sábado, 26 de agosto de 2017

Breve apanhado dos últimos dias - Claudia Tajes


A maioria das pessoas - as que eu conheço, pelo menos - critica os concursos de beleza. Coisa antiga, perda de tempo, exposição da figura da mulher e etc-etc-etc. O engraçado é que quase todo mundo vê. E todo mundo julga. A miss tal é feia. A miss fulana é gorda. O canino da miss beltrana é torto. Eu, se tivesse o culote da miss sicrana, jamais desfilaria de maiô.
Só sei que tomei um susto ao abrir o computador após um mísero dia sem internet e sem contato com a civilização, embora “civilização” não seja bem a palavra para as reações diante da escolha da piauiense Monalysa para Miss Brasil 2017. Diferentes pessoas do mesmo tipo – eu chamaria de cretinas – ofendiam a guria simplesmente por ela ser negra. Na semana em que se viu a aberração de Charlottesville a favor da “supremacia branca”, idiotas nativos envergonham a gente ofendendo uma menina de 18 anos por causa da pele dela. Mas vão carpir um lote, como se diz nessas horas.
Teve também o caso do músico denunciado por gravar uma canção feminista três anos depois de um relacionamento de traições, violências e abusos, segundo o relato da ex-namorada inteligente, bonita, dona do próprio nariz e do próprio corpo e que, para azar dele, escreve muito bem. Como resultado, lincharam o rapaz. O clamor foi tanto que a banda suspendeu as atividades – como fã, lamento muito. Logo se criou uma página para denunciar músicos por atitudes machistas com suas namoradas e sobrou geral, como já havia sobrado para o Chico Buarque pouco antes. Crime do Chico? Parte de uma letra: “quando teu coração suplicar/ou quando teu capricho exigir/largo mulher e filhos e de joelhos vou te seguir”.
Alguém ainda precisa analisar o poder destruidor do textão no Facebook. É pior que napalm, não há o que resista a ele. O rapaz recebeu uma dose de ódio digna do goleiro Bruno. Que tempos esses em que o tribunal se forma em minutos e as condenações à fogueira são sumárias. Pensando bem, já rolou algo parecido em outra época. O nome era Inquisição.
Sempre que a intimidade de alguém ganha o mundo, brilha uma das tantas grandes frases de Nelson Rodrigues: se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava.
A semana ainda nos brindou com mais uma pérola do cara-de-pau mor do país, e olha que não é fácil escolher um entre tantos, o excelentíssimo Gilmar Mendes. Nosso juiz, padrinho de casamento da filha de um preso que há décadas faz o que quer com o transporte público do Rio de Janeiro, assinou o habeas corpus do empresário e mandou dizer que não se sentia impedido de julgar porque “o casamento não durou nem seis meses”. Se eu já não tivesse usado a expressão “vai carpir um lote” no parágrafo lá de cima, usaria agora.
Depois de tudo isso, ainda chega a notícia da professora espancada por um aluno de 15 anos em Santa Catarina. A frase dela sobre tamanho absurdo é quase uma legenda para tudo o que se vê a cada semana, a cada dia, a cada instante nesse mundo: “Estou dilacerada, mas me recupero”. E se não for assim, como é que a gente continua?
Fonte http://revistadonna.clicrbs.com.br/coluna/claudia-tajes-breve-apanhado-dos-ultimos-dias/

Literatura para jornalistas


Literatura para jornalistas: Américo Piovesan fala sobre seu processo criativo

A turma de Oficina de Leitura e Produção de Texto recebeu a visita do escritor Américo Piovesan. Em conversa com os alunos do curso de Jornalismo, Américo trouxe exemplos de sua produção, comentou seu processo de criação e falou sobre o lugar da literatura na contemporaneidade. “A literatura permite dizer o que está oculto”, resume o escritor.
A palestra teve por objetivo aproximar a tradição do jornalismo e a da literatura, a fim de inspirar os acadêmicos da disciplina, voltada para a produção de texto e o incremento do repertório cultural dos futuros jornalistas.
O professor Marcio Granez, responsável pela disciplina, avalia a atividade: “Tivemos a oportunidade de trocar experiências com um escritor que se destaca no cenário atual da produção literária em nosso município. Sem dúvida, foi um grande diferencial para aprofundar a formação dos nossos alunos. Afinal, as narrativas jornalísticas são antes de tudo histórias e como tais devem ser bem contadas para cativar o público”.

Fonte: https://usinacomunica.wordpress.com/2017/06/21/literatura-para-jornalistas-americo-piovesan-fala-sobre-seu-processo-criativo/

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Os espíritos - Mário Cezar Goularte Duarte

Estavam ali os dois conversando sobre assuntos diversos, quando de repente - pum! - o Espírito de Conciliação acertou o estômago do Espírito Esportivo. Afogueado e tremendo, este levantou-se com uma pedra na mão e...
Eu vi. Por todos os espíritos, eu vi. Mas não sabia, então, que eram eles. Eu andava por toda a parte à procura desses entes abstratos - os dois aí citados e mais a porção que, dizem, habitam nosso universo interior. Eu os via nos jornais e revistas, falavam seus nomes no rádio, até na televisão apareciam. Mas espírito mesmo, em carne e osso, eu não encontrava. Ah sim, encontrei muitos, mas só aquelas ovelhas negras de que ninguém fala e que, sim senhor, são tantas e tanto fazem que me admirava não serem notícia.
Assim que ao invés do Espírito de Camaradagem eu via o Espírito de porco, esperto e cínico, caçoando das pessoas, agindo nas repartições públicas. E o Espírito de Luta, tão famoso por sua coragem e persistência, decerto tinha se acovardado, cedendo o lugar para o Espírito de Briga, mal-humorado e agressivo. Via ainda o Espírito Derrotista, cabisbaixo pelas ruas, quando falavam tanto no Espírito Combativo.
E tanto vi desses espíritos que nós - eu e meu Espírito de Complacência - quase desistimos daquela busca inútil. Mas continuei, cheio de fé, achando-me eu mesmo um sujeito bastante espirituoso.
Aí chegou o Natal. É agora, pensei, esse não me escapa - o Espírito Natalino. Sempre ouvira dizer de sua presença nessa época, tão puro e comunicativo, contagiando as pessoas, os velhos e moços, os honestos e os ladrões e, dizem, até os que por força da profissão não têm espírito nenhum: os censores.
Pus-me nas ruas. Olhava, ávido, o rosto das pessoas. Buscava neles um sinal, um sinalzinho, um espiritozinho qualquer. Mas eles só olhavam as vitrinas. E enquanto nestas distinguia claramente o Espírito de Venda (que frases! que ofertas!), nas pessoas notava apenas um medíocre Espírito de Compra.
Onde, afinal, o Espírito Natalino? Tão falado em anúncios comerciais, cantado e decantado em jingles - seria uma invenção da Propaganda e de seu Espírito Criador?
Foi um amigo que o apontou um dia para mim. Mas, Santo Deus, como foi difícil reconhecê-lo atrás de todos aqueles pacotes! desavisadamente eu o tomaria, sem dúvida, pelo desprezível Espírito de Consumo, que aliás estava por toda a parte. Jamais desvendaria naqueles embrulhos ambulantes um mínimo de espírito sequer, muito menos o inteligente Espírito Natalino.
Então percebi que os espíritos que eu buscava continuavam por aí, levando a mesma vida de sempre, apenas um pouco diferentes - ou para encontrá-los me faltava o necessário estado de espírito.
Por isso, de certo hoje só tenho a dúvida de Machado de Assis: mudei eu ou os espíritos é que andam irreconhecíveis?
(Crônica publicada em 1978)

Às vezes com quem amo - Walt Whitman


Às vezes com quem amo fico cheio de raiva,
por medo de estar dando amor não retribuído;
agora penso porém que não há amor sem retribuição,
a paga é certa de uma forma ou outra.

(Amei certa pessoa ardentemente
e meu amor não foi retribuído,
mas desse alguém eu tirei com que escrever
estes cantos.)

 

                                        (tradução de Geir Campos)

Jacaré letrado - Sérgio Capparelli



domingo, 20 de agosto de 2017

Sobre o amor - Paulo Leminski


   Transar bem todas as ondas
a Papai do Céu pertence,
   fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense.
   A nós, gente, só foi dada
essa maldita capacidade,
   transformar amor em nada.

***
   o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
   agora, apenas um sopro

   ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
   e socos

terça-feira, 8 de agosto de 2017

EIROS - Luis Fernando Verissimo


   "A leitora Elza Marques Martins me escreve uma carta divertida estranhando que 'brasileiro' seja o único adjetivo pátrio terminado em 'eiro', que segundo ela, é um sufixo pouco nobre. Existem suecos, ingleses e brasileiros, como existem médicos, terapeutas e curandeiros. As profissões de lixeiro e coveiro e carcereiro podem ser respeitáveis, mas o 'eiro' é sinal de que elas não tem status. É a diferença entre músico e musicista e roqueirotimbaleiro ou seresteiro. Há o importador e o muambeiro. 'Se você começou como padeiroaçougueiro ou carvoeiro' – escreve Elza – 'as chances são mínimas de acabar como advogado, empresário, grande investidor ou latinfundiário, a não ser que se dê ao trabalho político antes'. Aliás, há políticos e politiqueiros. Continua Elza: 'Eu nunca vou chegar a colunável ou socialite se comecei como faxineira ou copeira. Você pode ser católico, protestante, maometano, budista ou oportunista ou então macumbeiro.' mas a leitora nota que o dono do banco é banqueiro enquanto o funcionário é bancário, o que pode ser um julgamento inconsciente de caráter feito pela língua.
    Elza – que por sinal se considerava harpeira até começar a tocar numa sinfônica e virar harpista – me sugere uma campanha nacional para passarmos a nos chamar de 'brasilinos, brasileses, brasilenses, brasilianos, brasilitanos, brasilitas, brasileus, brasilotos ou brasilões', o que aumentaria muito nossa auto-estima e nossas chances de chegar ao mundo maravilhoso dos americanos, belgas e monegascos."

VERÍSSIMO, Luis Fernando. In: Jornal do Brasil, 7 de out. 1995.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Lua


Olho para o céu
e vejo
a libertina
lua luana
linda luna e leve
e lembro de amores
livremente 
libertinos...

Céu inspirador
de latidos
grilos
dores
de corno
e cotovelo.

Como disse o poeta,
"confesso que vivi".
Mas que isso dói,
dói e como dói!

(Palermo escritor)

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Planeta Gugus - Ricardo Silvestrin


Em Gugus,

as pessoas nascem velhas

e terminam bebês.

Vão desaprendendo e esquecendo

uma coisa a cada mês.

Cabelos brancos

ficam pretos,

carecas ganham tranças.

Com setenta anos,

todo mundo é criança.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Eletrocardiograma - Germana Zanettini


– doutor
por que essa dor?
por que tantos ais?

na verdade
teu coração
não bate

pratica
saltos
ornamentais

O menos vendido - Ricardo Silvestrin


Custa muito
pra se fazer um poeta.
Palavra por palavra,
fonema por fonema.
Às vezes passa um século
e nenhum fica pronto.
Enquanto isso,
quem paga as contas,
vai ao supermercado,
compra o sapato das crianças?
Ler seu poema não custa nada.
Um poeta se faz com sacrifício.
É uma afronta à relação custo-benefício.

Ovelha desgarrada

  Manhã de domingo, Beiço deu as caras: – Velho. Andei pensando. Está na hora do Cadelão parar de cair nas sarjetas próximas a bares para ...