Nada a ver, menino!
Baratas,
sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos,
passeiam
pela sala cantarolando um samba do “Demônios da garoa”. É a “Saudosa maloca”.
Eis
a mensagem, nas entrelinhas:
se
o sol, dia desses, cuspir seu fogo
um
pouco mais forte,
minha
vida será escuridão, e não estarei preparado
como
essas irmãs.
Dias
normais. Serpentes se aproximam e se afastam,
e
fica a vontade de chegar de voadora
nos
vitrais das instituições.
O
de sempre se enrola em minhas pernas e sobe
e
sobe e me abraça, então aposto no Bicho
os
números da Cobra e sou desdenhado
pela
deusa sorte:
“Nada
a ver, menino!”.
Apesar
de circular por aí como um sobrevivente pagando promessas,
sei
que amanhã será incrível.
Farei
concurso pra servidor municipal – serviços gerais,
zelador
do cemitério ou jardineiro,
ou
porteiro de alguma creche.
Homem
digno, vida digna, despertado pela música do rádio-relógio.
A
barba está feita,
o
chuveiro ainda esquenta,
os
amigos estão tranquilos e ronronam feito pumas
em
seus leitos.
Fui
bom aluno no catecismo e nunca passei de um 6 em matemática.
Foi
divino: na adolescência, tive uma professora jovem, loira, linda e tímida que
sacou que eu gostava de literatura e então me emprestava livros que pareciam
incríveis praquele garoto.
Ela
é a responsável por não ter abortado
meus
primeiros poemas querubins.
Esses
dias juntei pastas e envelopes e caixas
com
anotações e poemas e rabiscos de histórias
que
me pareciam importantes.
Queimei
tudo, junto com os boletins escolares.
O
que vale é o milagre de ter sobrevivido
à
travessia desses pequenos riachos
infestados
por feras escrotas.
Não
me perdoo por permanecer tanto tempo em filas
na
infância e adolescência,
até
na hora da comunhão, ao receber o corpo
e
o sangue de Cristo.
Boa
parte do passado ecoa de um jeito absurdo,
com
o guindaste da vida eterna.
Ainda
hoje tenho medo.
Em
algumas noites durmo com a luz acesa
e
o edredom disfarçando a cabeça
e
os sonhos.
(B.
B. Palermo)