O
Cara! recebeu umas visitas ilustres e a tarde ia pelo meio. Descendente de italianos,
gosta de agradar, servindo aos amigos uma mesa farta. Então ele foi à padaria e
comprou coxinhas, pasteizinhos, risoles, croquetes, etc., etc.
Duas
garotas, a caixa e a empacotadora, sorriram e ele sorriu e sacou que o momento
merecia um brinde e então apanhou três balas de um estojo, que parecia uma
grande taça de plástico próxima à caixa registradora, e ofereceu uma a cada
garota.
Assim
que se viu na rua, levou sua bala à boca. Tinha sabor de torta de limão. Uma
delícia. Não era muito dura, mas grudaria nos dentes se mordesse em vez de
chupar. É por isso que eu sempre repito: desfrute o doce, sinta o seu sabor, se
você mastigar sem prestar atenção ele logo vai sumir sem ser apreciado.
Ainda
bem que o Cara! não mordeu aquela bala com voracidade, porque daí a pouco notou
algo estranho, metálico, roçando e tilintando em seus dentes.
Ficou
espantado. Apanhou aquela massa contendo em seu interior um objeto duro e
indignou-se... Era um dente!
Deu
uma cusparada contra o muro, enrolou aquele dente na casca da bala, verificando
sua marca.
Estava
a uns cinquenta metros da padaria. Furioso, retornou. As atendentes, as pessoas
na fila, todos precisavam saber do fato gravíssimo. Como um dente foi parar no
meio de uma simples bala?
Uma
garota que estava na fila ficou admirada. "Nossa, parece que ele é de ouro!".
O
Cara! pediu outra bala de brinde, disse que cogitava processar o fabricante. Tinha
um amigo advogado, o Silveirinha, especialista em enfiar no rabo dessas
empresas irresponsáveis volumosas indenizações por danos morais.
Para
distensionar um pouco o ambiente, disse à empacotadora, jovem e bonita e simpática,
que aquilo era nojento.
A
garota sorriu amarelado e confirmou. "Sim, isso é muito nojento".
Tomou
o rumo de casa chupando cuidadosamente a bala que agora tomava o céu de sua
boca. Tentou não pensar no sabor, pra não ter vontade de vomitar. Assim que
dobrou a esquina, passou a língua na parte debaixo e do lado esquerdo da boca e
notou que havia um buraco estranho.
Ontem eu caminhava pela calçada de um
bairro de minha cidade e me deparei com um solitário velhinho, com cara de
transtornado. Falava alto e, mesmo que estivesse a poucos metros de distância, não
me notou, continuou falando.
O final do dia, além de abafado, está
meio estranho, pensei.
Quando era criança, cenas como essa me
impressionavam. Mas quem liga pra isso hoje em dia?
Algumas vezes, ao retornar pra casa do
bar, embriagado, eu também falo sozinho. Porém, tomo o cuidado de o fazer um
pouco tarde da noite, quando a comunidade está em sono alto, só assim não me
intimido.
Se é noite de luar ou o céu está
estrelado, converso animadamente com as estrelas e a via láctea, algumas das representantes
de Deus no universo.
Ao servir o exército, numa cidade que
ficava a uns setecentos quilômetros de onde eu morava, trocava cartas com uma
garota adolescente, uma "quase" namorada. Depois de ser colocada no
correio, a carta demorava uma semana pra chegar ao seu destino. Isso quer dizer
que recebia a resposta da garota não menos do que duas semanas depois.
Poderia ter renunciado ao serviço
militar, mas disse ao comandante, na entrevista derradeira, que queria
permanecer. O que fiz aos dezoito anos eu faço até hoje: gosto de sofrer, gosto
de sentir saudade, morando longe das pessoas mais próximas.
Quanto a isso, os
psicanalistas, freudianos ou lacanianos, têm o conceito na ponta da língua pra "classificar"
meu tipo de neurose. Fodam-se todos eles.
Escrevia muitas cartas. Não sei como as
garotas suportavam páginas e páginas daquelas "viagens". Talvez esse
gosto pela escrita me salve (ou liberte?) de caminhar pelas ruas falando
sozinho.
Hoje, Ao recordar minha juventude, até acho
engraçado. Tinha aspirações literárias. Sonhava me imortalizar como poeta. E
não fazia ideia de que todo esse sonho iria pro ralo, bastava me apaixonar por
alguma garota. Foram várias paixões. O poeta amou e deixou a arte em segundo
plano.
Juvenil, não tinha qualquer maturidade e
noção de que poderia "reencarnar" almas altamente criativas de tempos
passados, que me presenteariam com histórias imortalizadoras. Quando a
inspiração surgia, meu espírito apaixonado se desviava dos caminhos criativos,
os insights. E, com certeza, não tive um mínimo de "café" para
compreender e decifrar essas histórias e colocá-las no papel.
É por essas e outras que, ao observar
essa gurizada por aí, não sinto pena ou lamento tamanha ingenuidade. Ao
contrário, me coloco no lugar deles. São o que eu fui um dia.
Nesses
dias de esforços sobre-humanos para me manter sóbrio e recuar um pouco a
barriga, a primeira música que me sobe à cabeça é de propaganda de cerveja.
Pior
ainda é duelar com a vontade capeta que só vê copo cheio diante dos olhos à
espera pra ser sugado, e a toda hora me perguntar quem sou eu e o que quero da
vida.
Ainda
mais dramático é ler poetas rebeldes de alguns séculos atrás e buscar traços
que me identifiquem com eles, como se tivesse herdado ou reencarnado seus defeitos
e vícios.
Agora,
ao ouvir o blues que o Renato Fernandes canta bêbado nuns versos em nossa
língua varonil, a palavrinha que lateja em minha mente é "dignidade,
dignidade". Como se eu devesse me culpar por todas as merdas que os
políticos planejam na calada da noite, e seu papo furado de que são necessárias
reformas urgentes, como se o mundo fosse acabar se não aceitarmos isso.
Os que
os apoiam são chamados de "gado".
Os que
fazem a crítica são chamados de comunistas.
Rebanhos,
todos, com ou sem conhecimento de causa, marchando em ordem unida para o abate.
Não
suporto bater de frente com a opinião desse povo. Sei que serei odiado, pois
aqui estou dando meus palpites.
Nossa
opinião tem o mesmo grau de veracidade dos seis números que jogamos na Mega sena.
A probabilidade de acertar e de ser levado a sério é de uma em seis milhões.
Então, não perca tempo opinado por aí. É muito mais saudável ir pescar ou fazer
sexo ou, por que não?, se masturbar. Vai por mim, meu brother.
Pachos na testa
Terço na mão
Uma botija Chá de limão
Zaragatoas
Vinho com mel
Três aspirinas
Creme na pele
Dói-me a garganta
Chamo a mulher
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer
Mede-me a febre
Olha-me a goela
Cala os miúdos
Fecha a janela
Não quero canja
Nem a salada
Ai Lurdes, Lurdes
Não vales nada
Se tu sonhasses
Como me sinto
Já vejo a morte
Nunca te minto
Já vejo o inferno
Chamas diabos
Anjos estranhos
Cornos e rabos
Tigres sem listas
Bodes de tranças
Choros de corujas
Risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes
Que foi aquilo
Não é a chuva
No meu postigo
Ai Lurdes, Lurdes
Fica comigo
Não é o vento
A cirandar
Nem são as vozes
Que vêm do mar
Não é o pingo
De uma torneira
Põe-me a santinha
À cabeceira
Compõe-me a colcha
Fala ao prior
Pousa o Jesus
No cobertor
Chama o doutor
Passa a chamada
Ai Lurdes, Lurdes
Nem dás por nada
Faz-me tisanas
E pão de ló
Não te levantes
Que fico só
Aqui sozinho
A apodrecer
Ai Lurdes, Lurdes
Que vou morrer.