quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

UM VIOLINISTA NO TELHADO



A tradição, com suas regras e princípios, garante o conjunto de crenças que vão nortear as decisões de cada indivíduo. A tradição vai amortecer nossas quedas e tropeços, e vai auxiliar na hora de justificarmos nossas misérias.

Por outro lado somos, ao mesmo tempo, rebeldes e frágeis, e podemos sucumbir (uns mais, outros menos) à contracorrente que vem da rebeldia - aquela força tentadora em direção à mudança.

No filme Um violinista no telhado, seu personagem principal é um pai, de cinco filhas, que está no meio desse fogo cruzado entre o velho e o novo. E ele vive o dilema de maneira intensa. Embora rude, sabe que os livros, a cultura, o conhecimento adquirido pelos mais velhos, têm grande valor.

E por isso, a todo momento, questiona a Deus, grande representante da tradição judaica, o porquê da condição de pobreza, dele e de sua família. É analfabeto, porém não deseja que suas filhas também o sejam. Sua esposa é simples, batalhadora, enfim, é uma síntese das "boas" atitudes que estão em comum acordo com os apelos de sua cultura.

Mas ele deseja que a esposa conquiste uma melhor condição do que aquela. O mesmo vale para suas filhas. Vale ressaltar que as filhas não se deixam limitar pelas rédeas dessa tradição (machista). Ainda mais quando chega à aldeia um jovem rapaz com mais estudo do que os que ali moram. Ele mostra para elas (desempenhando o papel de, até certo modo, preceptor) uma outra visão de mundo, a da luta de classes, da exploração e alienação social.

Enfim, o pai, que elegemos como sendo o personagem principal, encontra-se numa situação semelhante à do violinista no telhado: suas atitudes e condição, o lugar onde está, tudo isso é perigoso, pois a toda hora pode escorregar e se machucar. Mas iso só ocorre porque está vivo. Vivo e ativo.

O nascimento, que é uma afirmação sui gêneris do novo, representa esse lugar de risco, mas de abertura para novas possibilidades, que podem resultar em ruptura com aquilo que é nocivo para nós e para com os que convivem conosco.

Que nesse natal, o nascimento não seja apenas o daquele menino que todos conhecemos pelo nome de Jesus. Que o natal sirva também para o nosso nascimento.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O amor derreteu-se
como um sorvete
no calor do verão
e ajudou a moça a despir
pernas cochas e ombros.

Sua foto no jornal era o close de um lar

com marido, filhos e um amor sereno,

como disseram nossos pais.

domingo, 20 de dezembro de 2009

FINAL DE FESTA



Minha via-crúcis me fez suportar as lojas lotadas do centro, atrás do visual ideal para despertar seu olhar. Mas as vendedoras tinham a alma cansada e concentrada nas comisões do final de temporada.

Meus planos não eram os de ser o Papai Noel da festa. Precisava de uma performance genuína. Afinal, todos dizem para que sejamos improvisadores, e que façamos sempre diferente.

Precisava despertar sua atenção, como os fogos de artifício na praia de Copacabana, na virada de ano.

Minha inspiração andava meio desnorteada, por causa da cobrança maluca de alcançar um final feliz.

Todos estão cansados de saber que chegamos no final dessa festa que é o 2009 meio carentes de olhares e aplausos. E aqueles em que mais apostavámos que nos olhassem e aplaudissem, foram os mais indiferentes.

Os outros gravitam em órbitas diferentes, e a grana para pagar analista anda meio curta. Se os outros só falam de si mesmos, resta-nos o comércio. As roupas, jóias e calçados tornam-se o par ideal.

Não prometemos fidelidade, até que a morte nos separe. Já tínhamos assinado um pré-contrato com a moda. E a moda anda igual camaleão.

Eu não era diferente de todo mundo. Um amigo meu comprara a mesma camisa, e a estava usando justamente nesse dia.

Quem dera você não tivesse aparecido nessa festa. De mãos dadas com outro, você estancou a hemorragia de meus sonhos.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

PALMAS NO FINAL

Acabou o filme e as crianças aplaudem, não sei se eufóricas, decepcionadas ou indiferentes.
Aplaudem o filme, o teatro, a história, por educação, alegria ou pela força do hábito.
No final desse ano vou aplaudir, com euforia, o que fiz (não, não vai ser pelo dinheiro, que esse foi tão pouco...). Foram novos ensaios, novos amigos(as), e descobertas que colhi por inventar outras formas de agir.
E você, leitor e/ou leitora, vais dedicar-te muitas palmas no final deste mês?

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

LEMBRANÇAS DE NATAL



A imagem de Natal que guardo comigo não é a de uma torre, com dezenas de metros de altura, e milhares de lâmpadas coloridas e piscantes, num lugar movimentado e vistoso de um grande centro urbano.

Minha lembrança latente é a de uma estrela, imensa e misteriosa, que indicou aos Reis Magos o lugar de nascimento daquele menino simples, filho de pais pobres, e que veio nos mostrar outros (novos) caminhos: o da simplicidade, humildade, altruismo, liberdade e amor.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pequenas observações sobre a vida em outros planetas - Ricardo Silvestrin



PLANETA DESERTO


Do planeta deserto,

ninguém chega perto.

Não adianta bater palmas

e dizer "oh de casa!",

não vem cachorro latindo,

vizinho espiando,

criança sorrindo.


O carteiro não leva carta,

o circo não leva alegria.

A noite é igual ao dia.


No planeta deserto,

não existe errado

nem certo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CACASO - do livro LERO-LERO (1967-1985)



RITO


Cadê o queijo que estava aqui?

O gato comeu.

Gato filho da puta.


LÓGICA MENOR (DE IDADE)


Nem todo guerreiro guerreia

nem todo Pacífico é de paz

nem todo Constante é constante


mas a Gracinha é gracinha


MINORIDADE


Sou criança mas não sou

bobo


CONSOLO NA PRAIA


A beleza passa mas a inteligência

permanece


CARTEIRA PROFISSIONAL


Não sou amado no amor: sou

amador


O LUGAR DA TRANSGRESSÃO


Encontrei um sapo cochilando dentro de

minha botina. Nunca me meti em botina

de sapo. Que liberdades são essas?


ROTINA


Uma comissão de urubus inspeciona

o pasto desde ontem. Foi cascavel novamente.


SÃO FRANCISCO


O velhinho saiu da janela pra não ser

fotografado.

Coisa de criança.


MODA DE VIOLA


Os olhos daquela ingrata às vezes

me castigam às vezes me consolam.

Mas sua boca nunca me beija.


LÁ EM CASA É ASSIM


Meu amor diz que me ama

mas jamais me dá um beijo


pra continuar rejeitado assim

prefiro viajar para a Europa.


SERESTA AO LUAR


Desde que declarei meu amor nunca

mais me olhou de frente.

domingo, 6 de dezembro de 2009

DO LIVRO "CLASSIFICADOS POÉTICOS" - Roseana Murray



Menina apaixonada oferece

um coração cheio de vento

onde quem quiser pode soprar

três sementes de sonho.

O coração da menina

ilumina as noites escuras

como se fosse um farol.

É um coração como todos os outros:

às vezes diz sim

às vezes diz não

às vezes diz sim

às vezes diz não

e tem sempre uma enorme

fome de sol.

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...