Quando me chamam "Palermo!" levo um susto,
tenho a impressão de que meu sabor é de pano encardido,
pendurado num varal e crivado de balas grosso calibre
pelos olhares da comunidade.
Quando me chamam "Cadelão!", sinto-me na mesma condição
do servente de pedreiro ou do encanador ou do catador de lixo.
Uma e pouco da manhã, liguei a TV e sintonizei
um programa de entrevistas.
Três convidados debatem sobre a importância medicinal
e a liberação da Cannabis, e então meus olhos brilham
e eu me lembro das toneladas de baseado,
as bobagens que pronunciei, chapado,
as milhares de canções que ouvi
e o êxtase que experimentei,
muito mais do que um cidadão bem situado
consiga idealizar.
Fico arrepiado só de pensar nos perigos a que esses heróis –
selados como de classe média – estão submetidos.
As drogas e o álcool, os juros dos cartões de crédito,
todas e nenhuma ideologia, o formato da terra e as mudanças ambientais,
a pressão das furiosas bolhas direitistas e esquerdistas,
o sertanejo universitário e tals e tals.
Nem me falem dos conflitos familiares ou do bullying nas escolas.
Pressionado por tantas informações que se digladiam –
asnos versus raposas, porcos versus bois e vacas etcétera e tal –
sou surpreendido por crises de ansiedade e de suor
e de choro e uma vontade louca de encher a cara,
e o motivo, ó lindos e queridos escrotinhos,
o motivo é o de estar boiando na água fétida desse mundinho que
desfrutais.
Os babacas colocam em risco minha condição social,
a de poder comprar uma TV de 50 polegadas em quinze prestações,
e isso vale pro carrinho popular,
que lavo e deixo brilhando e suas rodas tinindo
todo o sábado de tarde.
Sonho de consumo.
Ainda vou ter uma gorda conta bancária e uma pança enorme,
só pra me estressar e correr pra academia 5 vezes por semana,
a cada verão,
e postar selfies caprichadas para impressionar as garotas.
Sonho de consumo.
Queimar fatias do meu salário nas farmácias,
ter um prazer sádico ao ouvir os vendedores gargantearem lançamentos
de complementos e vitaminas para isso e para aquilo.
Ainda vou ter uma dúzia de notas de 200 na carteira
e sentir uma alegria incomum ao ouvir a balconista dizer
que os produtos tais são bons porque vendem bem.
Ao cair a noite deixo o celular no silencioso,
pois grupos de conhecidos do WhatsApp,
a que fui encarecidamente convidado a participar,
desfilam mensagens de fé, de oração, Deus e Jesus e Virgem Maria
e mais isso e aquilo.
Imagens e caricaturas como se fossem uma parelha de cavalos
e sua carruagem me conduzindo pela escuridão da Idade Média
em direção à prometida luz que vem do alto.
E de novo estou fulo e com desejo de botar meu exército de um homem só nas
ruas,
chutando e cuspindo e dividindo olhares raivosos com as donas de casa
fazendo compras em dias de preços estourando.
Que m**da, eu não precisava sofrer ao dar de cara
com os clichês de sempre.
Devo me acostumar com essa gente
que vive agarrada em muletas
e bengalas e andadores.
Sou cara de pau.
Sei que os outros estão compartilhando lixo,
também faço isso e finjo que considero tais dejetos
edificantes para a vida desses boçais.
Cinismo e cara de pau.
Não me afasto desses grupos.
Tenho esperança.
Quem sabe amanhã alguém se inspire pra além da superfície
e compartilhe algo que me entorte o queixo.
Ó meus irmãos, companheiros de longos ensaios de imbecilidade,
tudo o que espero é que algum de vocês me surpreenda
com novidade e intensidade,
como se me visitasse chutando a porta.
Eu podia estar transando sem camisinha,
pegando e espalhando por aí o HIV,
ou bamboleando pelas calçadas podre de bêbado.
Porém, aqui estou com minhas pantufas e lareira em brasa e TV moderninha,
vendo programas de quinta e bebericando cerveja.
Sou cara útil, um pateta que todo dia se esforça
para ser promovido e classificado pelo IBGE
como de classe média.
Um sujeito que sabe, como todos vocês, que tem prazer bovino
e visão mediana das coisas.
(B. B. Palermo)