quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Viagem ao fim da noite




O cachorro passa mancando...

não me percebe.

Compreendo: a vida é busca, é movimento.

Quem prova isso é o motoboy e sua descarga barulhenta

e as dezenas de vezes que passou pela rua, hoje,

como um trator levantando vôo.

O cretino não sabe ou não quer saber

da tal da “poluição sonora”.

Alguém aí se importa?

Vou à praia no entardecer.

A natureza 

NATUREZA 

me chama.

Eis que me deparo com um trator

puxando vaga/metódica/mente uma rede

e – sei lá... – fiquei triste, como a personagem da Clarice

em “Paixão segundo GH”, que devorou uma barata.

Eis uma tristeza que ninguém sabe explicar.

Assim que a rede saiu do mar em direção à praia,

fui encarado por um peixe-espada,

e seus olhos me fuzilaram:

 

– EU NÃO DESEJAVA MORRER!

 

Eis que surgem lembranças de porres e fiascos

nas noites boêmias,

num tempo em que meus olhos estavam

em melhor estado de conservação

do que o pobre diabo do peixe enroscado

naquela rede.

Mais cedo ou mais tarde,

e que isso sirva de consolo,

estaremos todos enredados –  alegres ou faceiros –

a uma rede que chamam de viagem

ao fim da noite.

 

(B. B. Palermo)

 

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