domingo, 21 de dezembro de 2014
sábado, 20 de dezembro de 2014
sexta-feira, 19 de dezembro de 2014
Pessoas-fantasmas
Segundo Mario Quintana, hoje em dia é difícil encontrarmos "as pessoas presentes", por causa da TV, rádio, celular e internet. Vivemos, sempre e sempre, "em comunicação com uns distantes fantasmas". O problema agora "não são os fantasmas do outro mundo, mas sim os fantasmas deste mundo!" (M. Q. Caderno H).
domingo, 14 de dezembro de 2014
No tempo das cavernas
No tempo das cavernas uivos e guinchos davam conta das
palavras. Cavalo da chuva ninguém tirava. Não havia freezers bichos embalsamados e açougues. Era dos
sentidos, nada era embutido. Todos reinavam e não havia cativeiros. Nem sempre o
grande comia o pequeno. Quem podia mais fugia menos. Não havia correntes e
prisões-canis de alguns metros quadrados. Hoje a anatomia do açougue esquarteja
o sonho do boi. Congelamos sentimentos e somos escravos do tempo. Me espanta o
ritmo do caranguejo. Meu ritmo mais ousado é andar para os lados. Nunca vi
bicho psicopata. Bicho não mata por prazer. Bicho não se alegra ao ver outro
bicho sofrer.
(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)
domingo, 7 de dezembro de 2014
domingo, 30 de novembro de 2014
Pediram-me para cuidar...
Pediram-me para cuidar do planeta, admirar as estrelas e o sistema solar. Garimpar tesouros no céu e - com meu verso - cantar as harmonias do universo. Cuidar de tantas espécies em extinção, mesmo que essa bola azulada, orbitando na imensidão, permaneça por muito tempo depois que eu for. De que vale tanto esforço se nem sei cuidar de mim? De que adianta cuidar de tudo se me apavora a previsão do futuro? Cuidar das abelhas, cuidar das cigarras, rezar pelos golfinhos e os caracóis. Cuidar do Polo Norte morando no Polo Sul. O lixo atômico se espalhou, dizem que sou culpado. O poeta necessita escutar os seres, seus olhares, imagens e palavras... De que valem tantos brados, se não consigo desenhar no poema os meus gritos engasgados?
(TIRADAS
do Teco, o poeta sonhador)
domingo, 23 de novembro de 2014
terça-feira, 18 de novembro de 2014
Deus e os sabiás
“No
princípio, antes que qualquer coisa existisse,
antes
que houvesse o Universo,
o
que havia era poesia.
Deus
era poesia.
A
poesia era Deus.
Deus
e a poesia eram a mesma coisa.
e
Deus criou as estrelas para, com elas,
escrever
seus poemas nos céus...”
(Rubem Alves. IN: Prólogo do Evangelho
de João, paráfrase)
Logo pela manhã
espio sabiás no ninho, junto de casa. À noite, felinos circularam pelos
arredores. Com insônia, escrevi páginas e páginas incompreensíveis, com medo de que o instinto selvagem desses gatos despertasse.
Nem preciso
cultivar minhocas e outras comidinhas para alimentar esses pequenos seres que
aqui fizeram seu habitat. Aprecio vê-los crescerem no quintal do meu olhar. Todo
o dia observo curioso, responsável, como faz um bom padrinho. Logo aprenderão a
voar, e ganharão o céu, e então os acompanharei, colado ao chão, tendo apenas o
recurso do voo raso do imaginário.
Senhoras, de
olhares duros como feras, cabelos longos e muitas certezas a respeito do
sentido da vida e da morte, vêm até minha casa para me convencer a adorar Deus,
no interior da igreja. Agradeço. Não precisa tanto sacrifício. Tenho o sol e o
ar que respiro, um coração e seus canais no compasso da vida, dançando a mesma valsa do
universo.
Todo dia Deus
vem me visitar.
Mostra-se nas
singelas cenas que provocam meus sentidos. Uma das cenas, hoje, foi a da mãe
colocando comidinhas na boca de seus filhotes, no ninho. Desconfio que Deus, na
sua pureza e simplicidade, é uma criança poeta.
Como os amigos
que não vejo há tempos, por ter simplesmente me afastado, sinto a falta de Deus
quando estou enrolado até o pescoço com migalhas, como o ciúme, a inveja, a
arrogância e o ódio. Mas Deus não se apresenta para me julgar. Afasta-me da
insignificância ao me deixar de frente com a beleza da vida, a qual ELE é.
É difícil libertar-se
da catequização. Do medo de um Deus severo, que desde a infância cortava as
asas e aprisionava. Temente a esse Deus, deixei de ser criança poeta, desconfiando
da vida ao redor. Saíam de cena as coisas belas, simples, como o nascer e o
pôr-do-sol, ou a água límpida da fonte, lambiscada com a concha das mãos.
O Deus ensinado
desempenha o papel de pai protetor. Nas estórias contadas, ele afugenta os
demônios, protegendo-nos de criaturas ameaçadoras que poderão nos sequestrar
do aconchego do útero familiar.
Mas o Deus da
catequese é um Deus pouco poético. Em vez de enriquecer nosso imaginário, nos
encheu de medo. Em vez de colorir nosso coração, nos embruteceu.
Não faz nenhuma
diferença Jesus ter sido casado ou não. Ter filhos ou não. Não muda nada saber
se os escritos bíblicos são história com H, de fatos que realmente aconteceram,
ou se são estórias – relatos míticos, lendas e fábulas.
Da mesma
maneira, de pouco adianta engarrafar Deus e seu filho nessa ou naquela
religião, se não captamos sua presença nos singelos (e belos) acontecimentos
cotidianos.
Deus é criança.
Deus brinca conosco. E “os que brincam são incapazes de fazer maldade”. Aqui,
Rubem Alves cita Alberto Caeiro, heterônomo de Fernando Pessoa:
Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Tornado outra vez menino.
Tinha fugido do céu.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
Hoje
vive na minha aldeia comigo.Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Tornado outra vez menino.
Tinha fugido do céu.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
Ao fim do dia eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
sábado, 15 de novembro de 2014
Walt Whitman
Alguém pedindo para ver a alma?
Veja sua própria forma e seu semblante,
pessoas, bichos, plantas,
os rios de águas correntes,
as pedras e as areias,
tudo retém os júbilos do espírito
e os libera a seguir...
Quero fazer poemas das coisas materiais
pois imagino que esses hão de ser
os poemas de mais espiritualidade,
e farei poemas do meu corpo e do que há de
[mortal,
pois acredito que eles me trarão os poemas
da alma e da imortalidade.
terça-feira, 11 de novembro de 2014
Par perfeito
Foi ela quem o
recebeu. Mas, em vez de ela abrir seu coração, antes abriu o seu. Atrevida, deu
palpites, como se tivesse a chave dos seus enigmas. Cartomante? Amiga? Amante?
Sozinho há algum
tempo, queria muito impressionar. Incrível como a lógica se inverteu. No
início, frustrou-se: ela foi pouco amante e muito falante. Mas tinha um jeito
galante de falar, roubando toda a sua atenção.
Olhou
demoradamente seus lindos olhos azuis (que por sinal estavam bem vermelhos
devido à noite mal dormida) e exclamou:
- Que lindos
olhos!
E emendou:
- Nossa, como
eles são tristes!
Ficou matutando:
será que seus olhos são tristes porque realmente são, ou porque ela assim viu?
Lembrou de uma frase do Rubem Alves: “O paraíso mora dentro dos olhos”. E Angelus
Silesius: “Quem não tem o paraíso dentro jamais o encontrará fora”. Claro que
desconfiou da ousadia dela em falar assim de sua pessoa.
Então ela quis
que ele falasse por que seus lindos olhos eram tão tristes.
Inventou. Disse
que sofreu muito na infância. Mamãe abandonou, a ele e a seus irmãozinhos.
Ela se contorceu
no sofá, e ele continuou:
- Mamãe era esquizofrênica.
Tinha muito ciúme do meu pai, e esquecia de cuidar de nós. Tinha vergonha dela.
Não queria que ela fosse na escola falar com meus professores e diretores. Queria
que minha mãe fosse igual à mãe de meus colegas, em vez de usar aquelas roupas
exóticas quando saía de casa.
Foi então que
ela o abraçou, acariciou e disse:
- Meu anjo, alguma
coisa sufoca o teu peito. Sinto que você sofre da influência negativa de algo
ou de alguém.
Ficou matutando.
Mas que atrevimento! No primeiro encontro, e já sente pena dele? Depois dessa,
afundou no sofá, e delirou:
- É que eu tenho
um amigo que vive pegando no meu pé!
- Mas como?
- Ele diz pra
todo mundo que tenho uns trejeitos. Ele até me imita, diante dos amigos.
- Afaste-se
dele, querido! Ignore! Ele é um falso amigo, e tem muita energia negativa, que
faz muito mal a você! Por isso teu coração anda tão aflito.
Seu nome era
Luli 2341. Criou o perfil num site de relacionamentos porque foi na conversa de
uma amiga, que disse que uma outra sua amiga conheceu sua alma gêmea num desses
sites. Estão juntos há mais de dez anos. Parece que nasceram um para o outro!
Como esses sites de namoro cruzam dados, como profissão, gostos, filhos,
signos, etc., a probabilidade de você encontrar sua alma gêmea é bem maior - disse
ela.
Ao traçar o
perfil, adicionou umas fotos sugerindo um leve ar de sensualidade. Dois dias
depois uma garota mandou uma mensagem, dizendo que tinha gostado dele, e que
tinham muita coisa em comum, etc. e tal. Chamava-se Dorinha 4321, e morava numa
cidade próxima.
No item
profissão, aparecia administradora rural. No caminho, no ônibus, ele sonhava
com os mil hectares que ela arrendava. Uma bela casa, imóveis, um escritório
cheio de livros, um clima perfeito para baixar a inspiração e, finalmente, escrever
um grande romance. Imaginava-se
dirigindo uma Hilux 4x4, zerinho, roupa de cowboy, e não se importava de ouvir sertanejo
universitário. Seria seu guarda-costas (como no filme), seu conselheiro, seu
amante. Sonhava pescar todas as tardinhas no rio que corta aquelas terras que a
vista não alcança.
Se antes ela
parecia psicanalista, agora estava mais para cartomante. Acendia incensos, para
combinar com os DVDs que ouvia: Bruno & Marrone, Reginaldo Manzoti, Fábio
Melo. O diabo é que ela não lidava direito com o controle remoto, e a música
ficava a toda.
Como ela era
rica, premeditou uma estratégia para conquistá-la de vez. Iria impressioná-la com
sua bagagem cultural - sim, agora seria o cara mais culto da cidade. Viajariam
pelo mundo, visitariam museus, aprenderiam outras línguas, conheceriam o maior
número de praias possíveis. Mostraria para ela bons filmes e também a
introduziria à MPB, ao jazz, blues. Comentaria as tirinhas da Mafalda, falaria
de Capitu e de madame Bovary. Apresentaria a ela o mundo da literatura, da
poesia e da ficção científica. Mas, aqui, ele fui um reles ingênuo: foi ela
quem o impressionou com seu jeito decidido de lidar com a metafísica e o
sobrenatural – com a vida e a morte, e os seus mistérios.
Essa viagem toda
faiscava na sua cabeça quando ela o sacudiu, ao dizer que tinha poderes mediúnicos.
Psicografou várias vezes. E falou de montão sobre a vida dos espíritos. Dos
menos aos mais evoluídos. Ia perguntar como era o dele, e se ela sabia de quem
era reencarnado. Claro que curtiu ouvir isso. Quer ser escritor, imagina só ela
psicografar a obra ditada por um grande espírito genial.
Foi então que
ela colocou a mão no seu peito, acreditando desatar os nós que o oprimiam.
Enredado, desabafou. Inventou outra história. Como se umas fantasias que tinha
se realizaram de verdade. Não chegava a ser incesto ou algo monstruoso. Era
apenas a inveja que tinha do seu irmão, com sua namorada maravilhosa, que ele
chamava de fofa (e que de fofa não tinha nada). Falou de uma longa história de
traição, etc. etc. Foi lembrando da história de Shakespeare, Hamlet, do tio que mata o pai pra ficar
com sua mãe. De novo inventou de sua mãe, da depressão pós-parto, não o deixou
mamar no peito, e de que até hoje é inseguro e tem um sentimento de rejeição.
Ela o abraçou
demoradamente e começou a lhe ensinar a “arte do desapego”. Citou evangelhos, Paulo
Coelho, Augusto Cury, tudo para que ele começasse a se libertar dos pecados que
pesavam no peito.
- Essa culpa – ela
disse – faz muito mal, se a gente carregar pela vida afora.
Quase cedeu às
lágrimas, mas aguentou no osso do peito, macho que era.
Caro leitor, nessas
alturas você deve estar perguntando: “E daí, o cara encontrou seu par perfeito,
ou não?”.
Desconfio de que
a maioria dos perfis nesses sites são ou exagerados (as pessoas dizem que têm
mais qualidades do que defeitos), ou camuflam informações. Elas se descrevem do
jeito como se imaginam como gostariam de ser - quase perfeitos.
Uma (boa) parte
do que falamos e acreditamos sobre nós é invenção. E continuamos inventando
também nas redes sociais. Mas isso não é nenhum pecado. Por que não transformar
tudo isso em poesia, literatura, enfim, em algo que se pareça com uma obra de
arte?
Responda você,
meu amigo: descobrimos nosso par perfeito quando a pedimos em namoro e a pessoa
diz sim? Ela se torna o amor de nossa vida depois que “rachamos” pela primeira
vez a conta no restaurante? Ela é meu par perfeito porque tenho vontade de
dizer “gosto de você”? Ou quando tenho vontade de apresentar a pessoa fofa como
“minha namorada” em vez de “minha amiga”? (desconfio que isso é muita vontade
para pouca realidade).
São muitos os
riscos de o namoro não dar certo. Talvez a única certeza é aquela do poeta
Vinicius de Morais, quando diz sobre o amor: “Que seja infinito enquanto dure”.
O amor perfeito vai durar o tempo que as pessoas ainda tiverem vontade de se
ver. Ok. Ele a pediu em namoro, e ela disse sim.
Mas o próximo
encontro o preocupa. Se ela continua a acreditar que tem a chave que abre o
cofre dos seus sentimentos, não sabe como vai inventar tantas histórias para
responder às perguntas dela, e deixá-la feliz.
domingo, 9 de novembro de 2014
William Blake - citado por Rubem Alves
Este poema relata o que acontece quando deixamos de ser crianças e nos tornamos adultos. Pode-se dizer que é uma outra versão para o "fruto proibido no paraíso".
Fui andar pelo Jardim do Amor,
e o que eu vi não era o que eu esperava:
vi uma capela erguida no lugar
onde antes, no gramado, as crianças
[brincavam.
Seu portão fechado estava
e nele escrito: Interditado.
Para o jardim do amor corri então
onde antes tantas flores se abriam.
Mas encontrei, ao invés das flores,
[sepulturas,
e lápides frias espalhadas.
Sacerdotes em vestes negras vigiavam
e com espinhos os risos e alegrias proibiam.
(Do livro de Rubem Alves Perguntaram-me se acredito em Deus.)
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