sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Nas mãos de uma caneta
quinta-feira, 24 de outubro de 2024
Pobres
Os pobres pensam em grana
e negócios e crediários e bolsa de valores.
Não sabem de poesia – ou não ligam pra isso.
Pobres não sabem o que é alma,
são putos que emporcalham o mundo,
um divertido bando de vermes!
Senti a nova fase
quando pássaros madrugadores
conversaram comigo na entrada da noite, na praia.
O instinto embaralhou os dados,
choveu no Saara, nevou no Nordeste,
quero-queros dançaram umas valsas
algemando a palma de minha mão
em busca de uns farelos.
Delirei, eu sou o pão, o Maná,
mas as vozes já não me alcançavam,
anciões de minha rua
estão de-fi
ni
ti
va
men-te
surdos.
Pisei fundo nos fatos e descobri
que o ego me sequestra do mundo.
O que é essencial para você? – perguntamos
uns aos outros...
A esse respeito,
o mundo respira
em silêncio.
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Nem só de pão vive o homem
Na padaria, a fila era enorme e eu empunhava – com
valentia – pão francês e meia dúzia de cervejas. Esbarrei num daqueles caras
que vivem para o trabalho e para guardar dinheiro. Parecia um asno de carga,
alto, seco e recurvado, um imbecil de língua afiada. Olhou para minhas compras
e anunciou, como quem conta para a multidão uma boa nova:
– Nem só de pão vive o homem!
Com a mesma intensidade, retruquei:
– Vivam os sólidos e – principalmente – os líquidos!
Em seguida, cantei para todos os presentes do respeitadíssimo
estabelecimento:
“Bebida é água!/ Comida é pasto! /
Você tem sede de quê? / Você tem fome de quê? / A gente não quer só comida / A
gente quer comida, diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer
saída para qualquer parte / A gente não quer só comida / A gente quer bebida,
diversão, balé / A gente não quer só comida / A gente quer a vida como a vida
quer” (Titãs. "Comida").
Podia ficar na minha – claro – e voltar para casa e bolar uma pequena
história, meio cômica, a partir do episódio. Mas não. Verbalizei toda a minha
empolgação ali mesmo, tendo como plateia umas três ou quatro dúzias de pessoas,
dentre elas casais, mulheres com crianças e adolescentes.
Gurizada, será que baixou algum capetinha, ou fui apenas possuído pelo
bordão de que tanto simpatizo: “Temos que ser loucos!”?
Como todo mundo ali carregava seus quitutes, doces e salgados, decidi
improvisar um singelo banquete verbal, para que se fartassem. Fui então
dizendo:
Nem só de pijamas e pantufas e
laxantes para prisão de ventre e cremes para hemorroidas e rinite alérgica e
remédios para hipertensão vive o homem! Nem só de estimulantes sexuais e
fantasias anuais (não quis dizer anais, juro!) vive o homem! Nem só de nome limpo na praça
cartão de crédito carteira de identidade CPF carteira do SUS vive o homem! Nem
só de orgulho inveja ira avareza luxúria gula e preguiça vive o homem!
O gerente da padaria dirigiu-me um olhar menos
de censura e mais de aflição, implorando para que parasse o show. Afinal, na
sua concepção, sou um cara legal: todo mês deposito no seu caixa uns 900 reais
destinados ao consumo de pão, vinho e cerveja. E trouxe, como brinde, meia
dúzia de cervejas artesanais, das melhores, dizendo que serviriam de inspiração
quando chegasse em casa.
Com desgosto, improvisou um antídoto para minha
embriaguez.
No estacionamento, não localizo o carro. Ué,
mas não havia estacionado na vaga imediatamente ao lado da vaga reservada para
deficientes? Levanto os olhos e noto um caminhão-guincho rebocando um carro, a
uns 500 metros avenida adiante. Caramba, era da mesma cor do meu, um
fusca 1961, azul calcinha.
Foda-se. Que fique para outro dia a porra do
carro. Ligo para um taxista, meu conhecido. Enquanto o táxi não chegava, vi
dois ETs, sim, tive essa nítida impressão, porque eram uns serezinhos do
tamanho de anões, de cor marrom, bem antenados, que se esgueiravam pelo muro da
rua em frente e rapidamente dobravam a esquina.
Vocês devem estar se perguntando:
– Que drogas ilícitas ingeri?
Ok, ok, vou abrir o jogo. No início daquela
tarde o Beiço veio até minha casa e disse que conheceu umas garotas legais numa
loja de produtos naturais. Era só ligar pra elas que prontamente viriam beber e
se divertir com a gente. Bastava bancarmos o táxi. Foi o que fizemos. Enquanto
elas estavam a caminho, o Beiço me alcançou uma coisa, dizendo:
– Experimenta, Cadelão, isso aqui é porreta,
vai abrir as portas das tuas percepções!
E completou:
– Depois dessa experiência tu nunca mais será o
mesmo!
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Sputnik
Venham,
corram,
emoções
delirantes!
Tentei contato com a musa
literária do momento,
nada mais nada menos
que a curadora da FLIP.
Não estou nem aí se ela
nunca ficar sabendo
que eu existo – dane-se o “penso, logo existo” cartesiano,
o que rola, hoje, é o aparecer!
Qual o problema dela se debruçar
por 2 minutos
nos meus escritos?
O combustível que impulsiona meu Sputnik
é correr atrás de histórias improváveis
e rir depois, mesmo que
o foguete
exploda
ao subir.
(B. B. Palermo)
Agora
terça-feira, 15 de outubro de 2024
Viagens
– E aí, Cadelão, novidades?
– Sim. Estou grávido do terceiro filho.
– Kkkkk. Que viagem, maluco!
– Tu não entendeu, Beiço. Estou gestando o terceiro livro.
– E qual vai ser o nome dessa p**ra?
– Pensei num título, e tenho umas 4 dezenas de histórias
que precisam de muita poda, desbaste e replantio,
tu sabe como é.
– Título??
– Ah, talvez VIAGEM A PALERMO.
Só não sei como vou juntar grana
pra botar isso em prática hehehe.
– Simples, Cadelão: investe tudo
nas tuas viagens
imaginárias!
(B. B. Palermo)
sábado, 12 de outubro de 2024
Eterno retorno
Eis o mundo real em sua marcha lenta,
pacífica, rimada e bem comportada.
Ele ri e cochicha ao observar
o palerma voltar ao lar de madrugada
flanando pelas ruas como um bailarino bêbado
amparado por umas pernas de pau.
Confuso, ouço muitas vozes,
às vezes familiares,
às vezes bizarras:
“A SALVAÇÃO ESTÀ
EM CUIDAR DO TEU JARDIM.
Não liga pro rosnado dos animais
que riem de ti!
Repara, Cadelão, ferve por todo o lugar
o eterno retorno – regras planas,
comportamentos carimbados,
todos cópias de outras cópias!
Filhos imitam pais, pais repetem os avós...
E vão sendo costuradas
ridículas árvores
genealógicas”.
Saquei a coisa.
Não há salvação se imitarmos uns fanáticos
pichando versículos e provérbios
nos muros e paredes e calçadas.
Não há salvação, mas sim (talvez) um singelo
caminho:
ouvir com sinceridade pequenos budas
que me acariciam como chuva de verão,
lembrando do bom e velho dever de casa:
“Fique alerta, Cadelão!
Não perca as rédeas
do teu EU interior!”.
(B. B. Palermo)
quarta-feira, 9 de outubro de 2024
Vendendo sonhos
Na traseira do ônibus da frente,
visualizo a publicidade:
“No meu Rio Grande
também se sente só”.
Fico espantado, até admirado,
com uma boa sensação.
Mas não pode ser – a publicidade vende sonhos...
Olho de novo:
“No meu Rio Grande
NINGUÉM se sente só”.
Vida que segue o fluxo.
(B. B. Palermo)
terça-feira, 8 de outubro de 2024
Te prepara, irmão
De uns tempos para cá, sonhos estranhos
me fazem companhia.
Agoniado, contei pro Beiço, enquanto brindávamos
umas e outras.
– Velho, o sonho que tive noite passada foi sinistro:
um amigo, que partiu desta há um punhado de anos,
me apareceu todo faceiro usando uma daquelas jaquetas (de napa ou de couro? Não faço ideia...) exalando um perfume
de quem não sai do armário faz uma eternidade.
Meu, nossa conversa foi animada, um belo encontro
de amigos que não se viam há anos.
Aí o Beiço, eloquente porque meio embriagado,
ou embriagado porque eloquente, me interrompeu
e relampejou retórica:
– Cadelão, eu admiro as tuas viagens transcendentais – veja bem,
não falei TRANSCENDENTES!
Acho que tu percorre caminhos nunca antes trilhados no universo
e, olha só, pouco importa se entornando um Santo Daime,
chá de cogumelo ou fumando maconha.
De carona com os sonhos, a mente atravessa caminhos fodásticos.
Parabéns! Mas fique ligado, maluco!
– Cara, espera aí. Ainda não terminei de te narrar o sonho.
Falta a parte mais chocante.
No meio do papo com o finado, eu perguntei:
“Que novidades tu traz do outro lado?”
Aí ele se virou pra você, que se aproximou
e se intrometeu na conversa,
e falou:
– Te prepara, irmão, logo tu não estará mais aqui!
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 7 de outubro de 2024
Mantenha a calma e me ensine a viver
Facas me atravessam
e acordo com o surto
de um alarme
no freezer do açougue –
basta ouvir os noticiários
e os zurros na internet.
Saudade dos tempos do coaxar
dos sapos e pererecas,
mesmo convencido
de que boa parte eram
vôos imaginários.
Sequestrado por folhas em branco
e latas de cerveja,
hoje sou patrola desesperada
gritando diante do abismo
dum pântano
cotidiano.
Espero ser adotado por uma dúzia de gatos
que me ensinem a viver do seu jeito:
em natural e espontânea liberdade.
Não mais me atraso no café da manhã.
O que importa, meu brother,
é manter a calma e ser tolerante e paciente
com as armadilhas bestas
que surgem no caminho.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 3 de outubro de 2024
Confessando umas cachorradas
De um lado para o outro – ora vendo TV, ora fuçando nas redes sociais. Tudo muito chato. No Facebook, quase só maravilhas, é muita felicidade pra envergadurazinha dos humanos. Lembrei do Nelson Rodrigues: “Ou a pessoa confessa uma baixeza, ou não está confessando nada”.
Baixezas ou
CACHORRADAS, tenho uma ideia de como são, pensando em minhas andanças com Bárbara,
que tem uma profissão cujo nome é pra lá de bacana: SEX GIRL.
Um carro estaciona
bruscamente ali na rua. É o velho e querido doctor Biza. Cheira a álcool, mas
está ligado. Abro a geladeira e apanho uma cerveja, alcanço-lhe e retiro da
bandeja alguns ovos. Ele me observa, enquanto se esparrama no sofá:
– O jeito como tu
coloca os ovos na bandejinha diz muito de tua personalidade. Como tu faz com o
feijão?
Antes que esboce
uma resposta, ele diz, meio que zombando:
– Tem que deixar de
molho durante a noite. Senão, a feijoada vai produzir muitos gases – na verdade,
ele disse muitos p**dos –, e tu sabe como é sério o problema do efeito estufa!
Não queria a
companhia de alguém. Mesmo contrariado, fico na minha, mas penso: Sim, doctor
estrambótico, cada movimento que meu corpo faz mostra a essência do meu ser,
inclusive na hora dos fogos. E tu, nobre sábio, desenvolveu a verdadeira ferramenta
para compreender isso.
Ao deitar o verbo,
solta no ar gotículas avinagradas, e sempre começa com um "tu sabia
que...". Matutei: Bobinho, esse conhecimento que tu tanto apregoa vaza
água no final. Tantas teorias e tratados – que se mostravam a solução dos
problemas – hoje não passam de ridículos ensaios cômicos. Doutor, não te apegue
a tanta coisa que tu escuta por ai!
Mais relaxado, Biza
esparrama pela sala suas aflições, e eu sou agora o psiquiatra.
Bastou 5 dias longe
dos drinques para evaporar meia dúzia de quilos. Afastou-se também da carne
vermelha e dos refris.
– Cadelão, prometi
aos deuses que, de vez em quando, vou dar um stop nos líquidos e colocar meu
fígado num SPA. Meu guia espiritual me elogiou: “Agora tu tá bem melhor!
Continue assim!”. Profetizou num jeito paternal, e intuí que me livrei de algo
pesado, tipo um câncer ou cirrose. Sem meu guia por perto, sou um gênio indefeso.
Com ele, sou um ser especial e que necessita de uma vida sóbria e que isso será
determinante para aprumar a humanidade.
Vai despejando a
coisarada, enquanto eu murmuro "aham... aham...".
Agora o Biza fala
do sítio que sua mulher herdou. Eu seguro as lágrimas, tantas vezes desejei
morar no meio do mato, afastado da correria e dos gritos urbanos. Criar porcos
e galinhas, pescar lambaris à tardinha num córrego de águas tranquilas.
Transpiro sensibilidade quando ele diz que está medicando algumas árvores – as pobrezinhas
foram atacadas por cupins. Aduba, mija nelas, fala, canta e abraça suas amigas,
e elas estão reagindo bem!
É muita emoção, gurizada.
Não posso me queixar. Consegui uma graninha para repor e manter o estoque de
bebidas. Vivemos "em um mundo sem esperança, mas sem desespero" –, foi
o que disse Henry Miller na década de 1930. Agora, em 2024, parece que estamos
na mesma.
Biza continua fodão.
Tudo porque a mulher o botou pra correr. Passou os 3 últimos dias fornicando
com umas putas sacaninhas – como é que se chamam, hein? Ah, sim, sex girls.
Em alguns dias fará
a síntese dos conhecimentos adquiridos numa pluralidade de cursos online e
jogará retórica pra cima da mulher e ela deitará enfeitiçada e viverão uma
invejável lua de mel.
Que fim levou a
Bárbara? Vocês querem saber.
Não sei por onde
anda, só sei que me reserva um lindo lugar no reino da fantasia (ou será da
anarquia?). Não sei se sou de alguém, ou se tenho alguém, ou se vagueio pelo
mundo. Quando a procuro, nalguma boate, carrego a dúvida: ela ainda me quer, ou
algum pilantrinha com mais grana se afeiçoou e demarca o seu território?
(B. B. Palermo)
Viagem ao fim da noite
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