Minha rua é
cheia de graça. Vivo nela como se fosse o céu. Alguns meninos brincam de skate
nas calçadas desfiguradas. Outros jogam futebol na rua irregular. De repente um
velhinho corta o silêncio com sua garganta guilhotinada, depois que um AVC
trucidou-lhe a voz. Ninguém dá a mínima para os instantes de terror. Só ele
descobriu, tarde demais, que logo vai morrer.
Mas não consigo
deixar de pensar nesses momentos doidos, da gurizada com toda a vida pela
frente, e dos velhos em contagem regressiva, algemados à solidão.
O velhinho
protesta a todo vapor o seu delírio. Mais lúcido do que nunca, uiva com seus
sons do outro mundo, embora a indiferença dos meninos.
Ele só quer espantar
a morte, que não está nem aí.
A sacana que se
deixa notar no obituário do jornal.
No ar solene da sala,
que aguarda o velório, na capela funerária.
Nas mais
recentes covas abertas no cemitério.
No torpor da
madrugada, antes que os sabiás desçam das árvores e conquistem suas futuras
namoradas, faço varreduras de poemas nos sites da internet.
Confesso, tenho
suores frios quando dedico meu precioso tempo aos poemas existenciais. De tanto
ler Pessoa, deixei de ser romântico e tornei-me um cético. Constato que o mundo
ficou branco no preto ao saber de cor e salteado seus mais citados poemas. E já
me disseram para ler coisas positivas, que alegram a vida.
De segunda a
sexta divido a normalidade com meus vizinhos. Somos todos formiguinhas. Mas aos
sábados e domingos ouço a música que eles me ofertam aos berros, como cigarras
alucinadas fazendo cânticos e liturgias.
Dia desses tive
a impressão gouche de que a música gritante das ruas mais próximas serve para
abafar os terríveis gemidos do velhinho: “Não dáááaaaa... não dáááaaaa...”. Nessas
horas busco estabanado os contos de Edgar Alan Poe. O terror e o mistério são como velas acesas
junto aos defuntos nos velórios. Quando o perfume da vela impregna a vida real,
eu brindo com os fantasmas por estar vivo.
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