Duas
da manhã de um sábado longo e chuvoso e frio de final de março. Eu chegava em
casa do bar e da sinuca e vi estacionado por ali um Ford 1986, um carro pesadão,
símbolo de status há uns vinte e poucos anos. Era o carro do namorado ou marido
ou amante da vizinha e eu simpatizei com a atitude de o cara pousar com
ela, depois de algumas semanas afastado.
O
gesto romântico me fez pensar na diferença entre os verbos "pousar" e
"posar". Baixei o dicionário Aurelião da estante e estabeleci uma
triste ponte entre o uso da língua (gramatical, diga-se) e nosso apetite
sexual. É que esses dias o Beiço comentou, num tom de sinceridade triste, que
ia ficar com uma garota. Mas desistiu. Ela pediu pelo WattsApp se poderia
passar a noite com ele no seu apartamento, isto é, "posar". Antes de
responder a mensagem o Beiço refletiu sobre o uso que a garota fez do verbo "posar"
e concluiu que ela queria passar a noite ao seu lado fazendo pose.
Beiço
imaginou a garota com aquela lingerie especial, numa noite especial, diante de
um cara especial, desfilando até encher seus olhos.
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Visualize a cena, Cadelão: eu sentado na cama e pousando meu olhar nas curvas
da garota, naquelas carnes e estrias e sobras e faltas e tals... e, claro, não esqueça
do seguinte detalhe, quando estamos sob o efeito do álcool a nossa visão é de
fotoshop, o que poderia ser horroroso torna-se divino.
Fiquei
pensando... Como pode o uso equivocado de um verbo, numa simples mensagem pelas
redes sociais, transformar o Beiço num broxa dos bem melancólicos?
Meu
amigo queria muito fazer sexo, mas depois repousar, isto é, ter tempo para dormir,
pousar. Quem não gostaria, depois de uma viagem cansativa, ter um ótimo repouso
numa pousada agradável?
(B.
B. Palermo)