quinta-feira, 8 de agosto de 2024
Almocei meu pai
terça-feira, 30 de julho de 2024
Caminhando na chuva sem me molhar
Apresentação
Sábias agudezas...
Refinamentos...
‒ Não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
Como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
[...]
Um poema que não te ajude a viver
E não saiba preparar-te para a morte
Não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
(Projeto de Prefácio ‒ Mário Quintana)
Nem
agudezas, nem refinamentos encontrarás aqui. Nem temas meramente trazidos para
a distração nas imagens caleidoscópicas colhidas pela óptica de Palermo em
pequenos fragmentos coloridos. Por seus espelhos articulados, Palermo produz
imagens refletidas do universo em que habita e de onde extrai a matéria-prima
de sua prosa poética. É na beleza de seu lugar que o poeta encontra razões pra
cantar, seja pra festejar, seja pra protestar.
É
das intervenções e vivências próprias e, também, do insuperável e inseparável
Beiço, do Porko, do Dr. Biza, da Janete, da Janusa, do Damo do Cachorrinho, do
Manetta, do Zé, do Cabezón, do Marcão e de outros tantos que produz reflexões
sobre o seu aqui e agora ‒ o espaço-tempo atual em que vive. É de sua escassa
economia e das contas, inclusive, no bar em atraso, da indubitável hiper
hipocondria revelada numa ‘picada’ de taturana, da vaca de presépio a que é
reduzido pelo megalomaníaco Dr. Biza e da observação da vida como ela é que ele
conclui que a vida é curta demais pra ser pequena.
E
ser pequena significa não poder ser desperdiçada em coisas sem relevância. Daí
talvez seu viés um tanto escatológico, sem reduzir-se a isso como personagem,
quem sabe como estratégia de ‘ligar o f*da-se’ (numa alusão ao conhecido título
de Mark Manson), para advertir sobre a necessária mudança de hábito no
tratamento da realidade e dos limites do homem e da natureza. Talvez daí um
tanto de mistério e misticismo no conto que dá título ao livro ‒Caminhando
na chuva sem me molhar ‒, suscitando um quê de realismo mágico e de um novo
modo de lidar com nossas adversidades, indiferenças e vulnerabilidades.
Nas
trinta narrativas componentes da obra, ordenadas em sua desordem normal,
Palermo dá voz e vez à sua pequena guarnição, talvez para não reduzir sua força
a um exército de um homem só. Talvez sua maior qualidade seja o modo esquisito
com que provoca arrepios naqueles que têm medo do novo, do diferente, do que
incomoda o sossego. Talvez por isso, perdoamos-lhe alguns desvios (como o uso
por vezes exagerado de alguns palavrões), até porque de perto ninguém é normal,
mas que não vão além do mundo das palavras. Se, no Cosmos, a Lua gira em torno
da Terra, a Terra em torno do Sol, o Sol em torno de outros astros ou galáxias,
no universo da linguagem as palavras giram em torno das palavras, que giram em
torno de outras palavras, num sem-fim de rotações e translações.
O
perigo maior de Palermo talvez resida em ser, justamente, um poeta ‒ esses
estranhos seres que têm, mais do que sangue, o coração nos olhos. Isso o
impossibilita a ser ‒ apenas ‒ um ingênuo maldito. Isso o torna capaz de
conversar com Deus e o Diabo em qualquer chão, de ir dos píncaros às
profundezas, do sublime às sublimações e, de repente, dos pensamentos às ações.
E mais: faz isso tudo com boas pitadas de ironia, de humor, de amor. Seja em
busca de sentido para um mundo absurdo, seja denunciando o absurdo de um mundo
sem sentido, Palermo provoca o leitor a refletir sobre a condição humana.
Parodiando
Saint-Exupéry em “Carta ao General X”, quem sabe Palermo denuncie que “não é
possível viver-se só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas,
não é mesmo? Não é possível! Não é possível viver-se sem poesia, sem cor e sem
amor. [...] Nada mais resta do que a voz do robô da propaganda. 8 bilhões de
homens, nos tempos de hoje, não escutam mais do que o robô, não entendem mais
do que o robô e estão se transformando em robôs”.
E
talvez o nosso poeta traga novidades em sua próxima aparição: promete passar
uma temporada em Palermo, para “tentar compreender de onde venho e por que sou
assim, meio doido”. É esperar para ver.
Carlos
Silveira
Ijuí, janeiro de 2024.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
Algo acontece em Marte
As
frases perambulavam na cabeça
como
outdoors nas esquinas,
e
eu ainda acredito que a linha do horizonte, no final do dia,
vai
me apresentar “mamãe” – a mulher da minha vida.
O
marido investigava os consertos
que
o cara do posto de combustíveis fazia no caminhonetão,
e
ela sentada, séria, gostosa e contemplativa e de Ray-ban,
parecendo
me observar, sentado num boteco,
a
uns 10 metros.
Triste,
eu duvidava de que ela tinha curiosidade,
embora
eis-me aqui, quadrúpede em extinção,
maluco
que viciou em escapulir do zoológico.
Eu
a perdoo por não saber que ando por dentro das coisas
–
além da fumaça do óleo diesel e do Glifosato e do 24d
que
regam as terras desse Marte do Noroeste do RS.
Fitava-me,
e parecia pensar:
-
Como me livrar do MALA,
como
sobreviver a um casamento sem emoção,
mas
que garante dinheiro e status.
Coloquei-me
no seu lugar:
sentir-me
o pior por desejar alguma liberdade,
por
não me adaptar a uma relação a dois.
No final das contas, ela só estava distraída
e focada em algo prático:
ao
chegar em casa, colocar as roupas pra lavar,
dar
um OI pras flores do jardim
e
comidinha pros seus pets!
(B.
B. Palermo)
domingo, 14 de julho de 2024
Tempestade
Suas
fotos, nuns lábios carnudos
e
cabelos de fogo,
botaram
tudo abaixo
e
desafiaram o meu mundo,
e
então saquei que localizei
a
minha tempestade!
Não
importa se ela sabe que eu existo,
que
escrevo histórias e poemas ridículos,
que
sou politizado ou alienado – não importa.
Perdido,
estou viciando num cometa
que
me locupleta,
musa
de lábios e cabelos
de
fogo!
(B.
B. Palermo)
quarta-feira, 3 de julho de 2024
Milagres
Tudo é possível e permitido
e assombroso
e me sinto vivo,
identificando outras
notas musicais e etílicas
até vislumbrar, vejam
bem, o milagre:
boa parte da vida
acelerando feito doido
e agora, patético, bebo
com moderação.
Os postes de iluminação
já não despencam
e não me assustam, e
juntos – eu, o lixeiro,
os andarilhos e os cães
– amanhecemos
comuns.
Vejam bem, garotos, o
mundo de possibilidades
que se abre; ou,
talvez, seja o começo do fim.
Temos as missas nas
manhãs de domingo
e os passes no centro
espírita,
até para justificar e
acariciar
as recaídas.
Não estou sozinho.
Nuvens acenam quando se
expandem no céu.
Gaivotas e outros
bichos voam em círculos
anunciando a boa nova:
o que será?
O que será?
Já não levo tanto a sério
a história (requentada?)
do Fernão Capelo
Gaivota,
de voar mais e mais
alto,
treinando até a
perfeição.
O milagre foi manter-se
vivo
até aqui.
(B. B. Palermo)
domingo, 30 de junho de 2024
Ela é uma estrategista
A guria me alimenta
como se eu fosse desnutrido,
mas se ela soubesse o
que passa na minha cabeça
perceberia que não sou
verbo nem adjetivo.
Eu sou substantivo!
Alcança a cueca virada,
empurra o chimarrão com
chá de erva-doce
e fala entusiasmada das
roscas com sabor calabresa
que trouxe do mercado.
Pergunta, feliz:
- Gostou da minha
rosca, meu bem?
Embretado, dou de
ombros:
- Amei...
Estratégica, quer me distrair
do bar e dos “falsos” amigos.
Seus papos e
insinuações a respeito da decadência dos valores
que imperam no A. Texas, tenho certeza, são pura retórica.
Por Deus! Ela ainda
acredita na minha salvação!
Tive um estalo (fodam-se,
não é mania de perseguição!):
desconfio que ela
deseja ser mais uma viúva do Texas
e vai tomar para si a
minha fortuna...
Elas, as viúvas e não
viúvas, têm o clube,
jogos de vôlei,
aulas de dança e teatro,
crochê, tricô, ioga,
meditação
e musculação.
Eu tenho o bar e a
parceria de alguns desajustados
e o campeonato de
futebol pela TV que anda uma bos**
(o time que escolhi pra
torcer não ganha de ninguém!).
Sinto um vazio, vocês
sabem, uma falta de amanhã,
e não suporto jogos de
bocha e canastra no clube.
Lá, os velhinhos se
aproximam
como uns sacos vazios
e me escolhem pra ouvir
suas histórias,
falando, falando e
repetindo
seu glamoroso passado:
muito trabalho,
muita disciplina
e arte
nenhuma.
(B. B. Palermo)
sábado, 29 de junho de 2024
Aprenda comigo, seu babélico!
Não
abrace conclusões precipitadas,
não
seja escravo das emoções,
como
o fanático no futebol ou na política.
Exercite
a moleira para não se aprisionar
na maçaroca dos teus pensamentos desaforados
que te arrancam as calças
nas
horas inesperadas.
Não
te autoflagele, seu ridículo,
ria
de ti mesmo numa gritaria delirante
e
deslizante, como o são alguns ataques
de
riso.
Corra
até Iemanjá e tome emprestadas
uma
dúzia de velas e dedilhe tuas preces e
acenda
a fogueira dos sonhos até
emocionar
o universo.
Aprenda
comigo.
Meu
olhar fez dúzias de oficinas
com
os carentes de olhos, os que conhecem
todos
os truques dos sentidos,
e
com eles notei que nossos olhos foram desfocados
e
corrompidos pelas leis e sistemas.
Aprenda
comigo
(o
imbecil, o babaca!),
e
serás cristalino pois és um esperto
que
tem um Lattes de fazer inveja,
pena
que o povo não sabe o que é isso.
Também
aprendo contigo, já que nos
parecemos:
quando
nos olhamos diante do espelho
gememos
com o que vemos
e
que nos observa
do
outro lado
da
rua.
(B.
B. Palermo)
segunda-feira, 17 de junho de 2024
Nada a ver, menino!
Nada a ver, menino!
Baratas,
sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos,
passeiam
pela sala cantarolando um samba do “Demônios da garoa”. É a “Saudosa maloca”.
Eis
a mensagem, nas entrelinhas:
se
o sol, dia desses, cuspir seu fogo
um
pouco mais forte,
minha
vida será escuridão, e não estarei preparado
como
essas irmãs.
Dias
normais. Serpentes se aproximam e se afastam,
e
fica a vontade de chegar de voadora
nos
vitrais das instituições.
O
de sempre se enrola em minhas pernas e sobe
e
sobe e me abraça, então aposto no Bicho
os
números da Cobra e sou desdenhado
pela
deusa sorte:
“Nada
a ver, menino!”.
Apesar
de circular por aí como um sobrevivente pagando promessas,
sei
que amanhã será incrível.
Farei
concurso pra servidor municipal – serviços gerais,
zelador
do cemitério ou jardineiro,
ou
porteiro de alguma creche.
Homem
digno, vida digna, despertado pela música do rádio-relógio.
A
barba está feita,
o
chuveiro ainda esquenta,
os
amigos estão tranquilos e ronronam feito pumas
em
seus leitos.
Fui
bom aluno no catecismo e nunca passei de um 6 em matemática.
Foi
divino: na adolescência, tive uma professora jovem, loira, linda e tímida que
sacou que eu gostava de literatura e então me emprestava livros que pareciam
incríveis praquele garoto.
Ela
é a responsável por não ter abortado
meus
primeiros poemas querubins.
Esses
dias juntei pastas e envelopes e caixas
com
anotações e poemas e rabiscos de histórias
que
me pareciam importantes.
Queimei
tudo, junto com os boletins escolares.
O
que vale é o milagre de ter sobrevivido
à
travessia desses pequenos riachos
infestados
por feras escrotas.
Não
me perdoo por permanecer tanto tempo em filas
na
infância e adolescência,
até
na hora da comunhão, ao receber o corpo
e
o sangue de Cristo.
Boa
parte do passado ecoa de um jeito absurdo,
com
o guindaste da vida eterna.
Ainda
hoje tenho medo.
Em
algumas noites durmo com a luz acesa
e
o edredom disfarçando a cabeça
e
os sonhos.
(B.
B. Palermo)
sábado, 15 de junho de 2024
Ela levou minha carteira
terça-feira, 11 de junho de 2024
Sua alma está anos-luz à minha frente
Encontrei-a na praça.
Seu filho tomava sorvete
e escalava os brinquedos
e fez uma cara de surpresa
quando sua mãe me abraçou.
Todo encontro é um nascer ou pôr do
sol...
ou deveria ser.
Não a via há 3 meses.
Foi o suficiente para noivar,
conhecer outro sujeito
e rever o que sentia pelo noivo
e romper com ele e engatar nova
história...
até que o cara meteu-lhe o pé
no traseiro.
Ela ri de suas loucuras,
e saquei que isso é fundamental
para suportar a rotina insensível.
Vejo sua alma
anos-luz à minha frente.
Quis saber como anda minha vida.
Mais dramático do que cômico,
falei que não tenho medo de morrer,
mas tanta gente boa e talentosa nos
deixando
me traz um desejo ansioso
pra que meu livro saia logo.
Era o momento da despedida,
antes do papo ficar sem graça.
Beijei sua testa,
desviei do seu rosto
que explodia de vida e tesão
e segui, melancólico,
o meu caminho.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 6 de junho de 2024
Poesia Nelore
Relaxa, Cadelão!
Você não está escrevendo
o último poema ou história
de tua vida.
Vem mais por aí.
Não pense antes,
deixe o fluxo rolar
e a mão correr leve
e solta
como se fosse um boi
Nelore
às vésperas
de escapar
do brete.
(B. B. Palermo)
Apenas este instante
A prosa daquele senhor impregna o ar. Ao exalar suas frases, meio que balança a cabeça, as pernas, dá a impressão de que vai para muit...
-
Garota, nossos destinos têm pernas bambas e percorrem umas trilhas nada paralelas. Veja bem, você não leu Schopenhauer nem Han...
-
Nada a ver, menino! Baratas, sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos, passeiam pela sala cantarolando um samba do “Demô...