Os movimentos
da dentadura postiça
na boca do velhinho
sentado no bar
sinalizam algo sobre o tempo.
Depois que a companheira morreu,
ele vence o rosário do dia
de bar em bar.
paga um trago pra quem
emprestar
ouvidos
às suas histórias.
Lembrei de meu amigo que
enfartou
e nada publicou
de centenas de páginas escritas.
Ele quer e não quer
espalhar pelo mundo
seus contos e
romances e poemas.
Quando for ao psiquiatra
desempenharei papel semelhante
ao do velhinho,
entupindo ouvidos alheios,
devidamente pagos,
com minhas narrativas cansadas.
Penso nos objetivos do
velhinho,
ao peregrinar pelos bares,
implorando audição.
Penso nos objetivos do meu
amigo,
que insiste em escrever e
deixar algo,
agora que o tempo respira
por aparelhos.
Penso nos meus objetivos.
Onde tudo isso vai dar?
Otimistas creem em nossa
transformação.
Pessimistas dizem que essa rotina
sinaliza
que tudo está perdido.
Eis a razão de toda a náusea.
Nossas buscas são confusas
parece que uma força estranha nos trapaceia,
e o tempo dá sinais de que
encheu o saco
de nossas paranoias.
É utópico acreditar em nossa transformação.
A mudança requer esforço
redobrado,
e o fôlego já era.
(B. B. Palermo)