segunda-feira, 21 de junho de 2021

Voluntário do amor

 

Ouço as conversas dos jovens casais

e sinto que o clima está mudando,

o frio penetra até os ossos,

mas eu não ligo,

nada de culpas e medos.

Nascido em noite de geada,

não reclamo do frio metálico,

embora ele invada portas e janelas

dos guetos tristes.

Ouço a voz antes de me deter

no rostinho angelical, olhos, expressão

e os gestos da garotinha.

Aos poucos ela parece se interessar

por minha ficção - tô sabendo, bobinhos,

eu sou uma figura, uma quase ficção

em forma de gente.

Agarro a palavra e invento histórias

de encontros furtivos com entidades

que vêm de mundos pra lá de psicodélicos.

Passeio por entre os jardins do budismo,

as paisagens prosaicas da filosofia exotérica

e as leis de causa e efeito do espiritismo.

Estamos no meio de uma guerra - digo -     

e você não sabe quem é quem.

Não confie em ninguém, baby.

Ainda estou aceso, ainda articulo meus raciocínios,

primeiro a premissa maior, em seguida a premissa menor,

amarro direitinho justificativas com conclusões.

Me acodem alguns acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven

misturados a cenas do filme Laranja Mecânica.

Tchan, tchan, tchan, tchan...

Senti que a musa balançou, ficou encantada,

e me vi no lugar do Alex, personagem principal do filme.

Nada de barreiras, nada de convenções,

eu sou o centro do mundo,

eu sou o Eu penso logo existo

do planeta.

 

O namorido deu sinais de tédio.

Afastou a garota dali.

Não pode ser...

Rolou um ciuminho?

Ah, como eu sofro!

Ah, como eu me divirto!

Ah, como eu queria mergulhar fundo

numas aventuras poliamorosas!

O velho Bukowski precisa saber disso:

seu discípulo escroto também rasteja por aí,

contando histórias divertidas e encantando ninfas,

rodeado e admirado ou odiado pelos garotos ingênuos

e sedentos de aventuras.

Os boysinhos não perdem por esperar.

Estou cansado de passar séculos implorando,

me arrastando feito lesma atrás de afeto,

mas tudo o que consigo é a incompreensão.

Danem-se.

Amanhã  eu tento de novo.

Tô ligado, garotinhos,

eu sou um voluntário do amor.

 

(B. B. Palermo)

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