Depois de séculos enrolando, aceitei o convite do Ney - vulgo Parafuso - pra uma pescaria.
O cara é uma lenda na Serra e roda direto pelo litoral gaúcho, onde descobriu um riacho escondido na beira da BR-101,
cheio de lambaris parrudos desfilando como se fossem trutas com complexo de grandeza.
tem varas, anzóis, banquinhos, ceva gourmet e até uma caixa térmica que ele trata melhor que a sogra.
A isca do dia? Sagu. Isso mesmo. S-A-G-U. Olhei pra ele como quem vê um sushi de feijoada.
Mas o Ney jurava que era tiro e queda. E foi. O bicho mal jogava a linha
e já vinha lambari se jogando no anzol como adolescente em show de sertanejo universitário.
Enquanto isso, eu só meditava, com o anzol imóvel na água e cara de quem tinha desaprendido até a dar nó de barriga.
Tentava competir em silêncio, mas minha alma estava dividida: um lado
querendo pescar, o outro se colocando no lugar do peixinho.
- Vai que o lambari tem família, contas pra pagar, né?
Do lado da ponte, o trânsito insano. Caminhão buzinando a cada dois minutos.
Eu tinha certeza da mensagem:
- “Sai da frente, vagabundo, vai trabalhar!”
O Ney, do meu lado, seguia como se fosse um podcast ambulante. Falava de tudo: molho pesto, produção artesanal de licor de butiá, e - com mais entusiasmo ainda - da política nacional.
Eu queria berrar:
- Ney, pelo amor de Deus, cala a boca e deixa pelo menos os peixes em paz!
Mas me controlei. Afinal, ele tava ganhando. E ainda veio com aula prática:
- Tu tem que botar a isca com delicadeza, como quem serve sobremesa pra sogra chata.
Eu fazia cara de paisagem, mas por dentro fervia:
- Meu chapa, pesco desde piá. Na Vila Fag, minhoca era isca e religião!
E aí veio a dor. Não da alma. Das costas. Repetição de movimento inútil: lançar a linha, puxar vazio, lançar de novo.
Comecei a filosofar. Pescaria é tipo vida de funcionário público em greve: muita expectativa, pouco resultado.
Mas aí lembrei da fritada. E da ceva. A fé voltou.
Pra descontrair, puxei o anzol com cara de esforço e berrei:
- Nossa, quase peguei uma traíra do tamanho de um jacaré!
O Ney riu como um bode velho:
- Deixa de drama, Cadelão! Traíra não come sagu, só político!
Rimos. Abrimos os latões. Começou a contagem dos peixes,
como quando a gente era guri.
Cheguei nos 80 e poucos, meio tonto da ceva, meio emocionado.
Ainda tinha um monte pra contar. Olhei pro Ney e disparei:
- Quantos anos vive um lambari, tu sabe?
Ele me encarou como se eu tivesse perguntado a senha do Wi-Fi do além.
- Bah, nunca pensei nisso, Cadelão.
- E tu acha que só a gente tem alma? Ou os bichinhos também?
Ele deu um gole, apontou pro campo:
- Tá vendo aquele rebanho ali? Vai lá e conta quantas cabeças de gado tem. Se sobrar tempo, volta e me ajuda a fritar essa galera!
(B.B. Palermo)
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