Se tiver
um carrão importado
você terá outros
rabos.
Não sei se esta
frase navegava
na parte mais
festiva do meu cérebro,
ou se era
projetada pelo outdoor da esquina,
ou se ouvira certo
dia
num melancólico
suspirar do Beiço.
Convenci-me de
que depois de certa idade
o que nos mantém
de pé e olhando pro horizonte
é a ilusão de
que algo bom surgirá, num flash,
como por exemplo
nossa "cara metade".
Enquanto o
marido averiguava as coisinhas
que o frentista
fazia no caminhonetão,
sentada no banco
ao lado do banco do motorista,
séria e gostosa
e contemplativa
e de ray-ban,
ela parecia
olhar pra mim.
Estava sentado a
uns dez metros
e duvidava de que
tivesse alguma curiosidade,
embora seja tipo
raro de mamífero
que vive escapulindo
do zoológico.
Eu a perdoo por
ela não saber
que estou por
dentro de outras coisas
além do cheiro da
fumaça do óleo diesel
e do glifosato e
do 24d que regam nossas terras vermelhas.
Ela não fazia
ideia de que por aqui
tudo se espalha e
inala e se compra e vende
fazendo
crescerem humanos e animais
e plantações de trigo
e soja.
Ela não sabe que
cansei de cheirar
refis que chapam
pernilongos
e o barulho do
ventilador me deprime
nesse cafofo com
tapetes paralisados pelo pó.
Para sua
integridade psíquica,
eu a perdoo por
não saber que sonho me entorpecer da maresia
que vem do mar
aberto do litoral sul do Brasil.
Ela me fitava e
devia pensar qualquer coisa,
algo prático,
tipo o que fazer
pra se livrar do "mala",
como se virar
sem um casamento
com menos grana
e status.
A merda é
conseguir evitar
o sentimento de
culpa
por ter desejos
de liberdade,
por não se
adaptar definitivamente
a uma relação
afetiva que pague impostos à civilização.
Se ela viesse
ter comigo
eu diria que
viver
é estar impregnado
de desejos e frustrações.
Diria: Acredite
no amor,
mas não apenas
nesse daí.
Eis-me aqui, gavião
solitário,
contemplando
espécimes raras e comuns
e tristes e cheias de dúvidas
assim como
eu.
(B. B. Palermo)