Descobri "Pergunte ao pó" lendo Charles Bukowski, o qual escreve o prefácio deste belo livro. A seguir frases tiradas de "Pergunte ao pó".
Aquelas garotas maravilhosas, tão feliz quando você agia como um cavalheiro, e tudo aquilo simplesmente para tocar nelas e carregar a memória para meu quarto, onde o pó se acumulava sobre minha máquina de escrever e Pedro, o camundongo, se sentava no seu buraco, os olhos negros me observando através daquele tempo de sonho e divagação.
Certo, uma prece: por motivos sentimentais. Deus Todo-Poderoso, lamento ser agora um ateu, mas o Senhor leu Nietzsche? Ah, que livro!
Quando voltei ao meu quarto, joguei-me na cama e chorei um choro sentido. Deixei que as lágrimas corressem de cada parte de mim, e quando não podia mais chorar, me senti bem de novo. Sentia-me verdadeiro e limpo.
Ficamos deitados um longo tempo e eu estava preocupado, com medo e sem paixão. Algo como uma flor cinzenta cresceu entre nós, um pensamento que tomou forma e falou do abismo que nos separava. Eu não sabia o que era. Senti que ela esperava.
O amor não era tudo. As mulheres não eram tudo. Um escritor precisa conservar suas energias.
Não conseguia falar mais. Ele havia arrancado meu coração. Porcaria! Todas aquelas nuanças, aquele diálogo soberbo, aquele lirismo brilhante – e chamar aquilo de porcaria. Melhor fechar os ouvidos e ir para algum lugar onde nenhuma palavra fosse pronunciada. Porcaria!
Fui até o final do corredor, até o patamar da escada de incêndio, e ali me soltei, chorando e incapaz de me conter, porque Deus era um canalha tão sujo, um pulha desprezível, é o que Ele era por fazer aquilo com aquela mulher. Desça dos céus, seu Deus, venha até que que vou socar seu rosto por toda a cidade de Los Angeles, seu moleque miserável e imperdoável.
Fiquei sentado com os dentes cerrados, olhando para um quarto como dez milhões de quartos da Califórnia, um pouco de madeira aqui, um pouco de pano ali, os móveis com teias de aranha no teto e poeira nos cantos, seu quarto e o quarto de todo mundo, Los Angeles, Long Beach, San Diego, algumas placas de gesso e estuque para manter o sol do lado de fora.
O mundo era pó e ao pó voltaria.
Tudo o que era bom em mim me emocionou naquele momento, tudo o que eu esperava do profundo e obscuro significado da minha existência. Aqui estava a placidez interminável e muda da natureza, indiferente à grande cidade; aqui estava o deserto abaixo dessas ruas, ao redor dessas ruas, esperando que a cidade morresse para cobri-la com a areia eterna uma vez mais.
Tornava-me um estranho dentro de mim, era como todas aquelas noites calmas e os altos eucaliptos, as estrelas do deserto, aquela terra e aquele céu, aquele nevoeiro lá fora, e eu viera para cá com nenhum propósito exceto o de ser um mero escritor, ganhar dinheiro, ser reconhecido e toda aquela baboseira. Ela era muito melhor do que eu, tã mais honesta que fiquei enojado de mim mesmo e não podia enfrentar seus olhos cálidos.
Não fiz perguntas. Tudo o que eu queria saber estava escrito em frases torturadas através da desolação do seu rosto.
Saí para uma caminhada pelas ruas. Meus Deus, aqui estava eu de novo, perambulando pela cidade. Olhei os rostos ao meu redor e sabia que o meu era como o deles. Rostos drenados de sangue, rostos tensos, preocupados, perdidos. Rostos como flores arrancadas de suas raízes e enfiadas num vaso bonito, as cores se esvaindo rapidamente. Eu tinha que sair daquela cidade.
Edição: Pergunte ao Pó, Editora José Olympio, 2015