mais pobre. E, estremecendo, também sabia por quê. A vida do Jardim Botânico chamava-a como um lobisomem é chamado pelo luar. Oh! mas ela amava o cego! pensou com os olhos molhados. No entanto não era com este sentimento que se iria a uma igreja. Estou com medo, disse sozinha na sala. Levantou-se e foi para a cozinha ajudar a empregada a preparar o jantar.
Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carregando a jarra para mudar a água – havia o horror da flor se entregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho secreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o pé a formiga. O pequeno assassinato da formiga. O mínimo corpo tremia. As gotas d’água caíam na água parada do tanque. Os besouros de verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor havia uma vida silenciosa, lenta, insistente. Horror, horror. Andava de um lado para outro na cozinha, cortando os bifes, mexendo o creme. Em torno da cabeça, em ronda, em torno da luz, os mosquitos de uma noite cálida. Uma noite em que a piedade era tão crua como o amor ruim. Entre os dois seios escorria o suor. A fé a quebrantava, o calor do forno ardia nos seus olhos.
Depois o marido veio, vieram os irmãos e suas mulheres, vieram os filhos dos irmãos.
Jantaram com as janelas todas abertas, no nono andar. Um avião estremecia, ameaçando no calor do céu. Apesar de ter usado poucos ovos, o jantar estava bom. Também suas crianças ficaram acordadas, brincando no tapete com as outras. Era verão, seria inútil obrigá-las a dormir. Ana estava um pouco pálida e ria suavemente com os outros. Depois do jantar, enfim, a primeira brisa mais fresca entrou pelas janelas. Eles rodeavam a mesa, a família. Cansados do dia, felizes em não discordar, tão dispostos a não ver defeitos. Riam-se de tudo, com o coração bom e humano. As crianças cresciam admiravelmente em torno deles. E como a uma borboleta, Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu.
Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.
Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.
— O que foi?! gritou vibrando toda.
Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:
— Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.
Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.
— Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.
— Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo.
Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.
Acabara-se a vertigem de bondade.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.
Texto extraído no livro “Laços de Família”, Editora Rocco – Rio de Janeiro, 1998, pág. 19, incluído entre “Os cem melhores contos brasileiros do século”, Editora Objetiva – Rio de Janeiro, 2000, seleção de Ítalo Moriconi.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Novos provérbios - Max Nunes


Quem não deve não treme.
Quem tudo quer tudo pede.
A pressa é inimiga da refeição.
De grão em grão a galinha enche e eu papo.
Um dia a caspa cai.

(NUNES, Max. O pescoço da girafa. São Paulo: Cia. das Letras, 1997).

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Correção ortográfica


O gerente de vendas recebeu o seguinte fax de um dos seus novos vendedores:

Seo Gomis, o criente de belzonte pidiu mais cuatrucenta pessa. Faz favor toma as providenssa. Abrasso, Nirso

Aproximadamente uma hora depois recebeu outro.

Seo Gomis, Os relatorio di venda vai xega atrazado proque to fexando umas venda. Temo que manda treiz miu pessa. Amanha to xegando. Abrasso, Nirso
No dia seguinte:

Seo Gomis, num xeguei pucausa de que vendi maiz deis miu em Beraba. To indo pra Brazilha.

No outro:

Seo Gomis, Brazilha fexo 20 miu. Vo pra Frolinoplis e de lá pra Sum Paulo no vinhão das cete hora.

E assim foi o mês inteiro. O gerente, muito preocupado com a imagem da empresa, levou ao presidente as mensagens que recebeu do vendedor. O presidente, um homem muito preocupado com o desenvolvimento da empresa e com a cultura dos funcionários, escutou atentamente o gerente e disse: — Deixa comigo que eu tomarei as providências necessárias. E Tomou. Redigiu de próprio punho um aviso que afixou no mural da empresa, juntamente com os faxes do vendedor:

"A parti de oje nois tudo vamo fazê feito o Nirso. Si priocupá menos em iscrevê serto mod a vendê maiz. Acinado, O Prezidenti".


(Autoria desconhecida)

O escritor, uma lâmpada que ilumina a escuridão


No trecho abaixo Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da adolescência que teve influência significativa em sua carreira de escritor.

Lembro-me de que certa noite - eu teria uns catorze anos, quando muito - encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam "carneado". [...] Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode aguentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? [...] 

Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos de nosso posto.

VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarineta. Porto Alegre: Globo, 1978. V. 1. (Fragmento).

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Por que existe briga de cão e gato - Luiz Antonio Aguiar


Contam as estrelas que assistiram a tudo, o vento, que corria por lá desde então, e o tempo, que nunca deixou de passar, que muito antigamente existiu uma floresta que era a floresta mais antiga do mundo, onde havia as árvores mais antigas do mundo, bisavós e tataravós de todas as árvores.
Nessa floresta havia um bando de animais. Justamente os animais mais inteligentes que já existiram neste planeta. Mas, naquela época, o que ainda não havia era o homem, no mundo. Corria sim uma profecia: "Mais cedo ou mais tarde, o homem iria surgir no planeta". E os animais estavam preocupados.
- Os humanos vão chegar e nos dominar! - alertou o Cão, um enorme cão negro, pai de todos os cães. - Vão nos fazer de escravos! Acabar com muitas das nossas espécies!
Um murmúrio alarmado  correu a assembleia dos animais, todos comentavam. Quando então o Gato veio dar sua opinião. Era um gato amarelo, imenso, pai de todos os gatos que viriam a existir.
- Eles vão derrubar as árvores, matar a floresta, sujar a água e o ar. Vão destruir a terra!
Desta vez, até as árvores se agitaram. Folhas e pequenos frutos caíram, como se já chorassem pela extinção de tantas vidas. Todo mundo concordava - era preciso fazer alguma coisa para evitar o cumprimento da profecia.
- Há uma maneira! - disse o cão preto, que era também, junto com o gato amarelo, o mais inteligente dos animais. - Já conversei com o Gato e ele concorda.
O pai de todos os gatos soltou um miado para confirmar as palavras do Cão:
- Sim, a profecia anuncia que poderemos impedir que o homem vire essa ameaça... É só não deixar que ele engula o ovo da inteligência.
- E onde está esse tal ovo? - perguntaram o Macaco e muitos outros mais.
- Precisamos procurar. Dizem que é só enxergar a luz que ele solta, e na hora iremos reconhecer. Daí, quem achar traz para cá, e ele ficará para sempre sob a guarda de todos os animais. Só assim salvaremos o planeta.
Ali, na frente dos outros, Cão e Gato trocaram um sorriso amigável, como se estivesse de acordo. Mas, a verdade é que cada qual por seu lado já tramava ficar com o ovo para si, e sozinho virar o rei dos animais.
Todos os bichos da mais antiga das florestas saíram à procura. Mas quem achou o tal ovo, num oco de árvore tão brilhante por dentro como se ali tivesse coisa do outro mundo - um daqueles pedaços de pedra que caem do céu - foi o Macaco. Logo se notava que aquele ovo tinha magia, tão estranho era, embora muito pequenino, quase do tamanho de um ovo de pomba selvagem.
Feliz da vida por acreditar que havia salvo o planeta, o bom Macaco correu para o lugar onde os animais se reuniam, levando o ovo. Quando chegou, lá estavam apenas o Cão e o Gato. Assim que viram o ovo, ambos pularam em cima do Macaco, gritando ao mesmo tempo:
- Eu vou guardar o ovo!
O Macaco, coitado, no meio daquela embolação, tentava proteger o ovo, enquanto por cima dele Cão e Gato brigavam ferozmente. Até que o Macaco soltou um guincho, e a luta parou, todos espantados. O Macaco começou a tossir, parecia sufocado, cada vez mais pálido.
- Ele engoliu o ovo! - ladrou o Cão.
- Mas que macacada! - roncou o Gato.
Muito assustado e confuso, sentindo coisas estranhas pelo corpo, o Macaco saltou em disparada, de cipó em cipó. Por muito tempo, não seria visto na floresta nem se ouviria falar dele outra vez. 
Cão e Gato sofreram diversos ferimentos. Um culpando o outro pelo desastre, ainda se engalfinharam algumas vezes. Cansados, enfim, se separaram, aos grunhidos de que um não perdoaria o outro. "Somo inimigos para sempre!" Só tinham um consolo. Para eles, ficaria tudo na mesma.
"Ora, ovo da inteligência...", resmungou consigo o Gato, "seria preciso uma dúzia deles para fazer esse Macaco emendar dois pensamentos corretamente".
E o Cão... "Que desperdício... O ovo da inteligência vai ficar com uma criatura que jamais vai tirar proveito do que ele pode dar!"
E assim as estrelas continuaram assistindo, o vento escutando, e o tempo a contar as histórias do mundo...

terça-feira, 16 de maio de 2017

Poetas de minha terra - Elisa Iv



Ainda jovem desenvolveu
Distúrbios de carinhos
Acabou internada entre braços e abraços
Dosada com beijos e caricias
Viciada em malicia
Coitada muito jovem teve seu primeiro surto
Saiu gritando pelas ruas, deem-me carinhos!
Me façam elogios
Se deitem comigo
Na metade da vida já não via mais saída
Foi trancada, envolvida
Na mais desgraçada clinica
Onde o chão é feito de camisas
Vestidos, corpos despidos
Sentidos jogados no piso!
O amor esse era o pior quarto
Um verdadeiro cubículo
Onde ela se esfregava, gritava
Respirava o medo
Uma doença que fazia com que ela passasse noites gemendo
Pobre mulher
Sedenta por cortejos
Sempre molhando seus dedos
Nas ruas das paixões era encontrada se lambendo
Uma vida de desespero
Ter sua mente tão vulnerável ao despejo
Sua cura ela imaginava ser o apego
Mas sua loucura era maior
Banhada pelo desejo
Não aguentava duas noites
Logo largava o tratamento
E se jogava no primeiro bueiro
Era tirada de la aos trapos
Enrolada em ramos de afetos
Despida por amores pornográficos
Com a boca cheia de silencio
E a mente perdida em devaneios
Pobre menina
Acabou a vida sendo amante das despedidas
Trancada na lucidez de amar sem saber amar a vida
Sua mente era capaz de aguentar uma companhia
Mas seu distúrbio por prazeres era muito valente
Suportava ser louca
Mas não suportava por muito tempo ser de outra pessoa
Seu fim foi exatamente assim
Sozinha entre paredes frias
Gritando por amores que ela mesmo sabia
Que depois de uma noite abandonaria.

O prazer de ouvir e contar histórias - Carlos Daitschman


A capital paranaense possui inúmeros contadores de histórias. Conheça um pouco dessa arte e também o trabalho de Carlos Daitschman, um dos pioneiros na retomada da arte de narrar, ouvir e dramatizar histórias na cidade.

“Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no ‘17’! O homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial… Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: ‘Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!’ Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando… até que o peixinho morreu afogado…”

O poema em prosa é do gaúcho Mario Quintana, chamado Velha História, publicado em 1976. É a primeira história de autor que o ator e contador de histórias Carlos Daitschman discursou profissionalmente, quando conseguiu que as pessoas imaginassem a literatura apenas ouvindo-o, sozinho, sem adereço ou objeto para efeito especial. Daitschman é um dos pioneiros da retomada da contação de histórias em Curitiba. Ele começou na década de 90 e hoje, além de trabalhar com grupos e comunidades através da Fundação Cultural de Curitiba, atua no projeto Curitiba Qual é a Sua, junto com Lúcia Sartori, que pretende conhecer as origens dos habitantes locais.
Daitschman é exemplo de como o gosto por literatura faz a diferença na vida das pessoas. Nascido em Curitiba em 1955, foi recém-nascido para Paranaguá e só voltou à capital para estudar, aos 14 anos. Veio morar com a avó, em uma casa antiga onde, por ser tímido, se escondia atrás dos livros. “Minha mãe diz que contava histórias para a gente dormir, mas não me recordo, tenho uma memória terrível de infância; mas sei que existiam livros na estante de casa ao meu alcance, assim como as enciclopédias Barsa e Larousse na mesa do meu pai”, conta. “Havia muito Monteiro Lobato, também A Sabedoria da Índia e da China, e quando já tinha lido todos peguei os de adultos, até um do Henry Miller que sumiu quando descobriram que eu estava lendo.”
O tempo passou, Daitschman pensou em fazer Engenharia Química, mas desistiu pela falta de aptidão com as ciências exatas, e acabou na faculdade de Psicologia. Na época, já possuía certa sensibilidade artística, pois participara de um Festival de Arte no Colégio Estadual, mas o despertar ocorreu quando cursou uma oficina ministrada por Antonio Carlos Kraide. Seguiu-se a carreira de ator e, em 1991, passou num concurso para a Fundação Cultural de Curitiba. Trabalhou em centros culturais da instituição e, em 1995, foi convidado a contar histórias nas bibliotecas. “Sai contando histórias para crianças, depois para adultos. Percebi rapidamente que não era uma brincadeira, que mexia profundamente com as pessoas. Quando fui a hospitais psiquiátricos, a pedido de ex-colegas de faculdade, começaram a acontecer coisas como, por exemplo, pacientes que não entravam em contato verbal começarem a contar histórias e cantar junto quando eu instigava. Então decidi estudar psicologia, antropologia, história das civilizações e hoje sei que não sei nada, mas estou em busca da história essencial, que é a história comum, de todos nós.”
Ele explica as diferenças entre o trabalho do contador e do ator. “O contador de histórias é uma espécie de ator, mas com o personagem você interpreta, tem que fazer o outro acreditar que é aquilo. Para mim, a grande diferença, e só fui descobrir muito depois que comecei, é que um contador nunca é maior que a história que ele conta.” A busca de Daitschman são as histórias populares (de lobisomem, boi tatá) que geralmente não estão escritas, mas fazem parte de tradições folclóricas. “Com o tempo percebi a importância de escutar e saber a história de cada indivíduo. Na verdade, colocamos as pessoas em papéis, só que elas são mais do que a gente define. Os problemas, as emoções, as paixões estão em todos os lugares. O que há são diferenças sociais, econômicas e culturais no sentido de educação formal. Mas posso afirmar que algumas pessoas que me ensinaram muito não sabem nem ler, nem escrever, pois quando você se abre para a escuta, cria-se um vínculo muito forte.” Nas narrativas escolhidas pelo artista, não existe moral pronta. “Não gosto de histórias como ‘era uma vez um menininho que não sabia dizer bom dia’, porque a criança já sabe onde vai dar. Não tenho nada a ensinar, só conto histórias que têm sentido para mim, pois se não há empatia não haverá verdade.”

Do site https://melissacrocetti.wordpress.com/2010/07/15/era-uma-vez/

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Aquele clube - Carlos Drummond de Andrade


E se a desconfiança vira paranoia?

O Clube dos Desconfiados teve existência breve. Sua utilidade era indiscutível. Por isso congregou inúmeros desconfiados, que em sociedade se sentiram mais garantidos sobre possíveis más intenções e surpresas desagradáveis. Uma vez reunidos e organizados, com estatutos e diretoria, passaram a desconfiar dos outros e de si mesmos. Marcada assembleia-geral extraordinária para exame da situação, ninguém compareceu.
Ficaram todos na esquina próxima, espiando quem entrava na sede. O porteiro, desconfiadíssimo, sumiu.

domingo, 14 de maio de 2017

Autoajuda poética - Claudia Tajes


Os autores de autoajuda que não se ofendam, mas o que vem a seguir é resultado de uma pesquisa da Universidade de Liverpool, publicada em 2013. Postada aqui e ali, a tal pesquisa voltou à ativa. Diz o seguinte: “Especialistas em ciência, psicologia e literatura descobriram que a poesia é mais útil que os livros de autoajuda por afetar o lado direito do cérebro, onde são armazenadas nossas informações autobiográficas, ajudando a refletir sobre elas e entendê-las a partir de outras perspectivas”. Estava por baixo da carne seca e fiz o teste. Ao ler a ironia amarga de Fernando Pessoa na voz de Álvaro de Campos – “Nunca conheci na vida quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo” –, encontrei consolo. Ao topar com uma pílula de autoajuda – “Um homem só está derrotado quando desiste” –, quase me deprimi para sempre.
Já que funcionou, busquei remédio para outras mazelas na farmacopeia poética brasileira. Problemas com a família? Tente Meireles, Cecília: “Minha família anda longe. Reflete-se em minha vida, mas não acontece nada: por mais que eu esteja lembrada, ela se faz de esquecida: não há comunicação!”.
De repente, uma canseira? Tome Manuel Bandeira: “Estou farto do lirismo comedido / Do lirismo bem comportado / Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente / protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor”.
Se chegou ao seu limite, Leminski: “Escrevo. E pronto. Escrevo porque preciso, preciso porque estou tonto. Ninguém tem nada com isso”.
Para todos os dias da semana, Quintana: “O mais feroz dos animais domésticos / É o relógio de parede: conheço um que já devorou / três gerações da minha família”.
E se o caso for de amor, sofrido ou correspondido, quem mais senão Drummond? “Amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência herdada, ouvida. Amor começa tarde.”
Para deixar uma pulga atrás da orelha, uma dose de Angélica Freitas: “Quando você viu na tv /aquelas pessoas em fila na chuva / à noite numa estrada / na fronteira de um país que não as deseja / (…)  não pensou duas vezes / nem trocou o canal / e foi pegar comida / na geladeira”. Ou então, Waly Salomão: “O que menos quero pro meu dia / polidez, boas maneiras / Por certo, um Professor de Etiquetas / não presenciou o ato em que fui concebido”.
De Antonio Cicero, bom para todas as horas, fica uma pequena prova: “Eu viveria tantas mortes / morreria tantas vidas / jamais me queixaria/ jamais”.
E quando o amor é tanto que nos derrete, Fabrício Corsaletti: “Se eu fosse um travesti usaria o seu nome/ se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome”.
É possível encontrar poemas para todos os estados de espírito. Os bons poetas brasileiros são incontáveis, e os ruins ocupariam uma enciclopédia inteira, se ainda existissem enciclopédias. Desculpem só dois gaúchos, Quintana e Angélica, nessa lista. Não quis magoar os amigos poetas mais próximos deixando um ou vários de fora – então espero não ter magoado todos. Os estrangeiros ficam para o próximo tratamento. Sobre autoajuda e poesia, o caso mais curioso é o de Clarice Lispector, que não foi poeta na vida, mas tem seus supostos versos divulgados em sites, páginas, e-mails, bloquinhos, ímãs de geladeira, panos de prato, azulejos, camisetas, canecas e, se duvidar, cuecas. Já que é assim, e como é Dia das Mães, encerro com uma frase que, afirma a internet, é da Clarice. Se não for, fica a intenção: “À medida em que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência da gente é continuar a ser enorme”.
(Zero Hora, 13 e 14 de maio de 2017)

sábado, 13 de maio de 2017

RAZÃO - L. F. Verissimo


(Da série "Poesia numa hora destas?!")

Você quer razão para um porre?
No fim deste corre-corre
- a gente morre!

Esses adolescentes


Adolescentes falam rápido demais. Onde querem chegar com tanta pressa?

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...