Solidariedade a esses
irmãos
e seus turnos semanais
e uniformes e horários
e relógio ponto
e suas casinhas
populares
e seus planos de aposentadoria
e de viagens
e seus sonhos de um dia
dormir mais tarde
e levantar mais tarde e
maldizer
e rir da cara
mal-humorada do chefe.
Compaixão às suas
longas prestações da casa própria
e crediários vários
desde eletrodomésticos
até a ração do pet
e tudo o mais que todo
mundo compra porque é fashion
smartphones e roupas e
mochilas
e sacolas
descoladas
e abandonadas
num canto boa parte do
tempo.
Piedade às suas línguas
amaldiçoando
os iguais.
Alegria
alegria por
estar vivo
e pensar nisso tudo
e me colocar do lado de
fora
e espiar pela fresta da
janela
e dar graças por não
ser tão influenciável
pelos outros e ao mesmo
tempo
ser refém de uma
angústia
pelas coisas serem
assim
e tantas sementes em
potência
não germinarem
e foguetes não
decolarem
e talentos
não florescerem
e não darem frutos
e a nobre deusa CRIAÇÃO
nunca vir ao mundo.
Silencio, medito,
logo me aquieto,
quem sou eu para julgar,
melhor é desinflar o
EGO
e me colocar no lugar
dos outros
e, claro,
depositar
mais e mais fichas na
esperança.
Reconforta por
instantes
saber que tudo se
renova
e nasce e cresce e
morre
e viemos do pó e pra lá
regressaremos
e até acho engraçado
receber no portão de casa
o bêbado e repassar-lhe
uns trocados
para comprar a sagrada
cachaça
e mais engraçada ainda é
sua cara chorosa
porque seu amigo bêbado
partiu dessa
e ele sabe que vai
morrer
e que a morte vem depressa
e vai levá-lo ao lugar
de origem
ao pó e ao esquecimento
mas quem conduz o jogo
é a necessidade
de se embriagar.
Bem-aventurados os que sofrem
os que fazem questão de
sofrer
os que acreditam em
algo superior
ou inferior
os que são indiferentes
a respeito do começo
e do fim.
Confesso minha puta
inveja
aos que sabem o que
querem
aos que se agarram numa
coisa
que amenize sua
insignificância
e dor.
(B. B. Palermo)