segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O poeta e seus clichês



Então ele quis me impressionar 

com sua veia poética, o Zé. 

"Hoje eu vi Rosinha 

onde ela anda, será?

Vem, vem, Rosinha, 

logo você fode o meu lar".

Não suportei o troço. 

- Pô, Zé, isso é um baita clichê!

Aí ele ensaiou outro verso, 

aquelas rimas fáceis 

que vocês conhecem.

- Assim não, Zé!

Rapaz, tu desmonta a poesia,

o M. Quintana vai se revirar na tumba

e pedir pra ser expulso da Casa de Cultura. 


Deixei a poesia de lado 

e falei do cultivo das PANCs.

Ora, ora, sou especialista 

em Ora-pro-nobis. 

Zé aproveitou o embalo, e falou:

- Bah, cara, tu mete na cachaça, 

faz como se fosse um licor,

e salva a humanidade 

de seu problemas 

gastrintestinais!


Apostando na potência 

de minha crítica literária, 

o Zé me alcançou 

um manuscrito seu,

de ontem de noite.

Caralho, ao chegar no final do texto 

eu senti Baudelaire. 


BICHO, BAU-DE-LAI-RE, BICHO!


(B. B. Palermo)

Mariscos



A poucos metros do mar

sinto rebeliões

invisíveis. 

Bolas, cadeiras, guarda-sóis, 

crianças e suas ferramentas 

de plástico, 

buracos enormes na areia

que parecem obras de arte,

mães com seus baldes

aguardam a chegada 

e o recuo das ondas 

pra arrancarem da areia

graúdos mariscos, 

é dia de pastéis 

e de ingerir menos refris

e mais água com gás 

e cerveja se houver

queima de estoque. 

O mar,

em sua força

e natureza angelical 

e durável,

vai roncar pela

madrugada 

enquanto o nosso 

sagrado 

ou perturbado 

sono 

acontece. 


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Poeta do avesso

 


Alguns senhores, 

papos sérios - 

do alto de suas caipirinhas 

e uísques vagabundos -

não chegavam 

a um consenso 

sobre onde comprar 

a melhor carne do Texas. 

Aí o Zé olhou 

pra garçonete,

linda, 

discreta,

curiosa 

e gostosa,

e disparou:

- Menina, tu não quer devorar 

esse velho coração?


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Chegamos lá

 


Gatinhas de gesso,

com seus lindos olhos ausentes, 

nos observam dos pátios das mansões. 

É como se não nos vissem,

por isso não há corpo,

sexo ou resistência do ar.

Rancorosos, frequentamos academias,

invadimos baladas e sugamos 

aqueles drinks açucarados e depois

nos refugiamos sob as saias 

das mamães. 

Discurso próprio já era,

esperta, a palavra nos foge,

ficamos travados na hora 

de soltar o verbo,

mas não quer dizer que não há 

outras saídas:

compremos uma esteira 

e a instalemos na garagem, 

um lava a jato para nos ocuparmos 

nos fins de semana, 

dando novo visual 

aos carros e calçadas. 

Compremos uns 5 mil livros 

pra ocuparem nossas paredes e mentes ou, do contrário, 

doemos boa parte dos livros que temos

aos que fazem por merecer. 

Talvez seja indispensável uma barraca, 

mesmo sendo usada umas 2 X por ano.


Talvez a essência está em zelarmos 

as medalhas conquistadas na juventude, 

até sacarmos que nossa carcaça 

definitivamente se encontra 

bêbada 

e lúcida. 

Ufa! 

Chegamos lá!


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Em busca do repouso



Localizo um bar na direção noroeste

saindo da cidade. 

Do outro lado da avenida 

há um bosque com eucaliptos altos, 

e nas suas copas uns ninhos 

enormes de caturritas,

indo pra lá e pra cá, 

ao sabor do vento. 

Parecem estar na corda bamba,

como a minha vida de poeta 

depenado,

fugindo da gaiola. 

Não é primavera, 

e os pássaros estão calmos.

Quando tudo florescer 

e a sua gritaria for insuportável, 

abandono meu ninho

e rumo para outro continente. 

No bar, os caras entornam seus drinks,

despreocupados com futuras homenagens

nas funerárias,

por padres ou pastores 

e suas belas e reconfortantes 

mensagens:

"Foi um bom homem, bom pai, 

esposo e trabalhador, 

e agora descansa 

junto ao Senhor".


Não suportamos pensar 

que nosso futuro

é o repouso,

quando nosso ninho 

não mais balançará

nem correrá o risco 

de cair.


(B. B. Palermo)

domingo, 22 de janeiro de 2023

Cachorros sabem

 


Pressentia que devia mudar de ares.

Cachorrões sabem que é cansativo 

estar rodeado a vida toda 

pela mesma

matilha. 

Ainda não pressentira a necessidade 

de trocar a filosofia pelo álcool, 

o álcool pela poesia, 

a ficção pelo álcool. 

Hoje, com uma ou com outra,

tanto faz.

Como não encontrei algo decente para fazer,

escrevo umas coisas que vejo

nas ruas.

Estou indiferente a essa destruição acelerada

do amor pelo ódio, 

da esperança pelo terror. 

Tanto faz.

Não importa de qual lado,

somos todos perdedores. 

Miseráveis, o que nos preocupa realmente 

é a vida dos outros.

Há cães decentes e indecentes 

em todo lugar, 

e eles me atraíram para cá. 

Vou me afastar do bando

e vou andar sobre as águas 

e vou acenar pra plateia 

que afunda

abraçada. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

O último chope

 


A última verdade, 

mentira, dissimulação, 

sinceridade, verbo ser,

metáfora aleatória, 

adjetivo qualquer, 

grito, silêncio.

Alguma 

coisa

será 

pela última vez. 

Resta a esperança 

de outra

e outra 

e mais outra

saideira.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Amor

 


Em Texas Beach,

por onde quer que vá

há um cão 

abandonado 

pedindo carinho.

Ainda não aprendi 

a retribuir 

todo esse

amor.


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Um tubarão em Texas Beach

 


- Cadelão, tá sabendo do tubarão 

que apareceu em Texas Beach?

- Claro, Beiço, eu tava lá. 

- Han??

- Tinha uma garotada metida a surfista.

Embriagado de poesia e cerveja, resolvi

dar-lhes umas aulas.

Assim que peguei a primeira onda, ela quebrou,

fiquei meio zonzo, engoli água e aí levei uma rabanada, assim, de lado.

Beiço, o bicho nadou em círculos ao meu redor,

me olhou de lado e falou:

ESTA NÃO É A TUA PRAIA, CADELÃO!


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Sensível demais

 


Os ovos tinham aparência estranha, sei lá,

me esforçava pra raciocinar,

Eram de granja?

Galados?

O que significa, porra, essa cor rosada?

Secava as mãos num pano de prato 

que fedia pra caralho, 

Barbaridade, como pode esse cheiro,

se o estou usando não faz uma semana?

Veio à mente a possibilidade de uma faxina geral. 

Fogão encardido, frituras e molhos derramados, 

a pia entupida, copos, talheres, pratos.

A senhoria deixou um tapete comprido junto ao balcão da pia,

não tive coragem de verificar

a aparência dos monstrinhos que ali se escondiam. 

Ao chegar no nono latão,

me dou conta de que o James está na área, e o ratinho me fita com admiração. 

Óbvio, está aguardando o que lhe pertence.

Desisti da faxina ao lembrar o que o Buk me disse certo dia:


CADELÃO, SE O SUJEITO MORA SOZINHO E ESTÁ COM A COZINHA SEMPRE SUJA, EU TE PROVAREI,  EM 5 ENTRE 9 CASOS, QUE O SUJEITO É FORA DE SÉRIE. 


(Inspirado no conto "Sensível demais", de Bukowski. Livro "Fabulário geral do delírio cotidiano ").


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Espere de você

 


Você está morto e de nada importam 

as cenas das novelas, 

os jogos nos pay-per-views, 

o noticiário nacional e internacional. 

A lua segue seu caminho, 

algumas vezes é lembrada e contemplada por apaixonados, 

enquanto você despenca 

no esquecimento. 

Ator, empresário, 

pai, filho, 

neto, padre, pastor, 

você já teve palcos, 

vacilou, sacudiu a poeira

e se regozijou. 

A vida cansa, 

há a fadiga dos metais,

de cérebros, 

corações, rins,

fígados, etc. etc. etc.

Papéis representados,

provisórios, ilusórios, 

não acreditarmos que somos coadjuvantes 

e por tempo limitadíssimo,

ridículo ou sublime. 

Fique ligado,

você ainda está vivo 

e a vida se alimenta do

movimento, 

somos uns palermas emigrantes, 

mutantes,

agarre a vida enquanto ela te acena.

Você pode ter bons momentos.

Não embarque no pessimismo semeado por aí, 

dizendo:


DOS HUMANOS EU NADA ESPERO.


Tudo certo.

Não espere dos outros. 

Espere de você. 


(B. B. Palermo)

Pílulas diárias de fofoca

  – Em Canela, ninguém cumprimenta ninguém! Em Capão, todo mundo diz “bom dia!”, “tudo bem?”. Aqui tu anda de bermuda e chinelos e ningu...