domingo, 26 de janeiro de 2025

Sonhe alto

 


 

Apressado, entrei num banheiro químico

junto à praça e aos bares e levei um susto:

quem me encarava, de lá debaixo, era o abismo,

e nele não havia estrelas, nem cadentes nem supernovas,

ou luas cheias, crescentes ou minguantes.

Uma onda impregnou as narinas,

tons azedos de mijo e vômito,

corvos sobrevoando e espiando meu sexo.

O amor, dessa vez, não teve a chance de se manifestar,

ele evaporou junto a tais cenas.

Vi o meu amor atendendo ali naquele pub

e os pensamentos, dessa vez, não foram sublimes,

apesar do início promissor: foi simpática, não me fechou o rosto

e também não me fechou seus olhos negros cheios de vida,

mas fechou seu coração – ele deve estar abarrotado de outros amores.

Os pensamentos, nessas horas decepcionadas, escorregam

pros lados do escatológico, e ter ido àquele banheiro

foi a gota d’água. E as cenas que se apresentam aos olhos

nos bares próximos não ajudam em nada.

Bocas devorando lanches, filés, fritas, a la minuta e olhos fixos

nas telonas de TVs e etecétera e tals.

Conclusão a que cheguei:

isso não traz nenhuma garantia

de que nosso futuro será libertador.

– O futuro – dirão vocês – é tudo o que temos.

Sossega, Palermo, livre-se desses pensamentos banguelas

e sonhe alto!

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Chutando a porta de casa


 

Quando me chamam "Palermo!" levo um susto,

tenho a impressão de que meu sabor é de pano encardido,

pendurado num varal e crivado de balas grosso calibre

pelos olhares da comunidade.

Quando me chamam "Cadelão!", sinto-me na mesma condição

do servente de pedreiro ou do encanador ou do catador de lixo.

Uma e pouco da manhã, liguei a TV e sintonizei

um programa de entrevistas.

Três convidados debatem sobre a importância medicinal

e a liberação da Cannabis, e então meus olhos brilham

e eu me lembro das toneladas de baseado,

as bobagens que pronunciei, chapado,

as milhares de canções que ouvi

e o êxtase que experimentei,

muito mais do que um cidadão bem situado

consiga idealizar.

Fico arrepiado só de pensar nos perigos a que esses heróis –

selados como de classe média – estão submetidos.

As drogas e o álcool, os juros dos cartões de crédito,

todas e nenhuma ideologia, o formato da terra e as mudanças ambientais,

a pressão das furiosas bolhas direitistas e esquerdistas,

o sertanejo universitário e tals e tals.

Nem me falem dos conflitos familiares ou do bullying nas escolas.

Pressionado por tantas informações que se digladiam –  

asnos versus raposas, porcos versus bois e vacas etcétera e tal –  

sou surpreendido por crises de ansiedade e de suor

e de choro e uma vontade louca de encher a cara,

e o motivo, ó lindos e queridos escrotinhos,

o motivo é o de estar boiando na água fétida desse mundinho que desfrutais.

Os babacas colocam em risco minha condição social,

a de poder comprar uma TV de 50 polegadas em quinze prestações,

e isso vale pro carrinho popular,

que lavo e deixo brilhando e suas rodas tinindo

todo o sábado de tarde.

 Sonho de consumo.

Ainda vou ter uma gorda conta bancária e uma pança enorme,

só pra me estressar e correr pra academia 5 vezes por semana,

a cada verão,

e postar selfies caprichadas para impressionar as garotas.

Sonho de consumo.

Queimar fatias do meu salário nas farmácias,

ter um prazer sádico ao ouvir os vendedores gargantearem lançamentos

de complementos e vitaminas para isso e para aquilo.

Ainda vou ter uma dúzia de notas de 200 na carteira

e sentir uma alegria incomum ao ouvir a balconista dizer

que os produtos tais são bons porque vendem bem.

Ao cair a noite deixo o celular no silencioso,

pois grupos de conhecidos do WhatsApp,

a que fui encarecidamente convidado a participar,

desfilam mensagens de fé, de oração, Deus e Jesus e Virgem Maria

e mais isso e aquilo.

Imagens e caricaturas como se fossem uma parelha de cavalos

e sua carruagem me conduzindo pela escuridão da Idade Média

em direção à prometida luz que vem do alto.

E de novo estou fulo e com desejo de botar meu exército de um homem só nas ruas,

chutando e cuspindo e dividindo olhares raivosos com as donas de casa

fazendo compras em dias de preços estourando.

Que m**da, eu não precisava sofrer ao dar de cara

com os clichês de sempre.

Devo me acostumar com essa gente

que vive agarrada em muletas

e bengalas e andadores.

Sou cara de pau.

Sei que os outros estão compartilhando lixo,

também faço isso e finjo que considero tais dejetos

edificantes para a vida desses boçais.

Cinismo e cara de pau.

Não me afasto desses grupos.

Tenho esperança.

Quem sabe amanhã alguém se inspire pra além da superfície

e compartilhe algo que me entorte o queixo.

Ó meus irmãos, companheiros de longos ensaios de imbecilidade,

tudo o que espero é que algum de vocês me surpreenda

com novidade e intensidade,

como se me visitasse chutando a porta.

Eu podia estar transando sem camisinha,

pegando e espalhando por aí o HIV,

ou bamboleando pelas calçadas podre de bêbado.

Porém, aqui estou com minhas pantufas e lareira em brasa e TV moderninha,

vendo programas de quinta e bebericando cerveja.

Sou cara útil, um pateta que todo dia se esforça

para ser promovido e classificado pelo IBGE

como de classe média.

Um sujeito que sabe, como todos vocês, que tem prazer bovino

e visão mediana das coisas.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 19 de janeiro de 2025

Ela é moderninha


 

Pareceu-me fragilizada e miudinha no uniforme escolhido
para as funcionárias do pub, e suas olheiras insinuam:
– O bicho tá pegando! É alta temporada no A. Texas,
são poucos meses pra faturar!
Vinte e poucos anos mais jovem, lindo rosto e um olhar
de quem não dispõe de tempo para o amor
e outras fartas emoções.
Tamanha indiferença me desperta um delírio:
– Ela nasceu num outro século e não suporta meu êxtase e minha poesia!
Num relâmpago, outra dúvida me chuta o traseiro:
– E se eu nasci em época errada?
E então, cruzou ali na rua um Corcel II, creio que do ano 1980.
Isso me distraiu da obsessão de que estava diante
da mulher de minha vida.
Bateu aquele saudosismo e, de novo, despertou meu desejo
de colecionar um carro antigo.
Acho que tal gosto criou raízes na minha infância,
quando papai comprou, a duras penas, um Ford T29,
e que durante anos simbolizou o status e a ruína da família.
Por pouco – muitos anos depois – refiz o gesto de papai.
Estava no puteiro da Janete e, nisso, pousou no estacionamento
uma nave deslumbrante: um Corcel II, ano 1979.
Babei enquanto circulava em torno do carro,
e logo identifiquei seu proprietário, um fazendeiro de Jóia.
Conversa e cerveja e não demorou para trocamos os números de telefone
para, no dia seguinte, fecharmos o negócio.
É óbvio que, no outro dia, eu não lembrava de nada
quando vi no celular várias ligações que procediam
de um número desconhecido.
E a garota? Vocês perguntam.
Mudei de ideia, assim que esfriou minha paixão.
Nascemos e vivemos na mesma época, embora ela seja moderninha
e eu não passe de um saudosista apaixonado.
(B. B. Palermo)

sábado, 18 de janeiro de 2025

Faça meditação, mas sem música de fundo!

 


Noticiários informam do apocalipse:
guerras, desastres ambientais, fome e tals.
De olho na telinha, não enxergamos a guerra diária sob nossos pés: moradores de rua, drogados, viciados,
desempregados rastejando feito minhocas
num asfalto de 40 graus.
A miséria não desfila no Insta e no Face.
Por lá, qualquer pilantra muda de status,
sobe uns degraus numa dessas escadas ilusórias
e “vira” uma estrela.
É por isso que me afasto e me sinto cada vez melhor
quando estou sozinho.
Nas ruas e bares e etecétera e tals circulam uns pit bulls
musculosos e adestrados por horas diárias em academias.
– Qual é a dos caras?
Deus me livre se precisar trocar com eles
meia dúzia de palavras.
Ando cada vez mais cético com a humanidade,
e um dos motivos é que esses papagaios não suportam
praticar um mínimo de silêncio.
Se um dia um desses monstrinhos fizer meditação,
aposto que vai colocar música de fundo!

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Nenhum desespero

 

Nenhum desespero.

Início de 2025 e já não suporto as lamúrias duns amigos.

A velha ladainha: o que gostariam de fazer

e o que se perdeu no caminho, enquanto a carcaça desanda

e a alma entristece.

– Eu devia flanar nas alturas recebendo um soldo mensal

de pelo menos 2 dígitos, mas nada acontece!

Estou só por 2027!

 

Eu não: estou só pelo hoje!

Observo os pés de umas garotinhas calçando uns chinelos de grife

e tenho a impressão de que alguns estão deformados,

mas, claro, foi o meu olhar etílico que se perverteu

e dá cambalhotas enviesadas pra cima da realidade –

outros pés são lindinhos e despertam

fantasias dorminhocas.

Apenas visões. 

Nenhum plano para o futuro.

O embate da conquista não semeia qualquer estresse.

Enfim, nenhum desespero.

Alguém precisa dizer isso pra elas.

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Foi num entardecer

 



Estou vivo e me pergunto:

sou mero poeta com a tomada em curto

ou apenas um bobão que se enfeitiçou pela garota

do mais novo pub e pelas músicas

de sua playlist?

Estar vivo é olhar para o céu ao entardecer,

e ainda tem sol e a lua também deu as caras

e mostra os caminhos, e sorri:

– Eis o Cadelão, pra lá de faceiro!

Sim, a lua mostra os caminhos e cabe a você

escolher.

Estar vivo é ficar atento aos milagres.

Quando a garota disse:

– Eu li o Bukowski!

Eu me entusiasmei:

– Nossa, meu bem! Eu e o velho safado bebemos todas por aí!

Tenho algumas histórias pra te contar!

Ao notar que havia sobre a mesa papel e caneta

e que eu rabiscava umas coisas alucinadas enquanto sugava um chope,

ela disse que tem poderes especiais e desvenda segredos

deste e de outros mundos, e que não foi por acaso

que eu pintei no seu entardecer,

pra ouvirmos juntinhos Rita Lee, IRA e Titãs.

Depois do terceiro chope tive a certeza

de que ela é a mentora sentimental e espiritual

que tanto procurei!

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Um estranho amor

 


Acreditam que um dia vou agarrar a boia
que elas vão jogar, quando estiver afundando
em alto mar.
Mesmo com semblante sério e interessado,
sei que, por dentro, elas riem cascatas
quando digo que ganharia prêmios literários
se tivesse mais tempo, ou se direcionasse a libido
para a criação.
Elas acendem holofotes de um estranho amor,
e eu jamais serei curado.

Do livro
CAMINHANDO NA CHUVA SEM ME MOLHAR.

Um pouco Esquisito

  Esquisito sai do meio das dunas e vem pela rua e me avista. Parece afoito e carrega alguma coisa numa sacola. Lembro duma vez em que...