Minhas rachadinhas
não têm a ver com grana,
têm a ver com prazer.
(B. B. Palermo)
Aos poucos a maré subiu no bar do Manetta
e a coisa se tornou o epicentro do mundo.
Veio gente de vários becos,
a sinuca bombando, e creio que eu estava
na sexta garrafa e andava cismado
e remoendo originais reflexões
a respeito das tristes horas que os alcoólatras
precisam suportar todo dia.
Flor pouco regada em tempos de seca,
dona Marilu apareceu no bar atrás do marido,
um maluco apaixonado por pedra.
Fantasmas estavam agitados em torno das mesas de sinuca.
Marilu sentou-se ao meu lado e fitou com desprezo
o cônjuge batalhar desesperadamente numas bolas,
num jogo praticamente perdido.
Funcionário, patrão e cliente de si mesmo,
Manetta jogava, bebia, atendia o público
e fritava pastéis.
Bêbados têm alterada sua percepção de beleza.
Aos meus olhos flamejantes, dona Marilu
configurava-se uma loira apetitosa,
e boatos davam conta de que estava carente de sexo.
Bêbados afrouxam seus freios verbais.
Avancei e atropelei as preliminares:
- Vamos cair fora daqui... Vamos lá em casa foder...
A dona me encarava de um jeito estranho.
Bêbados têm reflexos lentos.
Soluços diabólicos ecoaram
e brotaram das entranhas da dona,
e nessas horas, embora tardiamente,
até bebuns pressentem o perigo.
Não deu tempo pra ela ir ao banheiro.
Junto com o jato, sua dentadura postiça
postou-se a meus pés e ficou me encarando.
Dono de bar age rápido em situações
terrivelmente adversas.
Manetta trouxe um balde e um pano
e rapidinho passou uma borracha na cena.
Nuns lampejos de lucidez,
bêbados sentem o desamparo,
como se estivessem blefando com dona Morte,
então saem pelas ruas, tropeçam nos caminhos
e jamais esquecem o rumo de casa.
No dia seguinte dei falta dos óculos.
Vasculhei os aposentos e nada.
Tive um lampejo, deviam ter escapado
do bolso de minha camisa
depois do último tombo quando tentava abrir a porta.
Realmente estavam lá.
Bêbados têm uns anjos da guarda muito doidos.
Eles são amigos do peito.
Eles jamais ficam bêbados.
(B. B. Palermo)
O mundo está em ebulição
e o menino observa e se sente confuso.
Seus olhos complacentes veem as coisas
como se fosse a primeira vez.
Muita gente entediada,
uns duvidam dos outros,
poucos confiam nos seus.
Embora esse estado de coisas,
Os olhos do menino colhem segredos
que não aparecem nos noticiários,
e que o vento, as folhas e os bichos
não se cansam de murmurar.
O menino espirituoso tem a expectativa ingênua
de ser notado por seus iguais,
mesmo que estejam loucamente ocupados.
Acreditam que precisam dormir cedo e levantar cedo,
pois compromissos, coisas e pessoas têm pressa.
A carência de olhares, de afeto,
de perdão e de amor do menino
não foi preenchida,
continua no vácuo.
Sem problemas...
Amanhã ele vai recomeçar...
Como se fosse a primeira vez.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
- Você acha que já se descobriu de tudo?
- Sei lá... Creio que chegamos perto.
- E se eu te disser que ainda falta A GRANDE
descoberta?
- Hum... Diz aí, me deixou curioso...
- Um dia os homens descobrirão que são irmãos uns
dos outros.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
A criança vendia trufas num semáforo da avenida
e as pessoas dentro de seus carrões
aguardavam o sinal verde,
e diziam não.
Eu observava a cena devidamente acomodado
num bar logo ali em frente.
Eis que ouço a voz do meu guia espiritual:
- Eita planeta pouco evoluído, esse de vocês.
Esta criança devia estar estudando
e se preparando para ter um futuro decente
quando crescer, deixando aflorar
todas as suas potencialidades.
Esta criança não merece crescer assim
desprotegida e ouvindo tantos nãos.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
Tanta gente comprando,
tanta gente dizendo coisas
interessantes,
fazendo versos,
fazendo planos
e viagens.
Tanta gente inventando,
vendendo e comprando coisas.
De minha parte, tenho feito tão pouco.
Eu só queria afinar minha voz
para tocar no coração
de tanta gente.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
As coisas andam um pouco estranhas.
Me peguei dia desses lendo
o espiritismo de Allan Kardec.
Eis que me senti contemplativo,
admirando a via láctea
às duas da manhã...
Fazia um tour
depois de ter sugado
várias garrafas de Heineken.
Desfrutava de liberdade extrema,
uma carta de alforria da prisão
do mundo material.
Simpatizei com a ideia de ter uma vida sem luxo.
Doeu-me imaginar a face nada oculta e sofrida de um sujeito
pressionado o dia inteiro pra ganhar mais e mais grana
e comprar essas coisas que a gente vê descartada nos lixões.
Coisas estranhas se passaram na minha cabeça.
Cheguei a crer que o estresse do cão do meu vizinho,
uma mistura de Poodle com Shih Tzu,
que late furiosamente por qualquer coisa,
se dá pelas minhas energias mal distribuídas.
Descobri também que essas leituras que ando fazendo
não fazem o menor sentido pra boa parte dos amigos.
Eles estão cagando pra isso,
e você é o timoneiro das m*****
que se agitam dentro do teu ser
- Juro, li isso em algum lugar,
não me lembro quando...
O lado bom é você se sentir mais livre
e até imagina que é um sujeito privilegiado,
um cara "mais adiantado" espiritualmente.
Sim, você fez descobertas fodásticas
que nossa ciência ainda nem chegou perto,
e você se entorpece de cerveja e então ri
das paranoias desses pobres otários,
ouvindo-os repetirem pela enésima vez
seus fracassos cotidianos.
Você se diverte porque as dores deles
são tão repetitivas e nada originais.
É a insatisfação com o trabalho,
é a insatisfação com uma vida
sem criatividade e brilho...
Não, você não perdeu totalmente o juízo,
embora uma parte do teu ser seja pura dúvida,
e nem sempre está convicto de que o prazer
seja a única salvação pra essa vida tão morta,
que é trabalhar, dormir, pagar contas,
trocar de carro, lavar a calçada
e reclamar dos políticos.
A coisa desandou de vez quando os FDPs
elegeram o Lava a jato como um novo deus.
Você relaxa, coloca um Mozart pra tocar,
acende uns galhinhos de Alecrim
pra distensionar o ambiente e purificar o teu espírito,
apanha a caneta e o papel e se prepara
pra receber a visita da Rainha Vitória da Inspiração.
Afinal, centenas de cursos de escrita criativa,
oferecidos por garotinhas e garotinhos na internet,
garantem que você tem o perfil de escritor de sucesso.
E aí... Aí entra em cena o vizinho, que
avança imponente,
numa marcha militar, empunhando seu Lava
a jato,
está decidido a dar um trato na
calçada.
E o pior é que o cretino ainda reclama
das árvores do teu quintal,
dizendo que elas fazem muita sujeira.
(B. B. Palermo)
Olho desanimado pra alguns livros da estante,
geometricamente robusta
e encostada e impassível
na parede ali em frente,
desafiando meus olhos
e pensamentos.
Estou cético sobre a possibilidade
de encontrar uma linha sequer
que possa me inspirar.
Eis que ouço uma voz
de sino batendo
fora de hora:
"Velho, você tem que fazer
as coisas
com esperança".
Apanho um livro, chama-se
VIII Antologia de escritores
da PQP.
Leio as biografias
de dezenas de autores
e seus poemas e suas histórias.
Desanimado, confesso pro sino
que bate nas horas
inesperadas:
"Velho, posso tentar
turbinar
minha esperança
lendo uns poemas
do velho Bukowski?".
(B. B. Palermo)
Refugiado no meu lar,
ouço sirenes reais e imaginárias,
tanques meia boca dos quartéis,
eles me conduzem ao banheiro
onde sou refém de uns impulsos
que sintetizam a muita vontade de vomitar
e quase nenhuma lembrança de sexo.
Eis a guerra real do terceiro milênio
que encorajou minhas neuroses
a ponto de colocarem em dúvida
se de fato estou vivo.
Sou especialista em pesquisas no Google
e outras plataformas
com meu aparelho de três mil.
Sei bem demais dos alimentos para baixar o peso,
alimentos para aumentar a massa muscular
e para aumentar minha potência sexual.
Um solitário mochileiro das galáxias,
fiel aos puteiros quase falidos,
devido à fuga dos amantes
encagaçados pelo Covid.
Observo minhas mãos limpas
de crimes e de atitudes pouco edificantes
e isso é o que menos importa,
a cabeça é que não anda boa,
fora mais atrevida e sonhadora,
hoje está enferrujada e barulhenta
como portão de prédio abandonado...
Meus olhos cansados pela ressaca
da noite de ontem
estão indiferentes.
Se você quiser se inspirar,
vai se deparar com coisas nada confiáveis.
Uma música do Raul diz que "as pedras
sonham sozinhas no mesmo lugar".
Eu deliro e sambo na avenida, de madrugada,
e também me triplico atrás de namoradas virtuais.
Me jogo pra todo canto,
caio, levanto, sou pior do que pedra,
ainda tenho uma visão romântica
do amor.
(B. B. Palermo)
A letra A tem as
pernas abertas.
A M é um sobe-desce que vai e vem entre o céu e o inferno.
A O, círculo fechado, asfixia.
A R está evidentemente grávida.
- Todas as letras da palavra AMOR são perigosas- comprova Romy Díaz-Perera.
Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar.
Ontem cruzei pelo Janjão, sujeito meio andarilho e meio morador das ruas do A. Texas, e perguntei-lhe se está curtindo a leitura do li...