Olhava pra ela, numa mesa próxima,
e cochichava para os meus sombras indiscretos:
"Mulher vulgar".
Armei o bote, esperando o momento certo pra atacar
quando seu ficante estivesse no banheiro.
O tal estava com mijadeira.
A cada meia hora troquei olhares com a guria.
Na quarta vez que o carinha partiu pro banheiro,
ela pediu meu contato.
Baixinha, bunda apetitosa,
cabelos lisos com tinta roxa,
ao ficar meio alta com as "gelas",
fazia biquinho e parecia melancólica
e com rugas em torno da boca
e envelhecia pelo menos uma dúzia de anos.
Sentou ali por perto o Palhacito,
um paraguaio que
faz malabares nas esquinas,
junto aos semáforos.
O cara andou por toda a América Latina.
Sabe das coisas.
Do jeito como ele observava a garota,
saquei de cara que ela era de programa.
O banheiro ficava do outro lado do bar, nos fundos.
Quando o ficante foi de novo pra lá,
eu disse que escrevia histórias
e que ela me deu a impressão de que viveu boas
histórias
e eu precisava ouvi-la
e podíamos gravar no celular e eu estava emocionado
e necessitava incrementar meus personagens
e ela também se emocionou e revelou que sua vida é
cheia de
loucuras.
O ficante retornou do banheiro e pareceu meio
incomodado.
"Deve ter cheirado", pensei.
"Agora ergue a patinha, o vira-lata,
como se fosse um pit bull,
e mija por todo canto".
Estou no mundo pra cooperar.
"Bem que podia dar umas trepadas com a putinha,
no meu estilo, só pra devolvê-la melhorada".
Dois dias depois ela mandou mensagem.
O ficante meteu-lhe o pé na bunda.
Numa cena de ciúmes, jogou seu celular contra a
parede.
Bebemos uns litrões de "gela" no bar do
Maneta,
pendurei mais meia dúzia e rumamos pro meu cafofo.
Mesmo arrebentado, o celular funcionava a todo vapor.
Colocou suas músicas pra tocar.
Rebolava, de um lado pro outro da sala,
naquele shortinho que aprisionava o rabo apetitoso.
Vi que ela desprendeu o botão do short,
"Hum... logo ela vai ficar de calcinha...
hoje vai ter streap...".
Deixou seu copo de cerveja no chão, ao lado do sofá,
e eu sabia que logo aquele copo já era.
"Depois só vai beber em copo de plástico",
pensei.
Dançava e falava do seu ficante.
Enchia a cara e falava do vira-lata que se imaginava
pit bull.
E nada do shortinho descer.
A garota queria
cheirar.
Falei "Meu bem,
pra essa semana o orçamento estourou".
Não suporto cheirar, eu
quero é foder.
Aí ela veio com essa:
- Tu já comeu mulher menstruada?
- Hum...
Fui ao banheiro e vi na lixeira o chumaço de papel
higiênico
manchado de sangue.
"Hum... Não tô bêbado o suficiente...
Hum... Não consigo encarar...".
Passou a noite comigo.
Dormia de bruços e seu
ronco era sereno.
Levantei onze da manhã
e a encontrei deitada no sofá fazendo o de sempre:
mexendo no celular,
ouvindo suas duplas sertanejas.
Ao ver a cena,
compreendi porque o ficante jogou o precioso aparelho
contra a parede.
Queria tomar o café da
manhã.
Não havia pão nem
margarina nem leite ou café,
apenas maçãs e bananas
na fruteira.
Arranjei uma desculpa
qualquer e pedi pra que fosse embora.
Fiquei matutando:
"Cadelão, não se
envolva com essas mulheres.
A conta até pode
demorar, mas ela sempre vem".
Dia desses eu navegava
no Tinder
e me chamou a atenção
algumas fotos de uma garota.
Hum... Idênticas às
fotos que ela enviara pelo WhatsApp.
Dizia assim, o seu
perfil no Site:
"Nada. 36 anos.
Santo Antão-RS. Sei que ninguém lê mas evitaria conversa fútil e respostas
desagradáveis sou solteira solteira solteira solteira solteira solteiríssima
solteira solteira independente favor homem casado puxar pra esquerda não estou
interessada em aventuras sexo casual grana não troco fotos nuds chamadas de
vídeo então respeito é bom para todos certo...".
Agora sei seu nome: Nada.
Tudo fez sentido.
Ela não existe.
Apenas o celular,
meio espatifado
mas funcionando a mil,
com seus contatos e ficantes
e fotos e vídeos
e et cetera e tals.
(B. B. Palermo)