terça-feira, 13 de maio de 2025

É Sério, Baby


Eu trago comigo algum consolo, baby,
de ter dançado entre vinis riscados
enquanto o mundo ardia nas entrelinhas

dos jornais.
Me ensinaram paz e amor,
mas nunca me disseram onde doía.

Cresci no colo de Rita, Raul e Belchior –
mestres de uma juventude que não lia

editoriais,
mas entendia o grito engasgado
nas guitarras e nas entrelinhas das canções.
O noticiário? Era só barulho branco
e eu, sem saber, me tornei cúmplice

do silêncio.

A música me salvava, baby,
como salva um náufrago em terra firme,
e eu compreendia a Rainha do Rock
como quem entende uma profecia

em forma de refrão.

Depois vieram os livros e os amores de estação,
as revoltas com hora marcada,
as tardes de domingo cheias de utopia.
E, por um tempo, acreditei:
talvez o mundo ainda coubesse no peito.

Mas escuta esta – olha nos meus olhos:
também fui chamado de ovelha negra da família,
com um certo orgulho, confesso,
como quem carrega no bolso um verso proibido
e sorri porque sabe que ainda arde.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 11 de maio de 2025

Um pouco Esquisito

 


Esquisito sai do meio das dunas e vem pela rua e me avista.

Parece afoito e carrega alguma coisa numa sacola.

Lembro duma vez em que me narrou de seu contato com alienígenas na praia do A. Texas.

– Cadelão! – disse-me, ofegante, os olhos arregalados como se tivesse visto o próprio fim do mundo – eles voltaram...

A sacola mais parecia um saco velho encontrado no mar; notei alguma coisa por entre as frestas do zíper.

Já vi coisas estranhas em minha passagem por esse planeta, mas nada parecido com o que ele me mostrou.

– Do que você tá falando, Esquisito? Quem voltou?

Ele olhou por sobre o ombro, como se tivesse certeza

de que estava sendo seguido, e se aproximou tanto que pude sentir o cheiro de maresia

misturado ao de cigarro e álcool e baseado impregnando suas roupas velhas.

Abriu a sacola com cuidado, revelando um objeto que parecia uma concha enorme com uns desenhos indecifráveis.

– Foi o que eles me deixaram, da última vez.

Disseram que era uma chave... mas agora, agora, eles ordenaram

que eu a leve até o Farol – disse-me com a voz trêmula, um quase sussurro. Lá tem um portal. E hoje... hoje é a única noite em que ele se abre!

Engoli em seco. Pensei, que droga esse doido anda usando?!

Já ouvira rumores sobre o Farol – diga-se, o Farol da Solidão, um lugar meio isolado, mas com muita histórias de naufrágios de grandes navios, isso há quase 100 anos.

Segundo os pescadores mais velhos, é um lugar misterioso e, para muitos, até amaldiçoado.

Quero um dia conhecer o Farol da Solidão, mas não ao lado do Esquisito e com uma "chave alienígena nas mãos."

Caramba! E agora?

– Você vai mesmo levar isso lá?

Ele apenas assentiu. Depois, me encarou com uma expressão entre medo e esperança.

– Cadelão... preciso que venha comigo. Eles disseram que só posso entrar se eu não estiver sozinho...

 

Minha última conversa com o maluco girou em torna de sua paranoia a respeito dos cupins que tomaram conta do Litoral Norte.

Onde estavam as autoridades? Hotéis, pousadas, condomínios, casas, todos, todos eram corroídos, humanos reféns dos malditos insetos!

Ninguém faz nada!

Postava nos grupos de Whatts fotos e gravava áudios, desejando desentocar os responsáveis pelo fenômeno.

Diante do silêncio geral, ele desabafava:

– Tá todo mundo de sacanagem!

Quando lá chegamos, notei que o Farol estava vazio, abandonado, como o passado do Esquisito e talvez o meu.

Encostou a chave na base da torre e o vento parou.

Um brilho azul tomou conta da noite. E então, por uma fração de segundo, o impossível pareceu real.

Mas só por uma fração.

O farol voltou ao normal, o vento voltou, a vida voltou... e o Esquisito chorou baixinho.

– Eles me enganaram... ou talvez... me esqueceram.

No retorno, ofereci uns goles de pinga e um cigarro. Aceitou com um sorriso triste.

Desde aquele dia, nunca mais falou dos alienígenas.

Sua vida, agora, gira em torno dos cupins.

Confesso que, às vezes, quando venho meio faceiro do bar à noite, caminhando pela praia, lembro do Farol.

Milagre? Então, um feixe de luz pisca lá no alto – e penso que talvez, só talvez, o Esquisito estivesse com razão o tempo todo.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 8 de maio de 2025

A velha cidade não sai de dentro de você

 

O ar irresponsável juntou-se à fuligem e estão deixando o mundo em polvorosa.

Moços, velhos e crianças se desmontam em tosse e espirros.

Os olhos vermelhos ardem dia e noite.

A luz da sabedoria ilumina mentes brilhantes e soluções são sugeridas.

O prefeito acha tudo brincadeira de criança – a correria em busca de alívio mais parece um carrossel.

Diz que já viu coisa pior.

No parquinho de diversões, o promotor não consegue notificar os responsáveis;

o vereador pede decretação de situação de emergência;

outro sugere a concretagem do incinerador e a manda às favas as leis da física;

o senhor da esquina quer a pronta instalação de um hospital de campanha;

a defesa civil abre inscrições para os voluntários da pá e a remoção dos resíduos.

A cidade tá bombando.

Aqui perto de casa ar e fuligem se uniram ao abandono de lixo e animais mortos

e agora, pra melhorar, há uma caixa de esgoto estourada

que os narizes têm que suportar.

Campo, lavoura e todos os bairros andam queimam de febre, todos tentando não queimar ninguém.

Fogo e água são ingredientes indispensáveis nesse ensaio de fim de mundo

e um filósofo cínico anda à procura de um herói para devolver a paz à colmeia.

Os poetas distribuem metáforas e oficinas de bolinhas de sabão

visando ao controle do movimento corporal e da respiração.

O clube da terceira idade diz ter dançado no trabalho coletivo e os apostadores contumazes organizam rifas e loterias sobre o tempo

que essa novela levará para chegar ao fim.

Os políticos brincam de lets nos eleitores e seguem ‘empunhando’ todo mundo.

Isso tudo acontecendo e o doctor Biza desolado aguardando a anistia.

Só me falta esse ar irresponsável entrar em movimentos.

 

(De um telefonema do Carleone para o Cadelão)


terça-feira, 6 de maio de 2025

Teste vocacional para os meus poemas tristes

 

O cara na praça manda ver nuns exercícios físicos

naqueles aparelhos de merda que as crianças 

fazem de conta que são brinquedos.

Aparelhos estranhos, sujeito estranho.

Fita-me desconfiado,

deve estar sabendo das cagadas que fiz,

nada tão significativo como detonar bombas nucleares

num mundo em que rola um babaca sentido.

Logo adiante avisto uma barraca do Senac

e uma garota me observa e sorri  

e intui que eu preciso fazer um teste vocacional.

Os cabelos e os lábios e os dentes e as sobrancelhas 

sintetizam anos de leituras de horóscopos, 

décadas de tentativas e erros em busca

da melhor resposta sobre o futuro do meu destino.

Tudo é insignificante,

o planeta dá voltas –

seria o eterno retorno?

Dobra a esquina e a reconheço:

é uma senhora que comi anos atrás.

Vacilo, tento virar o rosto mas já é tarde

e ela não me vê ou percebe.

Seus pés enormes parecem duas bocas de serpente

e ameaçam tudo ao redor e não sei pra onde vão

e a quais deuses irão assombrar.

Os ponteiros do relógio digital fazem sua parte e

tudo volta ao normal mas aí passa um vendedor

com aquele carrinho tapado de cobertores

e casacos de lã

e suas rodinhas entoam

poemas tristes.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 2 de maio de 2025

Taxi driver


 


Já fui o “docinho” de muitas beldades,

executivas, professoras, gerentes de lojas e bancos,

garotas de programa, diaristas.

Docinho pra cá e pra lá – se necessário,

24 h por dia.

Prestativo, atencioso, sempre à espera do milagre:

que alguma das deusas me acariciasse

e até sentasse no meu colo.

Vejam bem, que isso fique por conta

da imaginação de vocês.

O “colo” é apenas o eco de meu delírio,

meu salto mortal, o devaneio de que tanto me orgulho.

Confesso que era tímido, e hoje essa verdade

me persegue e dilacera.

Muitos anos depois, a imaginação desgovernou-se

e juntou-se à dona fantasia, e sua alma profética,

nuns beijos e abraços em todo e lugar nenhum.

Cena comum: cogumelos brotam por detrás

da porta do banheiro.

Cogumelos pacíficos?

Cogumelos bandidos, filhos da guerra atômica?

Pesadelos, feito bombas armadas pra detonarem

quando estiver no sono mais profundo?

Soldados corcundas me fuzilando

numa Vietnã qualquer?

Dentro do filme do Scorsese

reencontro um por um esses amores,

de quem fui taxi drive, na Capital.

 

 

As coisas ficaram estranhas quando vi os ovos explodirem

ao serem cozinhados e os feijões permaneciam duros,

mesmo depois de horas no fogo.

Calcinhas e sutiãs penduradas nos varais

de quintais das casas me chamavam e me conduziam

à doce e amarga verdade: as garotas que levei

com meu carro por tantos labirintos e ruas

estão de volta, e desfilam... com suas vozes inconfundíveis,

seus pets, seus livros, espelhos, batons e canções preferidas,

elas são a minha plateia – a plateia de um  poeta só!

O poeta junta esse punhado de ninfas

e desenha em sua parede desbotada e solitária –

misturando todas as tintas possíveis e impossíveis –

a sua mulher ideal.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 30 de abril de 2025

Uma juba lindona


 


Na Alemanha as pessoas saem pelas ruas com livros

e leem nas praças e metrôs e ônibus.

Ela diz que é independente e é casada

e conversa comigo por chamadas de vídeo.

Adoro imaginá-la assim, longe, tanto faz

se estivesse na minha rua ou na Amazônia

ou Paris ou Nova York ou Berlim ou Londres.

Ela tem alma, e isso me enlouquece,

mas está fora de cogitação

me apaixonar.

Assim como está, alimentando meus canários

e gatos e paranoias, já sou infeliz

o suficiente.

Pedi pra que não mandasse áudios.

É que sua voz me enlouquecia,

internava em clínicas para loucos

o meu sexo nas madrugadas

e era a morte e vida do meu pobre sono.

O que mais queria era que murmurasse

nos meus ouvidos canções de ninar,

sempre linda, sorrindo e peladinha

como veio a esse mundo.

Ontem, quando mandou esta,

junto com uma foto,

meu coração disparou:

– Oi! Estou trançando minha juba.

Amei o que tu disse naquela história.

Eu me vi ali... Logo te explico.

– Tá bem. Vê se manda outras fotos

pra eu me pendurar na tua juba lindona!

 

Já se passaram 24h e nenhuma notícia.

Nem das frases, nem da juba. 

Nossa! Como essa vida solitária

me torna um pobre feliz!

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Das 24 às 24


 

Meia-noite.
A garganta berrando.
O céu, lá em cima, mijando luz nas calçadas.
Murmuro qualquer coisa pra lua e umas estrelas bêbadas.
Ninguém escuta.
Ótimo.
Sigo pelas ruas mortas,
sem saída,
como eu.
E lá está ela:
a loja de bebidas,
bonitinha, toda cheia de promessas baratas,
me vende a salvação por alguns trocados.
Não me nego.
O cachorro preso num beco late pra cima,
se joga contra as grades,
quer fugir,
quer me levar junto.
Não vai dar.
Ignoro os carros rebaixados,
o som podre rasgando o asfalto,
a lua, minguada,
me acena com pena.
Passei ali de tarde -
vi a igreja lotada,
o bailão da terceira idade bombando,
uns velhos dançando mais vivos do que eu.
Num canto, uma mulher esmagada pelo AVC
empurrava uma bola de basquete devagarzinho,
como se a vida fosse isso:
uma bola murcha num chão rachado.
Do outro lado, um bombado idiota,
cheio de músculos e vazio,
olhava pro nada,
segurando a própria desgraça como se fosse medalha.
Agora, a rua é só minha.
Meia-noite.
Eu e o asfalto.
Descansa, irmão,
amanhã tem mais escravidão,
e menos tempo para sentir
essa m* toda.
(B. B. Palermo)

sábado, 26 de abril de 2025

tarde demais

 

as placas berram no asfalto quente do A. Texas
“leve seu lixo para casa!”
“preserve a natureza!”
“atenção: morada do tuco-tuco!”
como se palavras pudessem conter a estupidez humana
como se alertas em madeira ou metal pudessem domar os cães famintos
ou deter os riquinhos em seus quadriciclos,
rasgando as dunas e praias como se fossem deles
como se tudo fosse deles
como se sempre fosse deles

o tuco-tuco não lê placas
ele cava, se esconde, sobrevive
até que um pneu o esmague
ou um cão o devore​

e eu?
sou só mais um roedor urbano
olhando pro horizonte turvo
preso entre prédios e ruas vazias e promessas vazias
esperando a ratoeira fechar​

as placas continuam lá
firmes, inúteis, ignoradas
como preces em um mundo sem deuses​

tarde demais para arrependimentos
tarde demais para esperança
tarde demais


(B. B. Palermo)


segunda-feira, 21 de abril de 2025

Sei no que vai dar!



Embalado pelas palavras
de queridos e queridas nas redes,
enredado pela lerdeza e opressão
de suas incríveis visões de mundo
(quem comeu quem, quem tem o pau mais grande da city,
quem melhor aplica as fórmulas mágicas das conquistas
e quem sabe amar sem ser machista,
quem tudo sabe de futebol e política e artes e música
e tals e tals e por aí vai...).
Você e aquela falta de ar e um
sufoco e opressão.
Você, admirador e invejoso do que dizem os sábios, os outros,
esquecendo e roubando o espaço
do “verdadeiro” fluxo que vem do teu íntimo.
Por experiência ingênua de tão própria
eu te digo:
tua poesia, se alguma houver,
será uma grande b*!
(B. B. Palermo)

terça-feira, 8 de abril de 2025

O psiquiatra conhece!



No Instagram, me deparo com uma entrevista de um psiquiatra

falando a respeito de uma droga ministrada a pacientes terminais, desenganados.

Diz ele:

“Nos cuidados paliativos, quando a pessoa vai morrer,

dá-se uma dose dissociativa de um psicodélico e a pessoa pode ter um êxtase,

uma epifania, e entender que não existe a morte, que tudo tem começo, meio e fim,

e o fim nada mais é do que o epílogo de um episódio unido

com o prólogo de outro episódio: morre pra cá, nasce pra lá,

numa outra dimensão.

Morre na outra dimensão, nasce pra cá nesse mundo material onde nós vivemos,

e nós estamos condenados ou premiados a viver eternamente na nossa companhia.

Caraio, véio! Tenho que me dar bem comigo mesmo

porque não tem como escapar de mim!

Enquanto tu estiver aqui, para viver o melhor possível

e expandir tua consciência, que é o que tu tanto busca,

sirva mais e ame melhor, simples assim!”.

 

Mostrei isso para alguns personagens e eles se manifestaram.

Diz o Cadelão:

“Carai, véio! Que viagem  Aposto que esse doctor chegou a tal descoberta

depois de ter sugado um balde de Ayahusca...”.

 

Eis o que diz o Damo do Cachorrinho:

“Kkkkk... eu nem achei tão louco o que ele disse, traz algum sentido.

Como saber se nossa consciência não vai viver em um metaverso

baseado em nossas experiências em vida, e passaremos o resto da eternidade

com nós mesmos? Kkk

*É só suposição. Estou lúcido. Haha...”

 

De novo o Cadelão:

“Rapaz, olha que terrível seria, não aguentamos nossa companhia nessa vida,

imagina passarmos uma eternidade nos vendo no espelho e gemendo...

‘Não, não, não! Fiz m* de novo!’ Kkkk”.

 

Outra vez o Damo:

“Bah, nunca fiz essa autoanálise... Só exames de sangue.

Vou consultar meu guru, o Leandro Karnal... hehehe”.

 

Pitaco do Carleone:

“Falei com meu alter ego, o Augusto Severo, e ele diz que o doutor tá certo com os cogumelos e tá fazendo poesia”.

 

Pra fechar, eis a opinião do Beiço:

“Esse usou mais drogas do que eu!”.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 25 de março de 2025

Foi o que deu pra fazer

 


Dei o livro pra uma amiga que estava de níver,

nos seu 90 anos bem vividos,

e o Lutero, o cara do pub, exclamou,

depois que leu a contracapa:

– Palermo, tu escreve pornografia!

Foi aí que a Sibila, minha paixão insensível,

meteu-se na conversa e amenizou:

– Queridos, não peguem pesado!

O Palermo está meio perdido nessa eterna busca

por uma mulher Alfa, enquanto ainda tropeça

e cai nos braços de umas putas.

Não estressem o pobrezinho.

É como ele sempre diz:

“Foi o que deu pra fazer”.

 

(B. B. Palermo)


domingo, 23 de março de 2025

Coisas

 

Assim que a noite cai,

carros e motos passam pelas ruas

como ratazanas brotando às centenas de suas tocas,

e uma verdade toma conta do meu ser:

eu não consigo mais me apegar

a essas coisas.

Li que o governo quer liberar impostos

para idosos

na compra de veículos.

Fico em pânico, olho pro céu e pergunto:

– Pra que tanto automóvel, meu Deus?

Pausa, silêncio e aí percebo

que Deus cuida

de coisas mais relevantes.

Eis que passa na avenida uma motinha

toda fodida

e com descarga aberta.

Hoje em dia, minhas perguntas

ao todo poderoso  

não fazem qualquer sentido.

 

(B. B. Palermo)


É Sério, Baby

Eu trago comigo algum consolo, baby, de ter dançado entre vinis riscados enquanto o mundo ardia nas entrelinhas dos jornais. Me ensin...