Esquisito sai do meio das dunas e vem
pela rua e me avista.
Parece afoito e carrega alguma coisa
numa sacola.
Lembro duma vez em que me narrou de seu
contato com alienígenas na praia do A. Texas.
– Cadelão! – disse-me, ofegante, os
olhos arregalados como se tivesse visto o próprio fim do mundo – eles
voltaram...
A sacola mais parecia um saco velho
encontrado no mar; notei alguma coisa por entre as frestas do zíper.
Já vi coisas estranhas em minha
passagem por esse planeta, mas nada parecido com o que ele me mostrou.
– Do que você tá falando, Esquisito?
Quem voltou?
Ele olhou por sobre o ombro, como se
tivesse certeza
de que estava sendo seguido, e se
aproximou tanto que pude sentir o cheiro de maresia
misturado ao de cigarro e álcool e
baseado impregnando suas roupas velhas.
Abriu a sacola com cuidado, revelando
um objeto que parecia uma concha enorme com uns desenhos indecifráveis.
– Foi o que eles me deixaram, da
última vez.
Disseram que era uma chave... mas
agora, agora, eles ordenaram
que eu a leve até o Farol – disse-me
com a voz trêmula, um quase sussurro. Lá tem um portal. E hoje... hoje é a
única noite em que ele se abre!
Engoli em seco. Pensei, que droga esse
doido anda usando?!
Já ouvira rumores sobre o Farol –
diga-se, o Farol da Solidão, um lugar meio isolado, mas com muita histórias de
naufrágios de grandes navios, isso há quase 100 anos.
Segundo os pescadores mais velhos, é
um lugar misterioso e, para muitos, até amaldiçoado.
Quero um dia conhecer o Farol da Solidão,
mas não ao lado do Esquisito e com uma "chave alienígena nas mãos."
Caramba! E agora?
– Você vai mesmo levar isso lá?
Ele apenas assentiu. Depois, me
encarou com uma expressão entre medo e esperança.
– Cadelão... preciso que venha
comigo. Eles disseram que só posso entrar se eu não estiver sozinho...
Minha última conversa com o maluco
girou em torna de sua paranoia a respeito dos cupins que tomaram conta do
Litoral Norte.
Onde estavam as autoridades? Hotéis,
pousadas, condomínios, casas, todos, todos eram corroídos, humanos reféns dos
malditos insetos!
Ninguém faz nada!
Postava nos grupos de Whatts fotos e
gravava áudios, desejando desentocar os responsáveis pelo fenômeno.
Diante do silêncio geral, ele desabafava:
– Tá todo mundo de sacanagem!
Quando lá chegamos, notei que o Farol estava vazio,
abandonado, como o passado do Esquisito e talvez o meu.
Encostou a chave na base da torre e o vento parou.
Um brilho azul tomou conta da noite. E então, por
uma fração de segundo, o impossível pareceu real.
Mas só por uma fração.
O farol voltou ao
normal, o vento voltou, a vida voltou... e o Esquisito chorou baixinho.
– Eles me enganaram...
ou talvez... me esqueceram.
No retorno, ofereci uns
goles de pinga e um cigarro. Aceitou com um sorriso triste.
Desde aquele dia, nunca
mais falou dos alienígenas.
Sua vida, agora, gira em torno dos cupins.
Confesso que, às vezes, quando venho meio faceiro do
bar à noite, caminhando pela praia, lembro do Farol.
Milagre? Então, um feixe de luz pisca lá no alto – e
penso que talvez, só talvez, o Esquisito estivesse com razão o tempo todo.
(B. B. Palermo)