sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Andrógina

 

Viajamos no tempo,

chegamos à pré-história,

somos estranhos, nos entreolhamos,

não compreendemos que nossos braços e pernas

são bárbaros,

as ferramentas são rústicas,

não sacamos nada porque não temos cérebro.

A linguagem é simples,

hu, hu, hu, roncos, peidos e arrotos

em nossas cavernas

ao redor de fogueiras.

Nada de mães dominadoras,

nada de pais perdedores e fracos,

ou ausentes batalhando por aí.

Nossa labuta é simples,

continuarmos vivos amanhã.

Édipo não é mito,

sexualidade é o que é,

nenhuma teoria ou conceito

para nos alarmar.

Afinal, cérebros não há,

religiões não há...

É o maior barato

viver sem sentimento de culpa

herdado de bandeja de culturas cristãs, judaicas,

ou de descendentes de europeus etc., etc.

Nenhum mal-estar por causa de conceitos

tais como "justiça", "bem", "mal", "Deus",

"amor", "propriedade", etcétera e tals...

 

Acordei num salão de beleza

nu como vim ao mundo,

cabelo e barba

há décadas por fazer.

Uma luzinha me disse que era hora

de desbastar cabelos e pelos

de minha cara

e cuidar com mais carinho

do meu cérebro.

 

A cabeleireira narrava-me um sonho

que teve dias atrás.

Tinha a ver com Platão,

e como o filósofo discorria sobre o conceito "amor".

Depois de algum blá, blá, blá,

a garota disse que curtia ser andrógina...

 

Simpatizei com o conceito,

e na hora intuí que ele

poderia ser aplicado

a qualquer orientação sexual.

 

Um dia ainda vou superar os traumas

que me afastam dos conceitos

(será que conseguirei expurgar tantos recalques?)

vou levar meu cérebro a um mecânico

e vou tentar compreender

as diversas formas

de amar.

 

(B. B. Palermo)

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