Estou inquieto e
solitário, parecendo as roupas expostas como Cristo na cruz, nos cestões das
lojas quase vazias. Os olhos vermelhos imploram atenção enquanto o povo passa,
indiferente a tudo. Esse sentimento é momentâneo, outras imagens e cenas tomam
seu lugar. Comi a magrela que tem uma loja de lingeries e perfumes importados
ali, na outra esquina. Duas décadas atrás eu era um jovenzinho disputado pelas
garotas. Xotas havia até demais. Eu esnobava. Hoje a empresária finge, ou nem
sabe que eu existo.
Tudo é parte do
processo.
Meu amigo, sei que o
entedio com esses comentários, devia apenas descrever os fatos do jeito como
prometi.Tomara que a decadência não me tenha como alvo, ela e sua pressa.
Vida que segue. Logo que cheguei no
bar e sugava a primeira metade de uma long neck tentando esquecer a garota da
loja de perfumes e a ressaca crônica, apareceu uma madame com seu cachorrinho
no colo, com cara de guaxinim, um Spitz Alemão anão. O pet latiu, madame xingou
e, impressionante, suas vozes eram semelhantes. Tudo se encaixava.
Coisas estranhas. Velhos
resmungando no espaço vazio do bar. Deve ser o mesmo papo que repetem pros
médicos nos consultórios e pras enfermeiras e cuidadoras e caixas de
supermercado e atendentes de farmácias. Sim, século XXI, longevidade é o que se
vê. Caixas e caixas de remédio + qualidade de vida, principalmente nos bairros
de classe média e alta da cidade. Preciso espiar o que rola nas periferias.
Creio que serão outras as descrições.
Às vezes me culpo por parecer
preconceituoso com os velhos. Não sei por que me deixam ansioso. Só pode ser o
desperdício de tempo viverem quase cem anos.
Temos todo tipo de velhos: os
mansos, os agressivos, os saudosistas, os desmemoriados. Contam as horas para
que chegue a noite e finalmente dormir. Amanhã tudo se repete. Tédio. Em sua
maioria, parecem autômatos. Se chegar vivo a uma certa idade, vou dar um jeito
pra que alguém me faça uma eutanásia, sem culpas a esse camarada, é claro.
Aqui no bar, observo a tia que brinca
com o bebê de um casal de jovens, seus amigos.
- Quem vai fazer um aninho? Quem?
Quem? Parabéns a você!...
Ninguém liga pra ela, deve ter
bebido meia dúzia de garrafas. Ainda é jovem, mas a necessidade de repetir
aqueles papos que todos estão por aqui a tornam uma velha chata. Já disse, sou
preconceituoso.
Lembranças aleatórias. Minha última
foda consumou-se rápida, rápida, não durou mais de três minutos e decepcionou
as estatísticas, passou longe de trezentas estocadas e o meu coração saiu pela
boca. Era como uma canção adolescente que não suporto ouvir agora. Melosa
demais, entorpecedora de rebanhos, como diria Nietzsche. Pena você não ter
vivido na época Dele. O cara saiu-se bem demais.
Merda. Já me desgarrei do rebanho?
Talvez. Sou agora uma ovelha bebum e mal-humorada.
Outro cara que admiro é o Beethoven.
Viver depois dele, desfrutar da Quinta Sinfonia em Dó Menor, é estar no lucro.
Sua criação é potente, como uma pimenta que encontrei dia desses no supermercado.
Chama-se Naga Morich, a pimenta.
Pra finalizar, estou relendo
anotações que fiz por aí, nos bares. Leio e, pra maioria delas, faço um X com
caneta tinta vermelha e escrevo HORRÍVEL. Foi o jeito que criei pra ter mais
disciplina e reacender o amor próprio.
Inté.
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