Aos poucos a maré subiu no bar do Manetta
e a coisa se tornou o epicentro do mundo.
Veio gente de vários becos,
a sinuca bombando, e creio que eu estava
na sexta garrafa e andava cismado
e remoendo originais reflexões
a respeito das tristes horas que os alcoólatras
precisam suportar todo dia.
Flor pouco regada em tempos de seca,
dona Marilu apareceu no bar atrás do marido,
um maluco apaixonado por pedra.
Fantasmas estavam agitados em torno das mesas de sinuca.
Marilu sentou-se ao meu lado e fitou com desprezo
o cônjuge batalhar desesperadamente numas bolas,
num jogo praticamente perdido.
Funcionário, patrão e cliente de si mesmo,
Manetta jogava, bebia, atendia o público
e fritava pastéis.
Bêbados têm alterada sua percepção de beleza.
Aos meus olhos flamejantes, dona Marilu
configurava-se uma loira apetitosa,
e boatos davam conta de que estava carente de sexo.
Bêbados afrouxam seus freios verbais.
Avancei e atropelei as preliminares:
- Vamos cair fora daqui... Vamos lá em casa foder...
A dona me encarava de um jeito estranho.
Bêbados têm reflexos lentos.
Soluços diabólicos ecoaram
e brotaram das entranhas da dona,
e nessas horas, embora tardiamente,
até bebuns pressentem o perigo.
Não deu tempo pra ela ir ao banheiro.
Junto com o jato, sua dentadura postiça
postou-se a meus pés e ficou me encarando.
Dono de bar age rápido em situações
terrivelmente adversas.
Manetta trouxe um balde e um pano
e rapidinho passou uma borracha na cena.
Nuns lampejos de lucidez,
bêbados sentem o desamparo,
como se estivessem blefando com dona Morte,
então saem pelas ruas, tropeçam nos caminhos
e jamais esquecem o rumo de casa.
No dia seguinte dei falta dos óculos.
Vasculhei os aposentos e nada.
Tive um lampejo, deviam ter escapado
do bolso de minha camisa
depois do último tombo quando tentava abrir a porta.
Realmente estavam lá.
Bêbados têm uns anjos da guarda muito doidos.
Eles são amigos do peito.
Eles jamais ficam bêbados.
(B. B. Palermo)
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