Chego no bar sem muita esperança. Quero apenas uma
mesa num canto pra observar e anotar umas coisinhas. Se possível afastado da
multidão, sem exagerar no ódio ou amor, sem estar deprê ou eufórico. A vida
está tranquila porque não coloco nela grandes esperanças. Pratico o que li em
algum lugar: "Jamais se desespere, meu brother".
Ela apareceu carregando uma sacola e uma mochila. Vi
que estava faminta e sem grana. Fiquei sensível:
- Senta aí. Você tá com fome? Pago um lanche. Tá
tudo bem na tua vida?
Largou as coisas no chão, sentou e falou:
- Vou colocar as coisas na mesa. Aí vai ter TV e
rádio, até a RBS, a Globo. Eu não sou boba... Que que eu tô ganhando pra vocês ficarem
falando de mim? Ficam aí fazendo quadrinhos, historinhas... Eu tenho 40 anos.
Eu entrego nas mãos de Deus. Eu só tô esperando a minha hora pra colocar as
patinhas na mesa e abrir o jogo. Nem polícia, nem juiz, nem assaltante, não vai
se salvar ninguém.
Dei corda, pra ver onde
queria chegar.
- Eu sou a filha do
Fernandinho Beira Mar? Nem ele foi falado assim... Faz 2 anos... Me chamam que
eu vou contar. Você acha certo os outros ganharem dinheiro às minhas custas?
Que juiz, que fórum, que delegacia, quem poderia fazer essa sem-vergonhice? Eu
não tenho onde dormir, o que comer, muitas vezes eu não tenho onde guardar meus
cacos. Eu ando pelo mundo afora assim e tô na boca do povo.
- Hum... Você tem
filhos?
- Meus filhos estão
bem, graças a Deus.
- E onde estão? Com
quem moram?
- Um casal de filhos tá
com a tia. A outra tá com a avó. A outra tá com outra tia. A outra com minha
mãe... A outra é bem casada, graças a Deus... Entendeu? Só não põe a família no
meio. Eles estão na deles e eu na minha. Não quero que venham me pisar, porque
eu tô sozinha no mundo.
- Mas... E por
que você está sozinha?
- Tô sozinha porque eu
não quis ele. Aí ele fica falando... Foi o egoísmo dele que me deixou longe de
meus filhos... Se ele entregar minha filha, eu volto com ele, eu volto pra
casa.
- Aham...
- Se por acaso eu
faltar no mundo, eu quero um salário por mês pra cada filho, o governo vai ter
que pagar... Se eu faltar no mundo...
- Tu não tem medo de
morrer?
- Não, eu não tenho
medo de morrer. Estou acostumada a ficar na rua.
Mais confiante, ela
confidencia:
- Eu tenho uma filha no
Uruguai... Trabalhei lá, numa casa.
Pedi pra que devorasse
a torrada sem pressa.
- Eu não me importo com
o que eu falei aí... eu tô sempre falando... Entendeu? Eu sei que não tô
errada... Quem tá errado é o mundo. É ele que tá faltando comigo.
E assim, sem mais, ela
se despediu.
- É isso aí... Tudo de
bom... E que tenha uma boa sorte todo mundo do Brasil.
Em pé, ela acrescentou:
- Agora tu me diz... Tu
já viu alguém com a minha coragem? De abrir o jogo pra um estranho, e mandar
todo mundo pro espaço?
- Mastiga bem... Vai
com calma.
-
Mas eu tenho pressa!
- Qual é o teu nome?
- Não posso dizer.
- Inventa um, tipo...
Mirna, a esperançosa.
- Eu sou a Autora
Sinistra. E qual é o teu nome?
- Eu sou o Palermo.
- Vou abrir o Facebook
e te pegar.
- Tu tem Facebook?
- Vou fazer um. Tchau.
E tenha uma boa sorte.
- Tchau. Que Deus te
proteja e te guie.
Telmo, o cara do bar,
acompanhava atento nossa conversa.
Antes de ir, ela pediu
um refrizinho, uma sukita. Falei pro Telmo pendurar na minha conta.
Levantou e partiu.
Nem passou 2 minutos
meu amigo exclamou, detrás do balcão:
- Cadelão, ela esqueceu
a sacola!
- E agora? Meu Deus! To
ouvindo um tic tac, tipo aqueles despertadores antigos!
- Corre... rápido...
joga essa sacola no terreno baldio daqui do lado do prédio!
(B. B. Palermo)