sábado, 9 de novembro de 2024

Apenas este instante

 


A prosa daquele senhor impregna o ar.

Ao exalar suas frases, meio que balança a cabeça,

as pernas, dá a impressão de que vai para muitos lugares

ao mesmo tempo.

As opiniões, meio patéticas, despertam-me lembranças

de meus antepassados.

Eram ágeis? Como?

O coração bombeava direitinho sangue por todo o corpo,

ou era fraco?

E os dentes,

e o nervo ciático,

a quantas andava a vitamina D,

e a higiene pessoal,

e as doenças sexualmente transmissíveis?

Quanto % usaram de sua cabeça animal?

Darwin, me ajude:

como cheguei até aqui, em meio a tantos

apetites aleatórios?

Darwin, diga, por favor:

como fui o escolhido, em meio a uma competição

entre milhões de espermatozoides?

Tem dias que olho para trás

e vejo meus ancestrais como uns heróis.

Noutros dias me convenço de que foram uns fodidos.

(Mas que isso não sirva para justificar

esta vidinha miserável, não é mesmo?).

Tem dias que seus corpos despertam

e soltam faíscas das fiações dos postes de minha rua.

Então, furiosos, arrancam pratos e copos de minhas mãos

e os estraçalham no vazio.

Minha estratégia,

como a da maioria de vocês,

é jogá-los no esquecimento –

olvidá-los, ignorá-los –

embarcando no delírio coletivo,

como se tudo o que existe

é este instante.

Este,

apenas

este.

 

(B. B. Palermo)


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