terça-feira, 21 de maio de 2013

Minha cidade

Uma cidade colorida não é notada apenas com os olhos.
É sentida com polegares, indicadores, mindinhos... Deles, ganha vida, como manhãs ensolaradas de primavera.
Mãos são pincéis que traçam painéis, nos muros, nos prédios, enchem as árvores de formas e paisagens.
Uma cidade com vida tem troca de olhares interessados no outro, seja vendedor, cobrador, mendigo ou catador...
Tem poesia nas esquinas, leitores ávidos nas livrarias, papos animados (e, quem sabe, indignados) nas rodas de bate-papo na praça.
Uma cidade emocionada oferece mais do que mercadorias e negócios. Tem troca de sorrisos e abraços, os seus gratos congestionamentos.
Uma cidade tem vida porque cada um de nós lhe dá de presente acontecimentos que marcam e tecem essa teia que é o acontecer da cidade, nossa vida.
Uma cidade colorida
é uma cidade emocionada
e uma cidade espirituosa
que ergueu sua obra
com o passar dos anos
não apenas com prédios
avenidas fábricas lojas
mas também com museus
bibliotecas e obras
daqueles que fizeram
e fazem seu coração pulsar.
Essa cidade espirituosa tem imaginação.
Tem fantasmas personagens centenários
que desejam sussurrar suas histórias
a ouvidos curiosos
no silêncio da madrugada.
Nessa cidade as pessoas se movem com paixão.
Por um grande amor, uma causa, uma utopia...

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Palavra de homem - Aldir Blanc


No apartamento onde moro existe um cômodo misterioso: o escritório. Não escrevo nele, mas lá estão os livros, o computador, a velha máquina de escrever, o fax, os discos. ... De vez em quando, peço licença e entro lá pra apanhar alguma coisa. O lugar é dominado por minha mulher e quatro filhas. 

Uma noite, fui atrás de um livro policial com Pepe Carvalho, meu detetive favorito, e dei de cara com as cinco me olhando. 

Só o homem que vive com cinco mulheres sabe os riscos dessa convivência. É preciso ser o que meu amigo Mello Menezes chama de "canalha cálido": terno, compreensivo, com apurado senso de justiça. Ajeita daqui, manera de lá, tentando não perder um pedacinho sequer do imenso amor que todas sentem por mim e que eu, modéstia à parte, mereço. 

Na tal noite, que mudou minha vida, as cinco me olhavam, intensas, e pude sentir que o homem não é nada quando mulheres tomam uma decisão. Os olhares diziam mais ou menos assim: isso é assunto nosso, morou? Estamos envolvendo você por consideração, etc, mas ESSE NÃO É SEU DEPARTAMENTO, CERTO? 

Uma delas me deu uma lata de cerveja geladinha, outra me passou uma cigarrilha holandesa, botaram um disco de jazz que eu amo na vitrola, e Isabel, a caçula, me jogou um beijinho como quem diz: coragem! Cumprido esse preâmbulo ritualístico, a Rainha das Amazonas anunciou: - Tatiana está grávida. 

Elas dizem que é folclore, mas eu senti direitinho a fumaça da cigarrilha saindo pelas orelhas. Engasguei, fiz gestos estranhos, e a Patrícia suspirou: - Eu disse que era melhor acender um troço mais forte... 

Eu nasci no Estácio, pô! Qualé? Fui criado em Vila Isabel! Não vou perder a pose mole, não! Eu e o Bruce Willis somos duro de matar, neguinhas! Vou mostrar pra vocês meu famoso jogo de cintura. Quando vocês iam, eu já estava voltando, tá legal? 

Parei de espernear, levantei do chão, Isabel enxugou a lourinha entornada em minha camisa, e tomei ali, na hora, uma decisão de macho: não vou permitir que elas percebam meus verdadeiros sentimentos. Nunca! Para o próprio bem delas, tenho que ficar frio. Vou fazer minha imitação de Robert Mitchum. 

Pronto. Nervos devidamente colocados no lugar, tive um acesso de choro. Nada de BUÁÁÁÁÁÁ e SNIFF, coisa de criança. Sou da Zona Norte. Foi assim: AAAMMMHHHNNNN! Vendo que eu havia conseguido o completo domínio de minha emoção, Mari Lúcia continuou: - São gêmeos. -AAAIIIIIMHHNNNHHHIIIIGRFSS! 

Mais lenha: - A Mariana também está grávida. Voltei a mim, igualzinho no antigo samba, nos braços de Isabel. "Nos braços de Isabel eu sou mais homem, nos braços de Isabel eu sou um deus...? Afagando minha barba em desalinho, Isabel brincou: - Vai ser vovô... 

Mari Lúcia me abanava, Mariana pingava gotinhas de Efortil dentro de outra latinha, Jung (meu bravo e fiel cão de guarda), lambia minha cara, Patrícia rezava um mantra aprendido em Búzios e Tatiana repetia, sorridente: - Assim a gente mata o velho... 

Minha garganta emitia sons gorgolejantes. Todas insistiam: - Fala, tenta falar. Cê vai se sentir melhor. Consegui articular: - Tô com uma vontade louca de comer carambola. É isso, amigas. Fecundado pela palavra vovô, eu estava irremediavelmente grávido de meus netos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Vôo noturno - Carlos Queiroz Telles


Aí ela veio
chegando bem perto,
bem perto,
bem perto...

e me deu um abraço,
e me deu um beijo,
e me deu um amasso,
e me deu um riso maroto
e me disse no ouvido:
"garoto, garoto..."
e me jogou na cama,
e me jogou no céu,
e me fez planeta,
e me fez cometa,
e toda nua
me fez ser lua
astro, sol, estrela,
cosmonauta tonto
na órbita louca
da sua boca infinita,
girando, girando
girando no espaço,
até cair de cansaço
do abismo negro
daquele abraço...

e acordar embrulhado
no lençol molhado
de sonhos e de sol.


(Carlos Queiroz Teles. Sementes de Sol. São Paulo: Moderna, 1992.)

sábado, 11 de maio de 2013

Ed Mort e o anjo barroco - Luiz Fernando Veríssimo






Mort. Ed Mort. Detetive particular. Está na plaqueta. Durante meses ninguém entrara no meu escri - escritório é uma palavra grande demais para descrevê-lo - a não ser cobradores, que eram expulsos sob ameaças de morte ou coisa pior. De repente, começou o movimento. Entrava gente o dia inteiro. Gente diferente. Até as baratas* estranharam e fizeram bocas. Não levei muito tempo para saber o que tinha havido. Alguém trocou minha plaqueta com a da escola de cabeleireiros, ao lado. A escola de cabeleireiros passou o dia vazia. Voltaire, o ratão albino, que subloca um canto da minha sala, emigrou para lá. Quando recoloquei a plaqueta no lugar, Voltaire voltou. Ele gosta de sossego. Mort. Ed Mort. Está na plaqueta certa.
Eu estava pensando no meu jantar da noite passada - isto é, em nada - quando ela entrou. Nem abri os olhos. Disse: "A escola de cabeleireiros é ao lado". Mas quando ela falou, abri os olhos depressa. Se sua voz pudesse ser engarrafada seria vendida como afrodisíaco. Ela não queria a escola de cabeleireiros.
- Preciso encontrar meu marido.
- Claro - disse eu. - Vá falando que eu tomo nota.
Meu bloco de notas fora levado pelas baratas. Uma ação de efeito psicológico. O bloco não lhes serviria para nada. Só queriam me desmoralizar. Peguei o cartão que um dos pretendentes a cabeleireiro deixara em em cima da minha mesa, com um olhar insinuante, no dia anterior. Tenho um certo charme rude, não nego. Sou violento. Sorrio para o lado. Uso costeletas. No cartão estava escrito Joli Decorações e um nome, Dorilei. Virei do outro lado. Comecei a escrever enquanto ela falava. A Bic era alugada.
- Não fui à polícia para evitar escândalo. Meu marido é de uma família conhecida. Isso não pode sair nos jornais.
Escrevi: "Linda. Linda !"
- Somos muito ricos. Meu marido vive de rendas. Desapareceu há uma semana.
Escrevi: "Se eu conseguir que ela prove o meu fettucine, está no papo". Ela disse:
- Ele saiu para devolver um anjo barroco a uma loja de decorações. Descobriu que o anjo era falso. A loja se chamava Joli Decorações.
Escrevi: "Epa !" Era o nome do cartão. Pedi para ela esperar e fui até a escola de cabeleireiros, ao lado. Dorilei estava tendo trabalho para dominar o boufant.
Recebeu-me com um sorriso brejeiro. Agarreio, com dificuldade, pela camiseta colant. A escola de cabeleireiros estava cheia. Houve gritos. Senti que alguém tentava me arranhar por trás. Dei-lhe um cotovelaço. Bateu no medalhão. Doeu, mas doeu mais nele. Com o rabo do olho vi que outro se aproximava aos pulos. Estava armado com um pente elétrico. Derrubei um secador de cabelo no seu caminho. Fiz Dorilei rodopiar e o usei como escudo, ameaçando quebrar os seus dois pulsos. Isto os deteve. Mandei Dorilei falar, e depressa. Qual era a sua ligação com a Joli Decorações?
- Trabalhei lá até ontem. Não pude continuar. O ambiente ! Por isso vim aprender a ser cabeleireiro.
O dono da Joli Decorações tinha se metido numa encrenca. Vendera um anjo barroco falso a um ricaço. O ricaço ameaçara denunciá-lo. Tinham se trancado no escritório de Randal, o dono, durante horas. Uma briga feia. No fim, saíram do escritório e da loja.
- Os dois juntos?
- Juntinhos.
Randal tinha um sítio em Teresópolis. O endereço foi a última informação que tirei de Dorilei, antes de atirá-lo contra a parede. Saí sob vaias. Gente intolerante. Mort. Ed Mort. Está na plaqueta.
Um detetive particular deve ter o poder da dedução. Deve procurar pistas e segui-las, não importa o risco. Mas às vezes a coincidência ajuda. Disse para ela que sabia onde procurar seu marido. Ela se atirou nos meus braços. As baratas, revoltadas, fizeram uma pequena dança de protesto. Voltaire nem olhou. Ela insistiu em ir comigo para Teresópolis. Iríamos no seu carro. O meu estava num estacionamento e eu não tinha dinheiro para pagar a estada. Três anos. Eu às vezes ia visitá-lo e chutar os pneus. Sou assim. Sentimental. Sei lá.
No caminho para Teresópolis, discutimos o caso. O marido poderia ter sido seqüestrado. Ou então - foi ela mesmo quem disse - eliminado, para não contar o que sabia sobre o anjo barroco. Talvez existisse uma quadrilha de falsificadores de anjos. Como o marido era bem relacionado no meio de compradores de antigüidades, uma palavra sua podia arruinar os falsificadores. Sugeri que avisássemos à polícia. Ela disse que confiava em mim. Perguntou se eu estava armado. Respondi que sim. Meu 38 estava empenhado, mas canivete também é arma. Pensei: se eu morrer por ela, ela será minha devedora. Mas eu não estarei aqui para cobrar. Sorri com o lado da boca que ela podia ver, mas o outro lado pendeu de preocupação. Paradoxo. Perigo. Mamãe disse que eu devia estudar contabilidade.
Não foi preciso chegar até a casa. De uma colina, avistamos o jardim. Randal e o marido dela caminhavam entre os canteiros floridos. Estavam de mãos dadas.
Na volta ao Rio, ela não disse nada. Pensei em convidá-la a deixar aquela vida - apartamento na Vieira Souto, empregados, iates, viagens à Europa, aquela sujeira - e se juntar a mim. Meu fettucine com vinho Boca Negra a faria esquecer tudo. Tenho tudo que o Agnaldo Timóteo já gravou e ainda vou comprar uma eletróla. Perguntei se ela abandonaria o marido. Ela riu e perguntou se eu estava doido. Deixou-me na galeria. Esqueci de cobrar pelo trabalho.
O escri estava todo revirado. Frases escritas a batom nas paredes. A vingança dos cabeleireiros. As baratas só esperavam para ver a minha cara. Voltaire mudou-se para a loja de carimbos. Mort. Ed Mort. Estava na plaqueta, mas o Dorilei atirou no chão e sapateou em cima.
(extraído de "Ed Mort e Outras Histórias")

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Talvez o último desejo - Raquel de Queiroz



Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?
      Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!
      Sim te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.
      Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Dora em vante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!
      Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!
      Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.
      Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.
 Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.
      Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranqüilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.
      Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.
      E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.
      E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.
      E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.
      E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.
      E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.
      E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.
      Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?
      O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!

terça-feira, 7 de maio de 2013

Ainda vou...


Algo se esconde
naquela mata
em silêncio
         denso
a me fitar
sem dizer
se me quer
ou se maltrata.

Ainda vou explorar
o oceano que palpita
a montanha misteriosa
que pulsa e convida...

Ainda vou saber
que surpresa tem
aquele Santo Graal
se Maria Madalena
compensa tanto rezar.

Ainda vou descobrir
não sei quando e onde
por que ela não me
                    responde
preciso descobrir...
E segue o bonde.

sábado, 4 de maio de 2013

Musa




Este poema nasceu de um diálogo no facebook, quando a Sabrina Bertollo postou esta foto no seu perfil. Na ocasião eu disse a ela que seu olhar de MUSA não permitia que silenciasse o "poeta" que vos fala. Então a Sabrina desafiou-me a escrever um poema. Eu, sem vacilar, aceitei a doce "tarefa". Com a permissão da Sabrina para que o publique, aí vai o resultado de minha inspiração.


MEU AMOR

O meu amor
é meteoro 
desgovernado.

É que teu olhar
caleidoscópio
pinga estrelas
nos meus olhos.

Minha paixão
é universo em expansão!
 

terça-feira, 30 de abril de 2013

Feito à mão - Lygia Bojunga

Eu sempre usei livro pra tudo: pra saber ler, pra altear pé de mesa, pra aprender a usar a imaginação, pra enfeitar sala quarto a casa toda, pra ter companhia dia e noite, pra aprender a escrever, pra sentar em cima, pra rir, pra gostar de pensar, pra ter apoio num papo, pra matar pernilongo, pra travesseiro, pra chorar de emoção, pra firmar prateleira, pra jogar na cabeça do outro na hora da raiva, pra me-abraçar-com, pra banquinho do pé, eu sempre usei livro pra tanta coisa, que a coisa que mais me espanta é ver gente vivendo sem livro.

Do livro, Feito à mão. Editora AGIR, 1999.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

A paixão de Lúcia Helena - Raul Drewnick



A moça fala, fala não para de falar. A mãe que prepara o almoço mais sorri do que responde. Não precisa ficar atenta para saber o que aconteceu. Os adjetivos, os verbos e os advérbios que a filha usa dizem muito. Mas o seu jeito de suspirar fundo diz muito mais. Ela esta de novo apaixonada. E, como em todas as outras vezes, pré-di-da-mente. É o  que ela diz, enquanto a mãe, sempre sorrindo, fiscaliza o arroz, vira os bifes na frigideira, começa a lavar a alface.
- Mãe, a senhora precisava ver como ele é lindo. Só de olhar para a carinha dele dá vontade de ...hum...abraçar aquela belezura e ficar beijando, beijando. Ah...
A mãe tira a panela de arroz de fogo, dá mais uma virada nos bifes. E a filha ali, falando, falando.
E os olhos dele mãe! Os olhos! Ah... Nem sei como não desmaio quando ele olha pra mim. E como ele olha pra mim! Todo dia, é só eu pôr o pé fora do colégio e chegar à esquina, quem esta sempre lá no ponto de ônibus, me esperando, com aqueles olhos?
A mãe já pôs o arroz e um bife no prato da filha e, e enquanto acaba de temperar a salada, continua sorrindo e ouvindo o que ela diz.
- lembra do Tino, mãe? Claro que você lembra. Aquele. Agente ainda morava lá na outra casa. Então. Este é ainda mais lindo que o Tino. Só que é tímido. Quando eu saio da aula, ele pensa que eu não reparo mas ele vai cortando caminho pelo jardim do colégio e, na hora em que eu chego ao ponto de ônibus lá está ele, o bandido, encostado no muro, me olhando com aqueles olhos. Mas hoje, mãe, se ele não tomar a iniciativa, eu tomo. Juro que tomo. Ou não me chamo mais Lúcia Helena.
A mãe pergunta se a filha não quer salada e ela, finalmente mudando de assunto, diz que não, porque esta a-tra-as-dis-si-ma. Precisa escovar os dentes e ir embora, senão perde a primeira aula.
Quando Lúcia Helena sai, a mãe balança a cabeça. Será que tudo vai começara de novo? E lembra-se das paixões da filha: o Tino, o Thomas, o Tim, o Turquinho. Para quem não chegou ainda aos 16 anos, é uma coleção! Enquanto lava a louça, fica assim, pensando em como se apaixona fácil a sua menina. Depois se condiciona a esquecer tudo aquilo. Lava o chão da cozinha, limpa o fogão, passa o aspirador na sala espana os móveis e quando olha para o relógio, leva um susto. São 6 horas e Lucia Helena, que sempre esta de volta às 5, ainda não chegou. A pobre mãe passa rapidamente de inquieta  a preocupada, de preocupada a aflita e já esta quase desesperada quando afinal ouve a porta se abrir:
-Menina você quer me deixar louca? Isso é hora de chegar? O que aconteceu? Você esqueceu de levar o passe do ônibus?
Lucia Helena entrando na sala responde:
- e a senhora acha que iam me deixar viajar no ônibus com essa fofura ? olha, mãe ele não e mesmo lindo? Agora precisamos tomar cuidado para ele não fugir, como o Tino e o Thomas, nem se atropelado como o Tim e o Turquinho. Ele vai se chamar Tontinho. É um bom nome. A senhora já viu um gatão mais bobinho do que este?
A mãe se aproxima e vê, logo no primeiro exame, que o gato e lindo, mas não pode chamar Tontinho. Tem de ser Tontinha. Como a filha.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Conversa de pai pra filha - Antonio Maria



- Pai, eu tenho um namorado.
Pai, que ouve isso da filha mocinha, pela primeira vez, sente uma dor muito grande. Todo sangue lhe sobe à cabeça, e o chão do mundo roda sob seus pés. Ele pensava, até então, que só a filha dos outros tinha namorado. A sua tem, também. Um namorado presunçosamente homem, sem coração e sem ternura. Um rapazola, banal, que dominará sua filha. Que a beijará no cinema e lhe sentirá o corpo, no enleio da dança. Que lhe fará ciúmes de lágrimas e revolta; pior ainda, de submissão, enganando-a com outras mocinhas. Que, quando sentir os seus ciúmes, com toda certeza, lhe dirá o nome feio e, possivelmente, lhe torcerá o braço. E ela chorará, porque o braço lhe doerá. Mas ela o perdoará no mesmo momento ou, quem sabe, não chegará, sequer, a odiá-lo. E lhe dirá, com o braço doendo ainda: "Gosto de você, mais que de tudo, só de você." Mais que de tudo e mais que dele, o pai, que nunca lhe torceu o braço. Só de você é não gostar dele, o pai. E pensará, o pai, que esse porcaria de rapaz fará a filha mocinha beber whisky, e ela, que é mocinha, ficará tonta, com o estômago às voltas. Mas terá que sorrir. E tudo o que conseguir dela será, somente, para contar aos amigos, com quem permuta as gabolices sobre suas namoradas. Ah! O pai se toma da imensa vontade de abraçar-se à filha mocinha e pedir-lhe que não seja de ninguém. De abraçá-la e rogar a Deus que os mate, aos dois, assim, abraçados, ali mesmo, antes que torça o bracinho da filha. Como é absurda e egoisticamente irracional amor de pai! Mais que ódio de fera. Ele sabe disso e se sente um coitado. Embora sem evitar que todos esses medos, iras e zelos passem por sua cabeça, tem que saber que sua filha é igual à filha dos outros; e, como a filha dos outros, será beijada na boca. Ele, o pai, beijou a filha dos outros. Disse-lhe, com ciúme, o nome feio. E torceu-lhe o braço, até doer. Nunca pensou que sua namorada fosse filha de ninguém. Ele, o pai, humanamente lamentável, lamentavelmente humano. Ele, o pai, tem, agora, que olhar a filha com o maior de todos os carinhos e sorrir-lhe um sorriso completo de bem-querer, para que ela, em nenhum momento, sinta que está sendo perdoada. Protegida, sim. Amada, muito mais. E, quando ela repetir que tem um namorado, dizer-lhe apenas:
- Queira bem a ele, minha filha.

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...