segunda-feira, 15 de maio de 2023

Chamam-me

 


O padre

o pai

a mãe

chamam-me

para que os ajude a encontrar

seus filhotes perdidos.

Andarilho rebelde,

jamais contemplarei

como um profeta

estrelas ou nuvens 

à beira dos lagos.

Sou prático, 

um estressado com as 4 cadeiras

em torno da mesa da sala 

com jaqueta, camisas e meias repousando,

umas senhoras vermelhas de plástico, 

disfarçadas de cabides.

Pensamentos distraem-se com o joão-de-barro

catando coisas 

na grama.

Bem que eu poderia construir meu ninho

no alto das torres

como fazem as caturritas.

No domingo, o padre Alfredo 

chamou o rebanho 

pra caridade,

Vamos levar arroz, feijão, papel higiênico, 

leite e café aos necessitados!

Fugi da igreja e fui vender meus poemas,

reivindicava a alegria

de algumas cervejas.

Como sempre

não existo

portanto

não fui notado

pela alta voltagem

da sensibilidade

comunitária.


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Licor de pitanga



- Pô, Cadelão, nem bem sarou o dedo

estraçalhado pelo anzol 

e já tá subindo numa pitangueira?

- Beiço, tu já provou licor de pitanga?

- Hum... Já bebi de tudo,

inclusive gasolina.

- Véio, imagina o sabor dessas pitangas amadurecidas pela maresia. 

Degusta uma aí, sente o sabor...

- Tu vai adoçar?

- Claro, mas não com açúcar. 

Vai ser mel, do Zé do Mel. Conhece?

- Ouvi falar. 

- Cara, as abelhas do Zé só beijam flores de eucaliptos e maracujás. 

- Legal. Mas vê se não usa canha marca diabo.

Aliás, tu acha que consegue deixar curtindo por pelo menos uns 30 dias?

- Bah, cara, vai ser o meu maior desafio 

pra 2023.


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Quando eu era louquinho

 


Você-é-tudo-e-nada

ao-mesmo-tempo.

Num dia, revolucionário,

faz picadinho da tábua de valores,

mas logo se vê juntando os cacos de vidro

de mais um prato que quebrou.

Durante semanas brotam

cacos-espalhados-pelo-chão.


Hoje foi viagem total.

Um livro meu tem a possibilidade 

de ser adaptado para o teatro,

e nessa le-va-da fui até o quarto borrifar perfume,

queria chegar logo ao bar pra beber umas

e brindar com os amigos 

os-momentos-quem-sabe-possíveis-de-se-eternizarem.

Tanto delírio me levou a derrubar e espatifar

o frasco no chão.


Comentário de uma amiga psicanalista:

Diz muito o fato de você deixar as coisas caírem

e virarem fragmentos-de-histórias.

Em poucos anos de terapia

você compreenderá. 


Quando eu era louquinho

cortava a realidade feito meteoro.

Hoje as coisas que toco

quebram com mais e mais facilidade.

O perfume não era importado.

Era apenas imitação.

Mas no final das contas

ficou um pouco do perfume

em-cada-poema-e-nas-minhas-mãos.


(B. B. Palermo)

domingo, 16 de abril de 2023

Rebelião dos bichos

 


O Zé lia seus poemas para mim

enquanto a bicharada se empoleirava 

nas mesas próximas do bar,

declamando suas qualidades culinárias. 

Gritavam todos ao mesmo tempo,

ninguém dava ouvidos a ninguém 

- como desenvolviam suas panquecas, 

seus camarões ao molho e etcétera e tals.

Zé pegava carona

numas sinfonias de Beethoven e Bach,

senti que desejava alcançar os olhos 

de Deus.

No meio do bombardeio, 

eu tentava entender onde o poeta iniciava, 

desenvolvia e fechava suas narrativas.

Ele carregava uma pasta 

com uns 1.100 poemas.

Não suportou emprestá-los 

para que eu os degustasse com calma, em casa,

longe da rebelião dos bichos.


Será que um dia a galera vai ter alguma sensibilidade 

e vai conseguir sentir o sabor 

de uma obra de arte?

Imagino como foi com o pobre do Van Gogh, 

pintando seus quadros 

em meio a uns bárbaros 

totalmente insensíveis 

ao desabrochar 

da criação. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Singela

 


Pelas ruas 

ando

desolado 

à procura de um destino

a que possa me agarrar 

como um náufrago 

no oceano.

No alto

da janela 

de um prédio 

ouço singela voz.

Pareciam as canções 

que me embalaram

na infância 

fadas

princesas

ou afagos de mamãe. 


Singela, assim a batizei

e fiz as perguntas que há séculos 

me perseguem:

O que tens para mim

para ti

para o nosso lar

o que trazes das esquinas 

das feiras

das promessas feitas 

todo ano?


Sua voz trouxe 

sossego 

a alma náufraga 

se aquietou. 

Agora a eternidade 

me pertence 

embora haja espaços 

vazios 

que voz nenhuma 

preenche. 


(Zé & B. B. Palermo)

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Capitu

 

Ela partiu não sei pra quais jornadas
nas estrelas
e eu fiquei destruído,
então joguei o Buggy azul
contra uma guarita na beira do mar.
Tudo certo, não havia veranistas
e salva-vidas e senhoras marisqueiras
com seus olhares inquisitivos,
minha dignidade sobreviveu.
Miro o futuro,
dispenso pensar se alguém teve seu abraço,
sexo e olhar misterioso - estou tranquilo,
um apaixonado
pela Capitu do Século XXI.
Ela voltou ofertando-me de bandeja
versos mortais e até imorais.
Isso não tem importância
diante das ideias e ações duns monstros
agindo por aí.
Todos botam a boca no mundo e falam
e sabem a verdade.
Apenas eu tenho dúvidas
de quem pirou quem:
o indivíduo ou a sociedade.
Milagre, ela retornou ao lugar
que nos anima e inspira, aqui no bar do hotel,
e eu vi, alguns bebuns já cruzam
o Cabo da Boa Esperança,
mas eu, juro, nunca perdi o amor por essa dama
de verde.
ESPERANÇA!
Eu a contemplo sem culpas.
Estou à vontade e bebo outra cerveja,
e assim (Aleluia!) estou dispensado de voltar para casa no início da noite,
estou livre de ver na TV
as tragédias do dia
de hoje.
(B. B. Palermo)
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sábado, 25 de março de 2023

A genuína overdose

 


pingos me vinham

das calhas e

dos céus

e formavam córregos

e rios

correndo feito loucos 

até os oceanos


mas só havia pedreiras

pântanos 

e peraus 

dentro de mim


bêbado ou sóbrio

certo dia captei 

alguma beleza

amanhecendo 

e anoitecendo 

triste triste


hoje engatinho atrás 

da próxima dose 

e de alguns pingos 

que sejam o elixir 

da genuina 


overdose 


(B. B. Palermo & Zé)


terça-feira, 21 de março de 2023

Vem tormenta por aí

 


Ridículo ou engraçado, não sei.

O casal de velhinhos me viu na praia

meio curvado 

(movimentos suspeitos?)

anotando algo num papel. 

Espantaram-se, quando comentei:


ESTOU CAPTANDO IDEIAS NO AR.

VEM TORMENTA POR AÍ!


Pobres criaturas, 

logo partirão. 

Não terão o privilégio 

de cuspir 

pra bem longe

minha literatura. 


(B. B. Palermo)

terça-feira, 14 de março de 2023

Não é preciso tacar fogo na casa

 



Eu poderia estar contemplando a paisagem

pela janela de um avião 

a caminho da ilha de Fernando de Noronha, 

mas aqui estou me digladiando com a senhoria do cafofo. 

Tento vários disfarces pra entrar e sair 

com os latões de ceva.

Ela sabe tudo, 

é uma caninana cheia de truques. 

Me distraio mirando sua filha, 

uma baixinha com pernas bem torneadas. 

Ah, que pena, pouco tem ido à praia, poxa, o sol precisa retocar o seu bronzeado!

Tento manter relações amistosas com a senhoria.

Elogio as plantas "milagrosas" que ela cultiva junto ao prédio, 

próximas das janelas do cafofo.

À tardinha ela embriaga as pobrezinhas com uma mangueira,

e aí está um bom motivo pra correr pro boteco. 

Falando em plantas, o que me vem 

é o chá de Boldo,

o garotinho dá uns golpes abaixo da linha de cintura 

quase que diários 

na minha ressaca.

Tentei ser um bom homem,

nada de brigas com a dona,

instrui as minhocas que cavoucam na cabeça 

a focarem nas pernas tentadoras de sua filha.

Hoje o clima está ameno,

a senhoria prometeu me ensinar a apanhar mariscos na praia 

e preparar deliciosos pastéis, 

que ela jura serem tudo de bom.

Rapaziada, se me permitem um conselho,

nunca batam de frente com essas poderosas. 

Negociem, negociem...

Avancem 2 passos e recuem pelo menos 1.

Acredito que não é preciso 

tacar fogo na casa 

pra se livrar do cupim.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 9 de março de 2023

Não me chames em cima da hora



Meu bem, até parece que tu 

não delirou na adolescência, 

nem se dilacerou com algumas 

paixões. 

Até parece que tu não leu 

O Pequeno Príncipe, 

não copiou em letras de forma 

nos cadernos de escola 

as frases ditas pela raposa ao garoto, 

o personagem do Exupéry. 

Se queres me cativar, 

não telefone em cima da hora,

não estarei preparado, 

serei mais um dos tantos 

cadelões 

errando pelo mundo. 

Sem os dias agendados

à espera de tua doce mensagem,

estarei embriagado 

contando histórias engraçadas 

porque absurdas

pra outros bebados 

naquele bar de esquina,

voltado para o sol 

e o mar.

Baby, o amor quer 

ser fisgado 

por rituais,

até acontecer o milagre:

um sentir saudade 

do outro. 


(B. B. Palermo)

terça-feira, 7 de março de 2023

Lar

 


Foram 9 horas num ônibus,

e no caminho remoí o prazer

e o cansaço dos reencontros 

com amigos,

e também  as novidades,

fofocas e perplexidades.


Flanando por uma avenida 

do Texas

em direção ao lar

e ao mar,

respiro fundo 

e agarro a vida,

as alegrias e tristezas 

que terei 

pela frente.


Passei diante do cantinho 

onde se instalava o Arthur,

um amigo morador de rua,

e experimentei estranha dor -

não havia mais um lar.


Perdas são tsunamis,

e duvido que alguém esteja 

preparado.


Certo dia seu Arthur 

prometeu  

contar sua história

e por que ainda insiste 

que seu lar

sejam as ruas.


(B. B. Palermo)

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...