sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Normal

 

Tudo seria normal

 

não fosse a neblina

vinda do mar às 3 da tarde,

e quando acordei da sesta,

pouco antes das 3, não havia nem café nem açúcar 

e as paredes descascavam como lagartas 

prenhando borboletas.

Seria normal, não fosse a notícia

declamada por um vizinho,

professora desaparecida foi encontrada

dias depois dentro de um freezer -

e aí o cheiro de morte tomou conta

dos lugares mais sinistros deste apê.

Normal.

Garota cortou os pulsos

e quando o SAMU chegou

ela estava desmaiada

e na rua uns malucos me apontaram

o dedo.

Decidi então mudar para uma praia do nordeste

no próximo inverno...

Mas para hoje,

para hoje só me resta ir à barbearia

cortar o cabelo.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 27 de agosto de 2024

Vermes não amam


 

Basta entornar 2 ou 3 copos de ceva

que meus planos se alegram.

O lúpulo me relaxa e desperta

o humor.

Malucos contam vantagens sobre o seu passado

e eu não ligo, anoto num papel os meus planos

fodásticos para os próximos anos.

Mas não tem como escapar das histórias dos caras -

como enfiaram alguns milhões em sua conta,

como ganharam 1.000 reais por dia

com o aluguel de imóveis.

Deslumbrados, comentam:

- Olha só o patrimônio que ele tem!

E narram, das delícias de suas viagens,

apontando fazendas que não acabam mais:

-Tu sabe de quem é isso...

Dizem, com orgulho:

- Tudo isso é de fulano!

Pelo tom de sua fala, os caras são deuses,

e até o sol nascendo e se pondo

e os pássaros indo e voltando na primavera

é deles.

E dizem, orgulhosos, que os pobres fizeram imenso sacrifício,

não beberam e não fumaram e nem viajaram

e nem experimentaram as delícias da culinária

e tantos outros prazeres.

O que incomoda é que esses vermes, ao envelhecerem,

não terão consciência dos bens que deixarão para trás,

nem terão inveja da gurizada que pouco ou nada tem,

brindando a vida toda pela frente.

Cadelão, os vermes não enlouquecem

porque não sentem!

 

(B. B. Palermo)


domingo, 18 de agosto de 2024

Acredite em milagres


Bukowski me disse que - aos 50 anos - trabalhava o dia todo

e só escrevia à noite.

Claro, sacava que já estava detonado e tinha,

algumas vezes, ideias suicidas, e uma delas

é o conhecido procedimento padrão:

muitos porres e ressacas.

Em algum momento, percebeu que precisava tirar o pé

e se alimentar melhor e se afastar dos destilados.

Impressionado com a franqueza do meu mestre,

cheguei no Alvorada’s e lá estava o Marcão.

Papo vai, papo vem, tive a coragem de dar-lhe uns “conselhos”,

algo como nos mantermos vivos por mais umas 2 décadas 

- quem sabe?

A saída, meu amigo – enfatizei -, é diminuirmos na cachaça

e praticarmos uma alimentação saudável.

Marcão, cheio de histórias para contar e, portanto, sem tempo

para ouvir as histórias dos outros, se ligou no meu papo.

Palestrei sobre os benefícios dos cereais matinais,

ovos galados cozidos e brócolis e couve

refogados com azeite de oliva.

Foi chocante: Marcão afastou o copo e, inclusive,

as tantas doses diárias de Natu Nobilis,

sugou apenas 2 taças de vinho e foi para casa

comer uma sopa de legumes

e assistir uma série na Netflix.

 

(B. B. Palermo) 

sábado, 17 de agosto de 2024

O último a sair apague a luz

 

Pode ser que a qualquer momento surja algo surpreendente,

talvez a recompensa aos nossos brados

- como aquela torcida de um clube mineiro, gritando no estádio,

quando tudo parece perdido:

- EU ACREDITO!

Algo que abra o caminho como o trem de madrugada

cortando a neblina e arrastando o que vier pela frente.

Já estamos meio cansados das histórias que se repetem,

bem ou mal contadas, de tentativas e recuos

e muitos fiascos, é certo.


 

O X-Tudo aguarda sobre a mesa numa embalagem de isopor

e sei que ele vai esfriar.

É a última dose e logo estarei em casa, sentado no sofá, vendo TV.

O aquecedor roça meus pés como um cãozinho fiel,

trens vão e vêm e centenas de aviões subindo e descendo e,

para meu espanto (deleite?), um deles despenca dos céus

e a tragédia entope os noticiários e a TV -

mesmo sendo um mordomo pouco criativo -

me oferta de tudo:

análises dos peritos, relatos dos familiares das vítimas e etc. etc.

Lembro o que disse uma de minhas musas, Fernanda Torres:

- A vida é dialética!

Vida louca louca...

Um Xis-tudo requentado, misto de teatro,

bombas H descendo dos céus e multidões aguardando

a volta de Jesus.

A TV mandando ver, o aquecedor é meu servo preferido neste inverno

e até penso que vodca é água benta...

Aí, só me resta imaginar como seria legal

de novo embaralhar todas as cenas

e ser o último a sair pra então apagar a luz.

 

(B. B. Palermo)


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O preço que se paga


 


Cara, às vezes sinto algo estranho

e que dá uma aflição.

É assim: eu posso, quero e até leio bons livros,

e sei o quanto isso é importante para minha alma

e sensibilidade e imaginação e etc. e tals.

Livros esses que meus familiares e seus pais

e os pais de seus pais nunca leram.

Estão perdoados, sempre estiveram ocupados

em “ganhar” a vida.

Parece que exageraram em apostar todas as fichas

em outras vidas, melhores do que a

que tiveram por aqui.

Não consigo adiar pra amanhã o mel e o fel

que desfruto neste cotidiano.

Cada vez mais me convenço

de que um dia (aleatório) vou dormir

e não mais acordar.

Velho, vai ser um belo sono (eterno), hein?

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Escreveu hoje?



 

À tardinha, quando chego no Alvorada,

o Eder sempre pergunta:

- Escreveu hoje?

A semana enrolando e amanhã já é sexta

e já passa da metade do mês e eu escrevendo

por** nenhuma e levando uns esporros

do meu amigo do bar. Decidi mentir:

- Bah, véio, hoje foi o dia mais produtivo de agosto!

Matei a pau, tive uns insights e tá vindo aí meu primeiro romance!

O Eder abriu aquele sorriso de torcedor colorado

cheio de esperança e foi até o freezer:

- Maravilha, Cadelão! Esta cerveja é por conta da casa!

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Almocei meu pai

 

Na adolescência,
almocei meu pai.
Hoje, poeta porque bebo,
ou bebo porque poeta,
sinto cada vez mais a sua falta.
Já se passaram 37 anos que ele partiu
pra nunca mais.
Ele almoça e janta e prepara o café da manhã
e me dá sábios conselhos.
Dança em minha memória
e é o meu melhor
amigo.
Mas não esqueço das surras
patrocinadas
pelo cinto de suas calças
toda vez que fui dedurado
por mamãe.
(B. B. Palermo)

Rua Jardim da Paz, 3030, apto 303

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