Hoje me preparou um incrível café da manhã
servido na cama.
Cheia de disfarces, talvez vista roupa de enfermeira, cuidadora,
professora de meditação - ou, quem sabe,
seja analgésico, antialérgico, antibiótico ou anti-inflamatório
me bombardeando até afugentar vírus e bactérias que me atacam
nesses becos enredados por boates e bares ferventes.
É necessária e oferece sobrevida a quem for esperto
ao cruzar o seu caminho -
mas com ela nunca se é esperto.
Não no seu tamanho.
Ainda não pirei, apenas saí de mim algumas vezes.
Mas a maturidade penosa
e certas mulheres bem-intencionadas
pedem que eu abandone os maus hábitos.
Fujo das garotinhas dos traficantes,
e a cada manhã juro pra mim mesmo
que vou encarar novas rotinas -,
mas um ciclone desaba em minha alma
quando tele-entregas voam pelas ruas,
e estômagos ansiosos aguardam o xis-bacon e a pizza,
e farmácias de pernas abertas invadem madrugadas,
e ambulâncias chegam rápido,
e tudo o que preciso é manter o controle,
mas tudo o que faço é perdê-lo.
O medo ronda e espreita.
Eis que é chegada a hora:
Dona - aquela que vai apanhar minha mão
e me conduzir até o misterioso barquinho
para atravessar o último rio -
se aproxima cada vez mais,
e já escuto os seus sinais.
Chama-me com labaredas poéticas:
- Deve ser terrível, Palermo,
percorrer as romarias desse teu mundinho,
e teus olhos enxergarem apenas retângulos,
esferas e quadrados, num horizonte povoado por edifícios,
rodas de carros e motos...
Garoto, teu planetinha anda sofrível -
parece um aquário cheio de anúncios!
Vem... Vem comigo!
Dona veste minissaia e, num salto alto,
é a criatura mais linda da cidade.
Metamorfoseia-se do jeito que quiser:
loira, morena, jovem, meia-idade,
bruxa, feiticeira, musa, vilã...
Apresenta-se como se fosse da casa -
e é da casa, como os loucos amores
de outros tempos.
Se é morte ou se é vida,
não sei.
Só sei que me chama pelo nome.
Eis o derradeiro desafio:
decifrá-la, antes que me devore.
Ela ri do meu drama
e pede um último gole.
- Relaxa, Palermo,
ninguém controla nada mesmo.
E eu - meio tonto, meio lúcido -
penso que, se for pra atravessar o rio,
que seja dançando.
(B. B. Palermo)

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