Num reencontro na vila em que nasci,
abraços acendiam memórias como lâmpadas antigas,
trazendo de volta rostos, causos,
- Há quanto tempo não te vejo! - diziam,
e cada frase parecia abrir uma gaveta esquecida.
Onde foram parar os troféus do nosso clube?
Anos setenta, oitenta, noventa... Alguém sabe?
E as ferramentas que arrancaram o sustento da terra vermelha?
Será que ainda temperamos a vida com as receitas dos avós?
Museus, livros, histórias puxam nossas orelhas:
lembrar é compromisso, é gratidão,
é não deixar que os jardins da memória
virem terrenos baldios.
Hoje, anos depois, saí com esse pensamento latejando,
neblina nas ruas do A. Texas,
passos contados como quem mede a distância do ontem.
O mercadinho novo me piscou luz de néon invisível:
sardinhas, bananas, maçãs, cerveja...
a economia da aldeia numa sacola plástica.
Segui, só eu e Deus ou, talvez,
também um poema preso no peito.
E então, na névoa,
vi um homem com fones enormes,
cara de quem não aprova sardinha em lata
nem funk pancadão.
Era meu bisavô,
recém-desembarcado de 1889,
sotaque de vinho colonial e olhos que viram oceano, peste,
fome e guerra.
- Cês tão fazendo o quê com o planeta, Palermo?
Inventaram carro sem cavalo,
carne que não sangra,
robô que escreve poesia…
mas ainda jogam gente no mar?
Dei um gole no latão...
talvez a espuma respondesse por mim.
- Vim buscar terra.
Voltei pra ver se sobrou alma. - disse ele,
olhando o céu costurado de satélites.
Ainda vale a pena sonhar?
Apertei as sardinhas na sacola,
senti a umidade da neblina
e respondi, numa tristeza de doer:
- Só se for de olhos fechados.
(B. B. Palermo)