Estamos
juntos, com nossas bicicletas e esteiras e cacetes e xotas abandonadas num
canto.
Estamos
juntos, com nossas veias entupidas de tanto transportarem frustrações.
Me
identifico com todos, por isso estamos juntos. Flutuo entre uns caras surdos
que berram toneladas de amenidades e depositam numa latrina minha sede.
Estamos
juntos, com nosso cabelo cada vez mais ralo, nossas olheiras e dentes mal
cuidados, nossas orelhas mergulhadas na cera, nossas mulheres que funcionam
como babás.
Nossos
aluguéis atrasados, nossas mansões e venenos derramados nas plantações e nossos
bebês prematuros e seus defeitos, como se recebessem uma tatuagem ou marca, a
nossa idolatria ao progresso.
Estamos
juntos, com nossos carros econômicos e limpos e brilhantes, como se fossem
limusines, com nossas festas de fim de ano, da empresa e da escola e da
família, e nossas postagens bonitinhas nas redes sociais com aquela ortografia
horrorosa.
Estamos
juntos, com nossos chás emagrecedores e frutas que apodrecem na fruteira e
legumes mofados na geladeira. Adoramos citar Clarice Lispector e Martha
Medeiros e Mario Quintana, aquelas merdas de autoajuda que fingimos não saber
que não foram esses caras que escreveram.
Estamos
juntos nessa de sermos uns filhos da puta tão burros que parecemos ingênuos.
Estamos
juntos com nossa raiva que faz estragos, como se fosse granada explodindo no
meio da multidão. Nossas respostas amargas e ríspidas a quem nos contraria
revelam imensa fraqueza. É como se abríssemos uma clareira na floresta usando
facão sem cabo e sem usar roupa ou qualquer proteção, totalmente nus e expostos
às investidas de cobras e insetos.
Estamos
juntos nessa de nos considerarmos anjos rodeados de cobras e insetos.
Estamos
juntos, com nossos lençóis limpos, sacadas arejadas e amantes discretas e
compreensivas, como se existissem apenas no imaginário. Estamos juntos,
mulheres perfeitas existem apenas no imaginário. Estamos juntos, homens
perfeitos não existem. Me conheço.
Estamos
juntos. Se me perguntarem: Pra 2020, escolherei Cristo ou álcool ou drogas? Simplesmente
responderei: Sou todo Lucy, com seus
peitos e coxas e bunda musculosa e sacadas espirituosas e sotaque portunhol que
bombeia meu sangue até os países baixos e sua personalidade inesquecível que amarei
eternamente no ano que vem.
Estamos
juntos e sabemos que somos anjos protegidos por nossos deuses e ídolos do
esporte e da música e da política, seres reais e imaginários, responsáveis pra
dar sentido pra essa vidinha de filhos da puta pra lá de burros, mas tão burros
que até parecemos ingênuos.
(B.
B. Palermo)