Na padaria, a fila era enorme e eu empunhava – com
valentia – pão francês e meia dúzia de cervejas. Esbarrei num daqueles caras
que vivem para o trabalho e para guardar dinheiro. Parecia um asno de carga,
alto, seco e recurvado, um imbecil de língua afiada. Olhou para minhas compras
e anunciou, como quem conta para a multidão uma boa nova:
– Nem só de pão vive o homem!
Com a mesma intensidade, retruquei:
– Vivam os sólidos e – principalmente – os líquidos!
Em seguida, cantei para todos os presentes do respeitadíssimo
estabelecimento:
“Bebida é água!/ Comida é pasto! /
Você tem sede de quê? / Você tem fome de quê? / A gente não quer só comida / A
gente quer comida, diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer
saída para qualquer parte / A gente não quer só comida / A gente quer bebida,
diversão, balé / A gente não quer só comida / A gente quer a vida como a vida
quer” (Titãs. "Comida").
Podia ficar na minha – claro – e voltar para casa e bolar uma pequena
história, meio cômica, a partir do episódio. Mas não. Verbalizei toda a minha
empolgação ali mesmo, tendo como plateia umas três ou quatro dúzias de pessoas,
dentre elas casais, mulheres com crianças e adolescentes.
Gurizada, será que baixou algum capetinha, ou fui apenas possuído pelo
bordão de que tanto simpatizo: “Temos que ser loucos!”?
Como todo mundo ali carregava seus quitutes, doces e salgados, decidi
improvisar um singelo banquete verbal, para que se fartassem. Fui então
dizendo:
Nem só de pijamas e pantufas e
laxantes para prisão de ventre e cremes para hemorroidas e rinite alérgica e
remédios para hipertensão vive o homem! Nem só de estimulantes sexuais e
fantasias anuais (não quis dizer anais, juro!) vive o homem! Nem só de nome limpo na praça
cartão de crédito carteira de identidade CPF carteira do SUS vive o homem! Nem
só de orgulho inveja ira avareza luxúria gula e preguiça vive o homem!
O gerente da padaria dirigiu-me um olhar menos
de censura e mais de aflição, implorando para que parasse o show. Afinal, na
sua concepção, sou um cara legal: todo mês deposito no seu caixa uns 900 reais
destinados ao consumo de pão, vinho e cerveja. E trouxe, como brinde, meia
dúzia de cervejas artesanais, das melhores, dizendo que serviriam de inspiração
quando chegasse em casa.
Com desgosto, improvisou um antídoto para minha
embriaguez.
No estacionamento, não localizo o carro. Ué,
mas não havia estacionado na vaga imediatamente ao lado da vaga reservada para
deficientes? Levanto os olhos e noto um caminhão-guincho rebocando um carro, a
uns 500 metros avenida adiante. Caramba, era da mesma cor do meu, um
fusca 1961, azul calcinha.
Foda-se. Que fique para outro dia a porra do
carro. Ligo para um taxista, meu conhecido. Enquanto o táxi não chegava, vi
dois ETs, sim, tive essa nítida impressão, porque eram uns serezinhos do
tamanho de anões, de cor marrom, bem antenados, que se esgueiravam pelo muro da
rua em frente e rapidamente dobravam a esquina.
Vocês devem estar se perguntando:
– Que drogas ilícitas ingeri?
Ok, ok, vou abrir o jogo. No início daquela
tarde o Beiço veio até minha casa e disse que conheceu umas garotas legais numa
loja de produtos naturais. Era só ligar pra elas que prontamente viriam beber e
se divertir com a gente. Bastava bancarmos o táxi. Foi o que fizemos. Enquanto
elas estavam a caminho, o Beiço me alcançou uma coisa, dizendo:
– Experimenta, Cadelão, isso aqui é porreta,
vai abrir as portas das tuas percepções!
E completou:
– Depois dessa experiência tu nunca mais será o
mesmo!
(B. B. Palermo)
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